Espanha: origem e percurso do movimento dito dos “indignados”

Andreu Camps •

Desde 15 de maio de 2011, centenas de milhares de jovens, com adesão em seguida de diferentes movimentos dos trabalhadores, manifestaram-se repetidas vezes em todas as cidades do Estado espanhol.

Este movimento, cujos objetivos aparecem como muito heterogêneos, foi divulgado na mídia amplamente, na Espanha e em escala internacional.

Quais são as causas que explicam o surgimento deste movimento? Qual é o seu impacto sobre a luta de classes e sobre a crise econômica, institucional, política e social que atinge a Espanha?

Buscaremos, neste artigo, fornecer algumas informações para expor a posição da 4ª Internacional, e notadamente de sua seção espanhola, diante do movimento dos “indignados” [1].

O contexto no qual surgiram os “indignados”

É preciso deixar claro que a crise de decomposição do regime capitalista, que atinge toda a economia mundial, tem um impacto particularmente agudo na Espanha, país que pertence à zona do euro e que faz parte da União Europeia desde 1986. A instauração do euro, em 2001, acelerou todos os processos de destruição da indústria metalúrgica e mineira tradicional, assim como o cultivo de gêneros alimentícios, dando um espaço maior à especulação imobiliária, que transformou-se no acelerador da atividade econômica.

A crise aberta em agosto de 2008 atingiu em cheio a Espanha e provocou uma situação na qual, hoje, 22% da população ativa está desempregada; entre os trabalhadores com contrato de trabalho, 30% são precários; 46% dos jovens de 16 a 25 anos estão sem emprego. E isso atinge particularmente a juventude diplomada.

O regime da monarquia, produto da reforma do aparelho franquista depois da morte do ditator Francisco Franco, em novembro de 1975, agravou o caráter extremamente parasitário do Estado, com a constituição de um aparelho para-estatal em 17 regiões que somam a metade do orçamento, principalmente as competências exclusivas de saúde e de educação.

A crise econômica e o agravamento da crise política alimentam-se reciprocamente, numa situação particular na qual o governo, desde 2004, está nas mãos dos dirigentes do partido tradicional da classe trabalhadora, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), no qual o principal dirigente, José Luis Zapatero, em sua vitória de 14 de março de 2004, foi confrontado pela palavra de ordem: “Não nos desaponte!”

Em 10 de maio de 2010, sob as imposições da União Européia e de Barack Obama, Zapatero apresentou às Cortes (Parlamento espanhol) um plano brutal de ajuste que determinou, entre outras coisas, a redução dos salários dos funcionários públicos, e que preparou toda uma série de contra-reformas, incluindo a questão da aposentadoria.

No dia seguinte a este plano, o secretário da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Candido Mendez, declarou que esta decisão provocara uma fissura política entre o PSOE e os trabalhadores, e que o movimento sindical não ficaria de braços cruzados.

As federações dos funcionários públicos chamaram um greve em 8 de junho de 2010, que não foi apoiada – na prática – pelas centrais sindicais. Os trabalhadores do metrô de Madri entraram em greve espontaneamente em 29 e 30 de junho de 2010. Os dirigentes das federações assinaram um acordo sem ao menos consultar os trabalhadores envolvidos.

Um chamado comum das centrais sindicais UGT e CCOO (Comissões Operárias) a um dia de greve geral foi lançado para 29 de setembro de 2010, contra a reforma do Código do Trabalho que resultava do plano de ajuste.

Dezenas de milhares de jovens participaram de maneira entusiástica da preparação desta greve, por mais que a maioria não estivesse sindicalizada.

Os secretários gerais das centrais recusaram-se a dar continuidade à greve de 29 de setembro, e negociaram com o governo a reforma das aposentadorias, aceitando o essencial da contra-reforma proposta, o que provocou uma divisão entre a classe trabalhadora e a juventude. É preciso dizer que a realização deste verdadeiro pacto social (ASE) foi apoiada pela Confederação Europeia dos Sindicatos (CES), e em sua cerimônia de assinatura, em 2 de fevereiro de 2011, recebeu o apoio e a presença do presidente da Confederação Alemã dos Sindicatos (DGB), Michael Sommer.

Anteriormente, no início de dezembro de 2010, os secretários-gerais da UGT e das CCOO tinham condenado a greve espontânea dos controladores aéreos, greve em resposta à decisão unilateral do governo de não respeitar a convenção coletiva da categoria. Diante da decisão do governo de declarar o estado de alerta com a militarização dos aeroportos, os dirigentes das centrais sindicais apoiaram o governo.

Todas essas circunstâncias explicam que, de um lado, a imensa maioria da classe trabalhadora tenha rejeitado por quase unanimidade a assinatura do pacto social (segundo as pesquisas, 70% da população rejeitava) e, por outro lado, que a juventude trabalhadora tenha abandonado maciçamente os sindicatos.

Nesta situação, em que a classe operária estava momentaneamente bloqueada pelos aparelhos sindicais, desapontada pela política de Zapatero, e o fato de que a juventude estivesse abandonada, sem futuro, que surgiu esse movimento dos “indignados”.

Em outras circunstâncias, mas num movimento análogo do ponto de vista do método, lembremos do movimento dos estudantes em 1930, no final da ditadura de Primo de Rivera, que teve um papel importante.

As manifestações dos estudantes são uma tentativa da nova geração da burguesia, sobretudo da pequena burguesia, de encontrar uma solução à situação de equilíbrio instável na qual se encontra o país depois que, digamos, foi libertado da ditadura de Primo de Rivera, mas que conservou a sua herança e seus elementos essenciais. Quando a burguesia se recusa consciente e obstinadamente a resolver os problemas que resultam da crise da sociedade burguesa e o proletariado ainda não está pronto para assumir esse papel, são os estudantes que tomam a cena. Durante a primeira Revolução Russa, observamos muitas vezes este fenômeno. Sempre houve para nós um grande significado: esta atividade revolucionária ou semi-revolucionária implica que a sociedade burguesa atravessa uma crise profunda. A juventude pequeno-burguesa, sentindo que uma força explosiva se acumula no seio das massas, procura à sua maneira encontrar uma saída a este impasse, fazendo progredir a situação política.

A burguesia avalia o movimento dos estudantes metade com desconfiança, e metade com aprovação: que a juventude dê umas pauladas na burocracia monarquista não é nada ruim; contanto que essas ‘crianças’ não cheguem tão longe e que não estabeleçam relações com as massas trabalhadoras.

Apoiando o movimento estudantil, os operários espanhóis deram um sinal claro de um instinto revolucionário. Mas eles devem, é claro, levar sua ação sob suas próprias bandeiras e sob a direção da sua própria organização proletária. É o comunismo espanhol que deve garantir isso e lhe é preciso uma linha política justa. A aparição do seu jornal, como eu dizia acima, coincide com um momento extraordinariamente importante e crítico da crise, precisamente com o momento em que ela está se transformando em revolução” [2].

 

De 15 de maio a 15 de outubro…

As primeiras grandes manifestações que deram origem aos “indignados” desenrolaram-se em 15 de maio de 2011 (vem daí a denominação de “15M”). Mas antes, havia meses, apesar do bloqueio dos principais dirigentes sindicais, aconteciam movimentos de greve e manifestações, notadamente, em fevereiro, na região de Murcia, onde houve uma greve geral de vários dias no serviço público.

Em 14 de maio, véspera do 15, houve uma manifestação em Barcelona, sob o chamado da UGT e das CCOO, contra os cortes anunciados. Mais de 100 mil trabalhadores, com um contingente de jovens muito importante, fizeram uma passeata e exigiram a retirada do plano e a anulação dos cortes do orçamento. É neste contexto que as manifestações de 15 de maio foram convocadas, dirigindo-se inicialmente aos jovens, mas num quadro de acusação aos operários adultos, de que eles ainda tinham direitos.

Numa declaração do Comitê Central do POSI, seção espanhola da 4ª Internacional, fazendo um balanço de cinco meses, e no dia anterior à jornada internacional de 15 de outubro, convocada em nome de “mudanças globais”, estava dito:

“Há quase cinco meses, em 15 de maio, milhares de pessoas se manifestaram nas ruas sob a base de um chamamento via internet para que manifestassem sua indignação sobre a atual situação. Para que esta mobilização, que em sua maioria foi composta por jovens, mas também por trabalhadores, fosse possível, foi preciso duas condições: uma situação gravíssima atingindo a maioria da população, com cinco milhões de desempregados, e ataques contra as conquistas sociais.

Enquanto o governo de Zapatero, um governo do Partido Socialista, eleito com os votos dos trabalhadores, submeteu-se sem discutir às exigências do capital financeiro e traiu assim seu mandato, os dirigentes da UGT e das CCOO, ligados ao diálogo social, recusaram-se à organizar a resistência dos trabalhadores, a mobilização unida, enquanto a Izquierda Unida (Esquerda Unida), como esquerda institucional, não lhes oferecia também uma saída.

A mobilização exprimia a rejeição de um setor importante da sociedade contra os políticos a serviço dos bancos – ‘Eles não nos representam’ –, assim como contra o governo do capital financeiro – ‘Não é democracia se são os mercados que governam’.

A indignação social, que não encontrava um meio de se exprimir, foi levada a se exprimir nas mobilizações de 15 de maio e de 19 de junho. A repressão do governo deu as formas e a cristalização de um movimento heterogêneo, o 15M.

Algumas pessoas, a partir de posições ‘anti-capitalistas’, idealizam este movimento e propõem que as organizações dos trabalhadores, em particular os sindicatos, se submetam a ele. Outras consideram que o 15M é a via da organização da ‘sociedade civil’ (que nega a luta de classes). Nessa via, são, sem dúvida nenhuma, apoiados amplamente pela mídia e por todos os tipos de ‘pensadores’ (…).”

A jornada dita mundial de 15 de outubro procurava estender esse movimento para todos os países.

A declaração do POSI continua:

“O chamado diz: ‘Seremos pessoas do mundo inteiro a nos manifestarmos nas ruas e nas praças’, ‘diremos aos políticos e às elites financeiras às quais eles servem que deve caber apenas a nós, o povo, decidir sobre o nosso futuro’, ‘nos reuniremos nas ruas para iniciar a mudança social que queremos’.

Quais mudanças e como? Um dos sites inspiradores da jornada responde: ‘Um sistema institucional de democracia mundial que dará aos cidadãos do mundo a participação nas organizações mundiais que irá além dos Estados-nações’, ‘votos mundiais para eleger os dirigentes do mundo (em particular, as eleições presidenciais para o secretariado-geral da ONU) e mais democracia nas organizações internacionais (quer dizer, o Parlamento das Nações Unidas)’. Definitivamente, querem nos inserir numa participação às instituições da globalização, nas instituições supra-nacionais imperialistas, legitimando-as contra os povos e as nações do mundo, contra as organizações dos trabalhadores. É o inverso da democracia, que tem de estar fundada na união livre dos povos e das nações, desde baixo, contra as multinacionais e suas agências.

Isso não coloca em cheque de nenhuma forma o regime político econômico contra o qual se levantaram aqueles que foram até Puerta del Sol. Ao contrário, esses grupos fogem como da peste de propostas adotadas por largos setores nas assembleias e manifestações do 15M, como a estatização dos bancos e a Assembleia Constituinte. Alguns se opõem também às aspirações democráticas do povo catalão, contribuindo assim à divisão. Ou se opõem ao combate pela República que, no Estado espanhol, sempre foi sinônimo de democracia.

Em nome de quem esses grupos falam? Seria mais conveniente dizer no lugar de quem eles falam. Porque constantemente são eles mesmos que se opõem a que os representantes das assembléias de bairro ou de cidade decidam as posições e iniciativas do 15M. Eles preferem pequenas reuniões com os notáveis que possuem a tutela do movimento.

Com base na tese de apartidarismo e de assindicalismo, setores do movimento vão além, procurando opor os jovens que se mobilizam à classe trabalhadora e às suas organizações. São aqueles que iam às assembleias de professores em Madri para propor, em nome do 15M, a ruptura com os sindicatos, enquanto a maioria combatia para que os sindicatos organizassem a luta, ou aqueles que propunham ‘greve geral sem sindicatos’, o que era na realidade uma não-greve geral, e dirigida contra os sindicatos.

Em nome da ‘democracia’, eles compartilham a tese de servidores do capital financeiro, como Hayek, que pensam que os sindicatos devem desaparecer. Rajoy (dirigente do Partido Popular neofranquista, vencedor das eleições de 20 de novembro de 2011) propõe como primeiro objetivo do seu governo liquidar as convenções coletivas existentes e, portanto, o papel dos sindicatos. Eles os apoiam? Trabalham para ele? Mas o trabalhador isolado não pode se defender, a classe operária só pode reagir se ela se organiza. Para isso, precisa reconquistar (e não destruir) seus sindicatos, se dotar de um partido político que responda apenas a seus próprios interesses. Recusar esta via é recusar qualquer saída para a situação atual da sociedade.

Nas assembleias do 15M de Getafe, por exemplo, esses setores recusaram-se a apoiar o combate contra a sanção imposta ao principal dirigente sindical da indústria John Deere sob o pretexto de que o movimento não apoia os sindicatos, e que combate para que eles desapareçam. Mas a combinação da indignação social com a destruição das organizações dos trabalhadores era a base dos movimentos fascistas.

No Estado espanhol, os jovens não possuem organizações políticas. Durante a transição, as juventudes socialistas e comunistas foram destruídas, pois eram obstáculos aos planos de Carrillo e de Gonzalez [3] visando manter o essencial do aparelho de Estado da ditadura presidida pelo rei herdeiro de Franco. Hoje, a mobilização da juventude exigiria a construção de uma organização da juventude, ligada à luta da classe operária – necessidade bloqueada por aqueles que recusam a presença de qualquer organização nas mobilizações”.

Uma coisa é evidente: no ponto de partida, a mobilização desses jovens e menos jovens beneficiou-se da simpatia da maioria dos trabalhadores e de uma boa parte da população. A questão central é de compreender quem tem a responsabilidade por esta situação e como responder a ela.

Numa declaração da redação do “Información Obrera”, jornal que combate na Espanha por uma nova representação política, está dito notadamente:

Toda a responsabilidade pelo fato de que o peso da crise capitalista caia sobre os trabalhadores e os jovens é daqueles que foram eleitos por eles para defender seus direitos e conquistas, para abrir um futuro de democracia e de progresso, e que, traindo este mandato, estão a caminho de destruir o país sob as ordens do FMI e da União Europeia, que impõem a lei dos ‘mercados’.

Toda a responsabilidade pelo fato de que a crise capitalista caia sobre os ombros dos trabalhadores, dos jovens e das camadas populares é dos dirigentes das organizações políticas e sindicais construídas pelos trabalhadores que, dando as costas à vontade dos seus aderentes, de seus eleitores, da maioria operária, da juventude, amarram-se por meio de pactos e alianças aos patrões, aos banqueiros, aos franquistas e a todas as direitas.”

 

Como responder às aspirações da juventude?

Em 1º de junho, um apelo assinado por uma centena de militantes operários e dirigentes sindicais, intitulada: “Trabalho com direitos, moradia e democracia!”, dizia claramente:

Desde 15 de maio, centenas de milhares de jovens, trabalhadores e cidadãos mobilizam-se em todas as cidades para exigir um trabalho com salário digno e direitos, habitação, uma verdadeira democracia. Eles não se reconhecem nos partidos instalados no sistema: ‘Eles não nos representam, não!’ Esse grito não coincide com a rejeição maciça dos trabalhadores à política do governo Zapatero nas eleições?

Rejeição maciça da extrema precarização, do desemprego (54% dos jovens não têm nenhuma perspectiva de futuro) e agora dos cortes orçamentários do governo Zapatero, do governo do PSOE, que virou as costas para aqueles que o levaram ao poder (os trabalhadores e jovens), dando continuidade à política de diferentes governos que, desde a morte de Franco, submeteram-se à continuidade das instituições franquistas, e depois à União Europeia…

Toda a população, com a classe trabalhadora à frente, compartilha as exigências da juventude: direito a um trabalho, a uma habitação! Democracia! Quem vai satisfazer essas exigências e abrirá a via da satisfação das reivindicações dos trabalhadores e das massas oprimidas da cidade e do campo?

‘Não existe democracia quando é o mercado que decide’. Nenhum governo nascido do acordo entre os partidos engajados na aplicação dos tratados europeus e dos planos de ajuste da União Europeia e do FMI trará a menor resposta a essas exigências vitais. Mesmo apoiado sobre o pacto vergonhoso assinado por Toxo e Mendez [4].

Como militantes trabalhadores, queremos abrir a via para que nossa classe se uma, e fazer com que os jovens e os cinco milhões de desempregados tenham um verdadeiro emprego, um contrato de trabalho por tempo indeterminado, com um verdadeiro salário.

Apenas a classe trabalhadora, unida ao redor de suas organizações sindicais, pode impor aos governos um plano de criação de empregos incluindo a contratação de médicos, professores e funcionários para manter o serviço público. Nós, militantes trabalhadores que assinamos este apelo, chamamos à ação para ajudar a nossa classe a impor a retirada de todos os cortes orçamentários e do plano de ajuste aplicado por Zapatero, sob os ditames de Obama e da União Europeia, traindo sua base social.

Nós, militantes operários e sindicalistas, assumimos a responsabilidade de organizar, com nossos camaradas, o combate para nos reapropriar das nossas organizações e impedir que sejam assinados ‘acordos’ às nossas costas com o governo contra os interesses dos trabalhadores. Mais do que nunca: Toxo, Mendez, retirem sua assinatura do pacto contra as aposentadorias.

Os jovens querem uma habitação! Centenas de milhares de famílias trabalhadoras viram suas casas serem confiscadas. Existe um milhão de apartamentos vazios, pertencentes aos bancos e aos fundos de pensão. É preciso que os governos coloquem este um milhão de habitações à disposição dos jovens e das famílias trabalhadoras, ameaçando os bancos de expropriação se eles não o fizerem imediatamente.

Os jovens querem uma verdadeira democracia, como todos os povos da Espanha, que foram proibidos de proclamar a República com a morte de Franco. Para termos uma verdadeira democracia, é preciso acabar com a monarquia ‘restaurada’, com o seu aparelho repressivo, militar e judiciário, com o poder dos bancos e das instituições de Bruxelas.

Satisfazer as aspirações dos jovens exige a ruptura com Bruxelas, eleições livres para uma verdadeira Assembleia Constituinte de todos os povos da Espanha, fundada no respeito aos direitos das nacionalidades.

Nós, militantes trabalhadores, conscientes de que o futuro é nossa responsabilidade, declaramos:

− A classe trabalhadora, na unidade com suas organizações, é a única capaz de oferecer um futuro para a juventude, porque a odiada exploração capitalista a une e a torna capaz de vencer o capital. − − Mas, para isso, devemos reconquistar as organizações que construímos com a morte de Franco, conseguir com que a UGT e a CCOO retirem suas assinaturas do vergonhoso pacto com o Zapatero e a CEOE (organização patronal espanhola, NdE). − Aqueles que, como a União Europeia e os agentes do FMI, tentam colocar em oposição a juventude e a classe trabalhadora ‘instalada’, e seus supostos privilégios, respondemos:

− Como os jovens podem ter um emprego se os mais velhos têm suas aposentadorias mais tardiamente e se os trabalhadores devem trabalhar cada vez mais tempo? − − Como podemos aceitar, que em nome da ‘flexibilidade’, os dirigentes das CCOO e da UGT possam ‘negociar’ o desmantelamento das convenções coletivas, jogar os trabalhadores adultos contra os jovens empregados sem nenhum direito? Nenhum pacto contra as convenções coletivas! − Quem dará uma habitação, um emprego, a liberdade? Ninguém acha que será o FMI, a União Europeia ou qualquer outro governo submetido ao capital financeiro. Apenas a classe trabalhadora, reconquistando suas organizações, e antes de tudo os seus sindicatos, recuperando uma representação política, abrirá a via à juventude para combater juntos pelos mesmos direitos em toda parte.

É a via da luta unida dos trabalhadores e dos povos para constituir serviços públicos bem financiados e organizados, de maneira coordenada em escala nacional, no lugar de 17 serviços de ensino e de saúde asfixiados e em via de privatização: um plano de choque para restaurar a universidade pública.

Nós, militantes operários que lutamos nas fábricas e locais de trabalho, nos nossos sindicatos para recuperá-los e colocá-los a serviço dos trabalhadores, estendemos a mão aos jovens de todo o país.

Querem nos dividir, dizem que são nossos salários e aposentadorias que impedem os jovens de ter um emprego. Não! Lutemos juntos por um verdadeiro trabalho e um verdadeiro salário, com os mesmos direitos, para todos!

Qual governo poderá fazê-lo? Um governo como este, de Zapatero, que renega a sua base social? Ou um governo livre e soberano, que não se submeta nem ao grande capital, nem ao FMI, nem à monarquia? Um governo levado ao poder pela mobilização dos trabalhadores e da juventude, apoiado sobre a unidade das organizações dos trabalhadores, que chame uma Assembleia Constituinte, expressão da soberania dos povos.

Por isso, devemos nos organizar, recuperar nossas organizações e constituir em toda parte – nas fábricas, escolas, bairros – verdadeiras assembleias, para definirmos juntos nossas reivindicações e discutir de que modo fazer o combate. E levar um movimento político que recupere a luta pelos direitos dos trabalhadores e dos povos, por uma verdadeira política socialista, pela democracia.”

 

Quais são o programa e as propostas do movimento dos indignados?

Evidentemente, o caráter heterogêneo e multiforme deste movimento, e sua grande superfície (em junho de 2011, contaram-se cerca de 700 assembleias em toda a Espanha), não resultaram numa plataforma unificada, mas alguns elementos permitem fazer um julgamento sobre as demandas políticas que estão à frente do movimento.

Longe de considerar que esse movimento seja simplesmente espontâneo ou que seja produto de alguns grupos que agem nas sombras, a realidade dos fatos mostra que, a partir das plataformas políticas produzidas, a expressão dos grupos políticos constituídos permitem fazer uma avaliação.

Por exemplo, a primeira plataforma de 18 de maio, redigida numa assembleia na praça Puerta del Sol, defende “uma democracia real”:

2 – A democracia real se opõe à falta de crédito crescente nas instituições que deveriam nos representar, transformadas em simples agentes da administração e da gestão a serviço das forças do poder financeiro internacional (…).

6 – Democracia real significa qualificar os culpados: Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu, Otan, União Europeia, Moody’s e Standard and Poor’s, Partido Popular, PSOE e outros…

8 – Uma das premissas principais é de uma reforma da lei eleitoral para devolver à democracia o seu verdadeiro sentido: um governo de cidadãos, uma democracia participativa.”

Num manifesto de oito pontos, que procurava unir os diferentes elementos surgidos nas assembléias em todo o país, podemos ler:

“1 – Eliminação dos privilégios da classe política;

2 – Contra o desemprego, divisão do trabalho até chegarmos ao desemprego estrutural de 5%;

3 – Direito à moradia, que seja permitido dar sua habitação para pagar a hipoteca;

4 – Serviços públicos de qualidade, começando pela supressão das despesas inúteis das administrações;

5 – Controle do sistema bancário;

6 – Aumento dos impostos sobre as grandes fortunas e os bancos;

7 – Liberdade cidadã e democracia participativa;

8 – Redução das despesas militares.”

Se lermos atentamente os detalhes de todos esses planos, constataremos que essas medidas são perfeitamente compatíveis com o sistema capitalista e com o regime da monarquia. Por exemplo, sobre as despesas militares, nem sequer se exige a retirada das tropas espanholas do Afeganistão e do Líbano.

Do ponto de vista da habitação, a proposta feita significa que centenas de milhares, talvez milhões, de jovens casais, depois de terem pago durante anos a hipoteca e terem atingido o preço do imóvel em 40% ou 50% – a dívida a ser paga tendo ficado mais alto do que o valor da própria moradia – corram o risco de se encontrarem sem moradia, tendo perdido anos de pagamento. Sem contar que os bancos, evidentemente, não estão de acordo, pois já são proprietários de mais de um milhão de novas habitações, que não conseguem vender, e não querem recuperar, pelo preço antigo, centenas de milhares de velhas habitações.

A realidade atual é que as 30 mil famílias que, durante os seis primeiros meses de 2011, foram despejadas encontram-se com uma dívida a pagar. Como resolver este problema sem levantar a estatização dos bancos, sem exigir a expropriação dos bancos pelo Estado e a manutenção de todas as famílias em suas casas com um aluguel adequado?

E como colocar o problema da democracia simplesmente denunciando os políticos corruptos? E sem colocar a questão da revogação dos mandatos e, centralmente, a questão do regime da monarquia, e portanto a necessidade de uma Constituinte dos povos da Espanha, sobre a base do direito à auto-determinação? E isso, na Espanha, significa a União das Repúblicas Livres.

Como colocar a questão do combate contra o desemprego sem colocar a questão das privatizações e, assim, a ruptura com as regras de Maastricht e da União Europeia?

Se observarmos os grupos políticos constituídos antes do surgimento desse movimento, vemos claramente o tipo de perspectiva que ele pretende abrir. Assim, por exemplo, a plataforma citada deu lugar ao nascimento de uma organização chamada ‘Democracia Real Já!’, um tipo de ONG que se diz nem de direita, nem de esquerda, nem PSOE, nem Partido Popular, e profundamente anti-sindical.

Outras organizações estão agindo dentro deste movimento, mesmo se, num primeiro momento, essas organizações fizeram uma larga ofensiva para dizer que não deveria existir no movimento nem partido, nem sindicato, nem bandeira.

Mas, durante as grandes manifestações de 15 de outubro, a bandeira republicana apareceu nos cortejos e os partidos agiram abertamente. Além disso, na campanha das eleições de 20 de novembro, várias organizações que se dizem integrantes deste movimento dito “do 15 de Maio” apresentaram listas, evitando serem chamadas de “partido”.

Na medida em que aparece como a força mais organizada, vamos analisar o grupo denominado “Equo”. Este grupo é encabeçado por antigos dirigentes da Esquerda Unida (coalizão eleitoral constituída pelo PC) e de ONGs ecologistas. Seu primeiro chamamento público, de 13 de setembro, indica claramente:

“Temos a convicção da necessidade da renovação radical da política na Espanha e no mundo para regenerar a democracia e fazer com que a economia esteja a serviço das pessoas, de acordo com as necessidades reais da sociedade e no limite da bioesfera (…).

As respostas dos séculos passados não são mais adaptadas ao século XXI, porque aos ideais solidários é preciso somar novos valores: a igualdade, compreendida como a igualdade das oportunidades e da proteção social; a economia da eficiência na utilização dos recursos; a responsabilidade para com as pessoas, a sociedade, os animais e as gerações futuras; o equilíbrio nas relações com a natureza; a independência das instituições públicas para com o poder econômico, a gestão transparente, honesta e eficaz da esfera pública a serviço dos cidadãos, a democracia participativa e deliberativa; o pacifismo ativo, para abrir a via em direção a um outro projeto realista de civilização.”

Adiante:

Do que as empresas têm verdadeiramente mais necessidade não é de mais flexibilidade para demitir, mas é de mais crédito para produzir e empregar”. Ah, realmente, um outro capitalismo é possível!

E, para concluir:

Não haverá proteção da sociedade face aos mercados financeiros se não existir uma resposta diferente das autoridades europeias: é preciso uma maior unidade política, econômica e fiscal europeia.”

Sem confundir, evidentemente, a massa de jovens e de trabalhadores que participam das manifestações e das mobilizações e que procuram a via do combate com esta plataforma, o julgamento que podemos fazer dela é simples: mais uma vez, há aqui as velhas miragens da regeneração do capitalismo, do regime da monarquia e das instituições da União Europeia.

Este movimento também foi saudado pelos partidários na Espanha do Secretariado Unificado (SU). Desde o primeiro momento, saudaram o surgimento deste movimento como a via a ser seguida, dizendo explicitamente que o movimento sindical deveria se submeter às ordens das assembleias do 15 de Maio. É o que afirma Miguel Romero, militante de Esquerda Anticapitalista (seção do SU no Estado espanhol): “De um modo geral, é preciso ser muito prudente e reservado com relação à auto-afirmação: bandeiras, colantes etc.” O amigo Romero inventou assim uma nova forma de democracia: guarde a sua bandeira no bolso!

Mas, seriamente, para os partidários do SU, este movimento é uma continuidade dos fóruns sociais. Eles afirmam, dez anos depois, lembrando do primeiro fórum social de Porto Alegre, em janeiro de 2001, que popularizou a palavra de ordem: “Um outro mundo é possível!”, num artigo publicado em 20 de julho de 2011: “Uma década depois da cúpula de Gênova, o ciclo altermundialista terminou, mas um outro ciclo se abre diante nós, com este movimento” (Josep Marin Antentas e Esther Vivas).

Mas eles não explicam porque o grande achado da “democracia participativa”, da qual Porto Alegre foi um exemplo, caiu por terra, e as razões pelas quais, durante as últimas eleições municipais, a equipe à frente dessa “experiência”, integrada ao Partido dos Trabalhadores, perdeu as eleições.

Os dirigentes sindicais, os “indignados” e a luta de classes

Para além da simpatia de milhares de trabalhadores e de sindicalizados por esse movimento de jovens, a posição dos aparelhos foi muito clara: deram todo o apoio político a este movimento porque, segundo Mendez e Toxo, compartilham os mesmos objetivos políticos.

Assim, numa declaração de 26 de maio de 2011, a direção dos Comissões Obreras escreveu:

O denominado movimento de 15 de Maio foi capaz de mobilizar dezenas de milhares de pessoas, jovens que manifestam sua rejeição à atual situação e à falta de perspectivas. Este movimento questiona as formas atuais da maneira de se fazer política distante das preocupações das pessoas, e isso, fazem com um engajamento e uma consciência política muito forte.

Foi assim que convocaram a participação nas manifestações de 19 de junho, a título pessoal, e sem bandeiras.

Mas, diante do golpe de Estado constitucional de Zapatero, que, no final de agosto, modificou a Constituição e introduziu “a regra de ouro” em 15 dias, Mendez e Toxo se viram obrigados a rejeitar essa reforma. Chamaram os deputados a votar contra e convocaram manifestações nas principais cidades do país, em 6 de setembro.

É preciso saber que, nas manifestações de Madri e de Barcelona, os grupos de “indignados” insultaram os militantes sindicais no momento em que os sindicatos estavam dando um passo em direção à ruptura.

Fora isso, os “indignados” foram beneficiados por um reconhecimento “oficial” do mais alto nível. Assim, em 31 de outubro, a Confederação Europeia dos Sindicatos recebeu uma delegação dos “indignados”. Aqui, a descrição oficial da reunião:

“A secretária-geral da Confederação Europeia dos Sindicatos (CES), Bernadette Ségol, encontrou-se hoje com uma delegação europeia do movimento dos ‘indgnados’. Ela notou vários pontos de convergência nas preocupações com relação à situação da juventude na Europa. Bernadette Ségol declarou: ‘É importante para a CES encontrar-se com os ‘indignados’, porque compartilhamos um grande número de suas preocupações. Uma sociedade do futuro é uma sociedade que assegure a estabilidade da sua juventude. A crise atinge em cheio a juventude europeia – com uma taxa de desemprego de 40% na Grécia e na Espanha. A precariedade tornou-se a regra para vários jovens europeus. Um bom número deles tenta a sorte fora das fronteiras do seu país. Trata-se do futuro da juventude, e a União Europeia deve responder a este problema’.”

É normal que o aparelho da CES e os mais altos dirigentes sindicais da Espanha, como os secretários das centrais sindicais Toxo e Mendez, tenham uma simpatia com relação aos “indignados”. Por trás das demonstrações “anti-sindicais”, esconde-se outra coisa: no momento em que, no interior da UGT e das CCOO, cresce a oposição à assinatura da ASE (pacto social), as “denúncias” vindas de fora do movimento sindical permitem a Toxo e Mendez tentar mostrar aqueles que se opõem nas instâncias sindicais à assinatura do pacto como se fossem provocadores anti-sindicais. Nos fatos, trata-se de uma verdadeira divisão de papéis.

Na luta de classes real, esta divisão foi muito clara. No combate contra os cortes orçamentários na educação e na saúde que os governos regionais realizam constantemente, seguindo o plano de ajuste do governo central de Zapatero, um movimento de resistência se desenvolve, especificamente em Madri.

Depois que o governo regional de Madri decidiu, em 4 de julho, a supressão de 3.200 postos no ensino, greves e manifestações ocorreram. Foram realizadas assembleias para a eleição de delegados. Na zona de Fuenlabrada (onde há 20 escolas), um verdadeiro comitê de greve constituiu-se e lançou a proposta de um Comitê Regional de Greve com os sindicatos. Esta proposta teve contra si uma ofensiva coordenada por parte de dirigentes sindicais em nível federal, dizendo que o poder de decisão sobre o movimento deve ser da Intersindical, e, por outro lado, dos “indignados”, que denunciam a presença dos sindicatos. O resultado é que hoje, apesar da combatividade dos professores, o Comitê Central de Greve ainda não foi constituído, e que se desenvolve uma sucessão de jornadas de greve, maciças, mas desarticuladas.

O objetivo é claro: seguindo sua política de pacto social, a Intersindical procura ganhar tempo para que as eleições aconteçam e, numa eventualidade de que a direita ganhe, poder abrir “negociações” para “limitar” os cortes orçamentários, quer dizer, abandonar a exigência unânime de retirada das medidas (baixadas em 4 de julho), e tudo isso acompanhado de uma “denúncia” dos “indignados”, que falam, claro, de uma greve geral “sem os sindicatos”.

Depois das eleições legislativas de 20 de novembro

Nas manifestações que vimos na Espanha nesses últimos meses, duas palavras de ordem foram lançadas amplamente, palavras de ordem que existiam há anos, sob o governo de Aznar. A primeira é: “Não estamos representados!” A segunda: “Dizem que isso é uma democracia, mas não é!” Evidentemente, o movimento dos “indignados” não poderia dar uma resposta positiva a esta palavra de ordem, notadamente porque ela se coloca no terreno do regime político existente e, como escutamos frequentemente, para “regenerar” a democracia.

O resultado eleitoral de 20 de novembro mostra que uma boa parte da juventude e da classe trabalhadora não se sente mais representada e não se identifica mais com o partido tradicional dos trabalhadores espanhóis, o PSOE.

A Esquerda Unida, coalizão eleitoral impulsionada pelo antigo PC, tentou representar este movimento dos “indignados”, mas para mantê-lo no quadro institucional do pacto de 1978, pacto que permitiu restaurar a monarquia, regime de opressão contra os trabalhadores e os povos. Nesse sentido, a Esquerda Unida não pode abrir uma perspectiva de ruptura com a monarquia e a União Europeia.

Os resultados eleitorais confirmam também os limites políticos daqueles que se colocaram à frente dos “indignados”, cujo eixo central era o de tentar dissolver o enfrentamento de classes na sociedade, enfrentamento no qual se integram todas as questões democráticas não resolvidas, em particular a questão nacional.

A recusa, em muitas manifestações, da presença de bandeiras republicanas, por aqueles que tentam “dirigir” este movimento, é a recusa de colocar a questão do desmantelamento da monarquia e das instituições herdadas do franquismo. O desenvolvimento do combate de classes coloca na Espanha, necessariamente, a questão do combate pela democracia, quer dizer, pela República e pela união das Repúblicas fundadas sobre o direito de auto-determinação dos povos e, de maneira natural, coloca a questão da constituição de um verdadeiro partido socialista e de sindicatos independentes, quer dizer, a reconquista dos sindicatos criados pela luta de classes.

Notas

[1] O nome de “indignados” inspira-se no título da obra “Indignem-se!”, de Stéphane Hessel, antigo membro da Resistência francesa durante a 2ª Guerra Mundial e diplomata francês que prego um retorno aos valores do Conselho Nacional da Resistência (sobre a Resistência, veja o artigo na última “A Verdade”, número 71.

[2] “A Revolução Espanhola, 1930-1940”, de Leon Trotsky (edição francesa).

[3] Santiago Carrillo era o secretário-geral do Partido Comunista, e Felipe González, o principal líder do PSOE (partido socialista), nos anos 1970-80, no período final do regime franquista e na transição para a atual situação, de monarquia constitucional (NdT).

[4] Toxo e Mendez são os principais dirigentes das duas centrais sindicais da Espanha. Ignacio Fernández Toxo é o secretário-geral das Comissões Obreras (sigla CCOO), e Candido Mendez é o secretário-geral da União Geral dos Trabalhadores da Espanha (UGT) (NdT).

A Verdade n° 72 – Novembro de 2011

 

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