Argélia: um processo revolucionário em curso

Ouvimos a companheira Nadia Chouitem, que, em meio às enormes manifestações de massa que vem ocorrendo no país norte-africano, apresentou sua renúncia à Assembleia Nacional junto com os demais depu­tados do PT da Argélia (partido que é membro do Acordo Internacional dos Trabalhadores e Povos-AcIT). Na­dia, além de deputada eleita e agora demissionária, é médica e sindicalista no setor Saúde.

O Trabalho – Por que os deputados do PT renunciaram aos seus mandatos parlamentares?

Nadia Chouitem – A renúncia da ban­cada parlamentar do PT foi decidida pela direção do partido. Consideramos que estamos diante de um proces­so revolucionário, com milhões de cidadãos se manifestando pelo fim do sistema político argelino e seus símbolos, a saída do presidente e de todo o governo, bem como a dissolu­ção do parlamento, para que o povo possa exercer a sua soberania. Se antes o PT utilizava o parlamento como tribuna de expressão, agora não pode mais fazê-lo, pois foi o próprio parlamento que impôs, junto com o conselho constitucional e o Exército, o presidente do Senado como chefe de Estado por 90 dias para preparar eleições presidenciais, contra a von­tade expressa de milhões de argelinos que saíram às ruas.

OT – Como se desenvolve a mobilização do povo argelino?

Nadia – Desde 22 de fevereiro as manifestações não param de crescer. As reivindicações são políticas e se concentram na saída de todo o sis­tema. Mas também se exige julgar os corruptos e a reapropriação coletiva dos bens e fundos desviados.

Os jovens e estudantes estão na van­guarda. As distintas categorias entraram nesse movimento revolucionário: trabalhadores dos setores público e privado, advogados e juízes, artistas, jornalistas. Todas as sextas-feiras (que correspondem ao domingo nos países de maioria muçulmana, como a Argé­lia, NdT) ocorrem marchas populares de milhões ao longo do país, mesmo nas pequenas cidades, e todas elas são pacíficas, unitárias e com forte presença das mulheres. A sétima manifestação ocorreu em 5 de abril e chegou a mobilizar 25 milhões de argelinos, logo após a renúncia de Boute­flika à presidência.

Em 9 de abril, data da nomeação do presiden­te interino, centenas de milhares de estudantes manifestaram-se em todas as cidades universitárias para dizer: “Não! Fora com o sistema”. Na capital Argel, a marcha foi reprimida e houve prisões. Apesar disso, os estudantes não se dispersaram. O governo quer proibir marchas durante a semana, mas elas continuam e para este 10 de abril a Confederação dos Sindicatos Argelinos – nova central em construção com 13 sindicatos nacionais – convoca uma greve geral e uma marcha a Argel.

OT – Qual é a saída política para essa situação?

Nadia – O PT propõe a organização de comitês populares, entrando no debate geral com a defesa da eleição de delegados desses comitês que lu­tem por uma Assembleia Constituinte Soberana. Pensamos que é necessária uma direção mandatada para o mo­vimento revolucionário em curso, para se ocupar inclusive das questões públicas de forma transitória até a ins­talação da Constituinte. Os cidadãos discutem nas ruas, universidades e lo­cais de trabalho, buscando um quadro para expressar as suas reivindicações. Estamos numa fase de debate e de auto-organização.

Ao mesmo tempo o sistema se­gue de pé, com os partidos ditos de oposição ou de situação e o Exército agindo para acelerar a realização de eleições presidenciais. Seu objetivo é o de preencher o vazio institucional e manter o sistema atual, que é rejeitado pela esmagadora maioria do povo. A repressão das marchas começou e o Exército se intromete na política exigindo uma “solução constitucio­nal”, isto é, nos marcos do sistema. A mobilização prossegue e o povo está determinado a se manifestar de forma pacífica, de modo a evitar der­rapagens e provocações. A solidarie­dade é muito forte, fazendo evoluir o processo revolucionário.

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