O marxismo e o desenvolvimento sustentável

Os marxistas face ao logro da ecologia política  e da sua metamorfose “eco socialista”

Por Pierre Cise, Jean-Pierre Raffi e Daniel Gluckstein

Apresentação

A redação deste artigo foi concluída no momento em que se desligavam as luzes da Conferência Mundial de Copenhagen. Em relação a esta conferência, a maioria dos comentadores tem dito que foi um fracasso. Falhou? Comparado com o quê? Ausência de medidas adequadas contra o aquecimento global, atribuído à ação dos seres humanos? Mesmo se falta ainda determinar cientificamente, e de forma indiscutível, as causas e consequências do aquecimento global. Como veremos mais adiante, isto não está provado.

Mas considere-se, por um momento, a hipótese – que não poderemos descartar – de que o nosso planeta esteja ameaçado pelos efeitos destrutivos do aquecimento global causado pela ação humana. Neste caso – repetimos, não provado – de um aquecimento climático “de origem humana”, de consequências ameaçadoras para a humanidade, quem seria responsável, em primeiro lugar e antes de tudo, senão a atividade das grandes empresas multinacionais? E quem pode acreditar, um só momento, nos governos dos Estados Unidos (EUA), de França, da Alemanha e das outras principais potências imperialistas de todo o mundo, que não hesitam em provocar milhões de mortes em guerras injustas que estão a travar contra o povo do Iraque, do Afeganistão e de outros lugares… governos que permitem às multinacionais suprimirem dezenas de milhões de empregos todos os anos… governos que, confrontados com a desnutrição, a fome que assola mais de um bilião de seres humanos, não fazem nada para mudar seja o que for… Quem pode acreditar que esses governos – que estão de pés e mãos atados às multinacionais e aos especuladores, a quem eles ofereceram trilhões de dólares no ano passado, e que ainda hoje encorajam esses especuladores a continuar no mesmo caminho – de repente decidam enviar os seus representantes de mais alto nível a Copenhagen, com o objetivo de se oporem aos objetivos das multinacionais e de as forçar a tomar não sabemos que medidas de proteção ambiental que fossem contra os seus próprios interesses? Colocar uma tal questão, tem implícita a resposta.

Não pode ser falha da Cimeira de Copenhagen não ter atingido um objetivo que nunca foi o seu. Então, por que este desperdício de energia, por que este encontro com grande pompa dos governos mais poderosos do mundo? O verdadeiro objetivo é outro. Para quem tem um pouco de memória, já houve, antes de Copenhagen 2009, outras cimeiras. Copenhagen 1995: foi a primeira cimeira social da ONU, na qual milhares de organizações não-governamentais foram, pela primeira vez, consideradas como parceiras oficiais daquela que não tinha ainda sido chamada (mas que se prepara para ser) – a nova governação mundial. Depois houve a Cimeira do Milénio, em 2000, que, no seguimento da de Copenhagen, em 1995, fixou reduzir em proporções importantes, com metas determinadas, a pobreza no mundo. As metas foram adoptadas pelos representantes dos governos, dos Estados, das ONGs e, também, das organizações sindicais representadas. Cinco anos mais tarde, a chamada Cimeira do Milénio mais 5 havia de reconhecer o fracasso das políticas acordadas. Mas esta terá sido a oportunidade para se propor a revisão das Convenções da OIT, com o objetivo – ó tão digno! – De as tornar mais acessíveis. Assim, seriam certamente alcançados resultados concretos na luta contra a pobreza!

E cá estamos nós em 2009. A luta contra o aquecimento global substituiu a luta contra a pobreza. Mas é sempre o mesmo objetivo: selar uma união sagrada planetária, que deverá pôr em prática a nova governação. Porque é isso que ressalta das opiniões de uns e de outros: se Copenhagen foi um fracasso, é necessário ir mais longe no sentido de uma nova governação, associando as organizações operárias, bem como os seus representantes e os governos de todo o mundo, na busca de soluções comuns face à ameaça do flagelo. O que há de novo na Cimeira de Copenhagen 2009 não são os seus verdadeiros objetivos, afinal muito próximos dos das cimeiras precedentes, mas sim o meio utilizado: a ecologia política. Como pode uma disciplina científica, seja ela qual for estar sujeita aos imperativos de uma política? Falar de ecologia política seria como falar de biologia política, etnologia política ou de matemáticas políticas. Trata-se de uma verdadeira impostura, cujo enorme sucesso responde a uma necessidade política e social. Uma impostura de utilidade crucial, pois permitiu que todos se tenham encontrado em Copenhagen: os representantes dos partidos comunistas, dos partidos socialistas, do Secretariado Unificado (representado, sobretudo em França, pelo Novo Partido Anticapitalista), toda a extrema-esquerda “institucional” e os altermundialistas, juntamente com os representantes dos partidos burgueses e dos seus governos, todos sem exceção estiveram em Copenhagen. Não era este, em última análise, o principal objetivo?

Nesta ocasião, uma ofensiva política e ideológica foi lançada contra Karl Marx. Esta não é a primeira vez que o autor de “O Capital” e inspirador da 1ª Internacional é tema de uma campanha política que denuncia o carácter pretensamente obsoleto ou falhado das suas posições. O que é novo aqui é que o questionamento de Marx é encabeçado por uma corrente política que – pelo menos inicialmente, e mesmo nos dias de hoje – se reclama oficialmente do marxismo. Com efeito, é das fileiras do Secretariado Unificado – aliado desde há alguns meses numa postura “eco socialista”, que resulta na explícita colocação em causa de Marx, na sua generalidade, em particular no que respeita às forças produtivas e à relação do homem com a natureza (como poderá ser lido neste artigo, com base em citações). Este novo desenvolvimento merece ser analisado. Coloca na ordem do dia, na nossa opinião, a defesa do marxismo e da sua atualidade.

Problema científico ou problema político?

O que distingue os marxistas dos partidários da ecologia política não é os segundos estarem preocupados com as ameaças ao ambiente natural dos homens, enquanto os primeiros não se importam com esse assunto. Não, o que distingue os marxistas dos partidários da ecologia política é que estes últimos, isolando a destruição ambiental da destruição das forças produtivas e dos mecanismos da exploração capitalista, abstêm-se de lutar contra o que eles mesmos designam como uma ameaça para o planeta. Ainda pior: eles fornecem as armas políticas e ideológicas precisamente aos proprietários dos meios de produção que são os responsáveis pela barbárie que ameaça toda a humanidade.

Há já 40 anos, o nosso camarada Gérard Bloch levantou o debate nestes termos: “Temos de dizer aqui algumas palavras (…) sobre a destruição do ambiente natural do homem, que é acelerada pela economia capitalista. As campanhas da grande imprensa e as declarações solenes dos políticos burgueses (…) constituem, provavelmente, o maior exemplo deste procedimento da grande imprensa e dos ‘mass media’ que consiste em mentir, enganar e desmoralizar os seus leitores ou telespectadores acenando-lhes… com uma série de meias verdades, separadas e isoladas umas das outras, num tom estrondoso, ao mesmo tempo em que barram por completo o caminho a toda a possibilidade de uma visão de conjunto. A poluição do ar e da água tornam-se numa ameaça? É verdade. O aumento, devido às indústrias humanas, da proporção de dióxido de carbono e poeira na atmosfera podem alterar o clima global? É possível, mas não está estabelecido e não é ainda certo se estamos perante um aquecimento (devido ao efeito de estufa) ou arrefecimento (devido à acumulação de poeira que refletem a radiação solar na atmosfera superior). De qualquer forma, está longe de ser a ameaça mais imediata. A destruição de centenas de espécies vivas e de milhares de hectares de florestas é um dano irreparável? Sim, sem qualquer dúvida. A descarga descontrolada de grandes quantidades de inseticidas perturba a ecologia, ameaça – por ricochetes sucessivos – destruir numerosas espécies vivas, em especial as aves; para além disso, os inseticidas como o DDT concentram-se, em resultado de fenómenos biológicos, nos tecidos das espécies vivas ao ponto de poder envenenar os seres humanos que as consomem? Sim, sem dúvida; mas a solução não pode ser a mera supressão de inseticidas, como pregam todo o tipo de ‘desnorteados naturistas’ – o que causaria uma destruição maciça de cereais, transformando em fome a desnutrição crónica que aflige centenas de milhões de homens. Este exemplo dos inseticidas é eloquente, na medida em que mostra perfeitamente que este não é um problema científico e técnico, mas um problema político, e há apenas uma solução global, no sentido estrito do termo: à escala de todo o globo.

O mesmo acontece com todos os problemas relacionados com a ecologia, disciplina que estuda o equilíbrio de todas as espécies vivas, animais e vegetais, a qual mostrou, com uma abundância de evidências, que toda a intervenção que modifique as condições de vida de uma só das espécies causa, frequentemente, uma reação em cadeia capaz de alterar algumas dezenas ou alguns milhares de outras espécies, a maior parte das vezes de forma desastrosa para a humanidade. A busca imediata do máximo lucro por cada monopólio capitalista, a anarquia que daí advém, é inevitável ter tido e continuar a ter, neste domínio, todos os dias resultados particularmente catastróficos. Mas a solução é política e não é senão política. ”

Forças destrutivas e destruição do meio natural

Apesar de serem de uma atualidade espantosa, estas linhas já têm quarenta anos (1). Gérard Bloch prosseguia:

“Quando se fala da transformação crescente das forças produtivas em forças destrutivas, à qual nós assistimos atualmente, pensa-se essencialmente – e nós próprios o sublinhámos – nos armamentos e na militarização do capitalismo mundial, denunciada em primeiro lugar por Rosa Luxemburgo. Mas a destruição do meio natural vem hoje acrescentar-se e combinar-se com isso, tornando-se um aspecto essencial deste fenómeno característico do capitalismo decadente, e que acumula imensos obstáculos suplementares, que será necessário ultrapassar, para a construção do socialismo. É preciso que as massas trabalhadoras e exploradas se ergam contra os seus exploradores e quebrem as barreiras da propriedade dos monopólios capitalistas e dos Estados imperialistas, e que tomem nas próprias mãos o seu destino e o do seu planeta. E reorganizem a atividade económica da espécie humana, segundo um plano global único. Certamente, haverá numerosos problemas científicos e técnicos a resolver, mas ‘o imenso potencial científico e técnico que não é empregue’ (citação do manifesto da OCI de 1967 – NdR) que se acumulou permitirá resolvê-los, sem nenhuma dúvida – porque estes problemas serão finalmente colocados no único quadro em que podem ser resolvidos: fazer do planeta um jardim para a felicidade dos homens. ”

Já na altura, Bloch denunciava

“a campanha desenvolvida, com grande alarido, pelos políticos e pelos ‘mass media’. Fazendo bandeira de verdades parciais, isoladas e deslocadas do seu contexto, apresentadas de uma forma fulminante (no sentido etimológico do termo), (…) (ela) visa a persuadir as massas, neste domínio como em todos os outros, especialmente no da paz ou da guerra, de que elas não têm qualquer poder – visto tratar-se não de um problema político, mas de problemas científicos complexos que elas não podem abarcar – e de as desviar, assim, da única saída: tomar o seu destino nas próprias mãos, tomar o poder.”

Estas linhas têm, portanto, perto de quarenta anos. Desde a sua redação, a impostura ecológica tomou uma forma e uma dimensão que o nosso camarada Gérard Bloch tinha pressentido, mas de que não podia imaginar, então, a amplitude de que ela se revestiria. Notemos que Bloch se refere à ecologia como disciplina científica. Isto é verdade, até ao início da década de 1970: o termo designa a ciência que estuda as trocas de matéria entre as espécies vivas (animais ou vegetais) e o meio físico, o todo formando aquilo a que se chama o ecossistema. Mas, precisamente a partir do início dos anos 70, o termo ecologia cessou de corresponder exclusivamente a esta disciplina científica. Cada vez mais – e de maneira dominante hoje –, designa uma corrente política “visando uma melhor adaptação do Homem ao seu meio ambiente” (definição do dicionário francês Le Robert).

Chamamos a atenção do leitor para esta definição.

O Homem deve-se adaptar ao seu meio ambiente?

O objetivo político de uma “melhor adaptação do Homem ao meio ambiente” parte de um pressuposto: “o meio ambiente” é uma categoria que se pode distinguir da própria humanidade. A preservação do meio ambiente impor-se-ia como um dever absoluto, que se sobrepõe à própria humanidade e lhe dita um certo número de pretensos imperativos pretensamente científicos ou naturais; os quais em nada dependem das relações sociais de produção, e deveria, por conseguinte, impor-se a todos e a cada um, seja qual for a classe social a que se pertença… O que é “novo” em relação à situação descrita por Gerárd Bloch há quarenta anos, é que hoje governos imperialistas e instituições internacionais martelam que “se pode fazer alguma coisa em relação a isso”.

Mas a particularidade das “soluções” apontadas, é que elas exigem sempre e cada vez mais a associação/integração das organizações operárias, colocando em causa os magros ganhos das massas operárias e populares, deixando as mãos livres à pilhagem e ao proveito capitalista.

Assim, por exemplo, o “desenvolvimento duradouro” é a razão social oficial em nome da qual é pedido aos sindicatos para, em causa deles próprios, garantias sociais e conquistas operárias.

A “taxa carbono”? É primeiramente um meio de extorquir os magros bens dos trabalhadores e das suas famílias. Os constrangimentos ditos energéticos engrossam o fardo das despesas de alojamento das famílias operárias, enquanto abrem novas vias de penetração ao proveito capitalista.

Os “direitos a poluir” tornam-se um meio de especulação financeira desenfreada. Em contrapartida, nenhuma limitação é imposta à explosão exponencial do comércio de armamentos, ao desenvolvimento das guerras.

Está, portanto, na ordem do dia que a Conferência de Copenhagen, voltando a ela, seja constituída por chefes de Estado e de governo (tais como a administração Obama, que acaba de decidir enviar 30 mil militares para reforço no Afeganistão) que levam a guerras aos quatro cantos do mundo… eis o que faz delas, naturalmente, as autoridades morais mais qualificadas para dissertarem seriamente sobre o futuro do nosso planeta (2).

Se a mentira da política ecológica “cola” hoje em dia, a uma escala sem precedentes, é que os aparelhos, pequenos e grandes, que dominam as organizações que se afirmam historicamente do movimento operário, a abraçaram definitivamente, renunciando ao mesmo tempo a colocar as questões em termos de classes sociais com interesses diametralmente opostos e antagónicos, da propriedade privada dos meios de produção e da necessidade do combate independente da classe operária para expropriar o poder dos expropriadores.

A própria noção de “melhor adaptação do ser humano ao meio ambiente” é profundamente reacionária. O nosso ancestral primitivo devia ter-se adaptado ao ambiente hostil e selvagem com o qual se confrontava? Se ele se tivesse se adaptado a esse ambiente, sem qualquer dúvida que o género humano jamais teria conhecido a evolução que teve até ao presente. Devem as crianças das favelas do Brasil adaptar-se ao seu meio ambiente, tendo como horizonte tentar sobreviver nas condições mais hostis?

Toda a história da humanidade e do seu progresso e toda a evolução da humanidade têm sido marcados pela luta encarniçada dos homens, desde os tempos ancestrais, não para se adaptar ao seu meio ambiente, mas para adaptar e transformar esse meio ambiente, submetendo-o às suas necessidades vitais. Toda a história da humanidade é a história do domínio da natureza pelo homem, que, dominando a natureza, a transforma e se transforma a si próprio. Com efeito, na realidade, o homem e a natureza são indissociáveis. Não há nenhuma “natureza” que possa ser separada da ação que o ser humano exerce sobre ela. Tal como não existe ser humano que possa ser separado das consequências que exercem sobre ele o seu ambiente natural e a sua própria ação sobre esse ambiente natural. Este debate não é novo.

O homem e a natureza são indissociáveis

Polemizando contra Feuerbach, Marx lança lhe a crítica de que “ele não vê que o mundo sensível ao seu redor não é um objeto eterno e sempre semelhante a si próprio, mas o produto da indústria e do estado da sociedade – na medida em que constitui um produto histórico, resultante da atividade de toda uma série de gerações, cada uma delas erguendo-se sobre os ombros da anterior, aperfeiçoando a sua indústria e o seu comércio, e mudando o seu regime social em função da transformação das necessidades”. Em suma, não há de um lado a natureza e do outro a história, “como se o homem não se encontrasse sempre face a uma natureza que é histórica e a uma história que é natural”. Porque uma “natureza que precede a história humana não existe hoje em parte nenhuma, exceto talvez em alguns atóis australianos de formação recente” (3).

Marx prossegue: “O comunismo difere de todos os movimentos que o precederam precisamente na medida em que ele (…) trata conscientemente todas as condições naturais anteriores como uma criação dos homens que nos precederam até agora, despojando-as do seu carácter natural e submetendo-as ao poder dos indivíduos unidos. ”

E ainda:

“Os pressupostos de que partimos (…), são os indivíduos reais, as suas ações e as suas condições materiais de existência (…). O primeiro pressuposto de toda a história humana é, naturalmente, a existência de seres humanos vivos. O primeiro facto a salientar é a compleição corporal desses indivíduos e as relações que ela lhes cria com o resto da natureza (…). A História deve partir dessas bases naturais e da sua modificação pela ação humana no seu decurso. Podemos distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião e por tudo aquilo que quisermos. Eles mesmos começam a distinguir-se dos animais a partir do momento em que começam a produzir os seus meios de existência, passo em frente que é uma consequência da sua organização corporal. Ao produzir os seus meios de subsistência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material. A forma pela qual os homens produzem os seus meios de subsistência depende, primeiro que tudo, da natureza, dos meios de subsistência já adquiridos e que o homem precisa de reproduzir. ”

É impossível, portanto, abordar a “natureza” sem abordar a atividade humana. As duas são indissociáveis, ambas inseridas nas relações sociais de produção, que colocam em choque classes sociais com interesses antagónicos. Por seu lado, Engels escreveu que “o homem é ele próprio um produto da natureza, o qual se desenvolveu no seu meio ambiente natural e com este meio ambiente” (4). É impossível, portanto, abordar a relação do homem com a natureza sem abordar a relação da natureza com o homem, e vice-versa. E é, portanto, desprezando os factos históricos, é sobre a negação desta realidade, que se constitui a Cimeira de Copenhagen. É importante, através deste exemplo, observar o mecanismo da fraude da ecologia política e da união sagrada mundial da qual ela deve constituir o suporte. Porque se a ecologia política se chama ecologia política, é porque ela tem – em primeiro lugar, acima de tudo, e talvez mesmo exclusivamente – um papel político sem qualquer relação com a ecologia como disciplina científica, e mesmo em contradição com ela, tal como com qualquer abordagem científica. Em particular, essa ecologia política procura esconder que o sistema capitalista atingiu a sua fase imperialista, perturbando cada vez mais a relação entre o homem e a natureza e, ao destruir numerosas das suas componentes, transforma esta relação em oposição.

Ciência e política

A convocatória, a preparação e a realização da Cimeira de Copenhagen têm por base os relatórios do GIEC – Grupo Intergovernamental sobre a Evolução do Clima (veja o quadro). Segundo a sua definição oficial, o GIEC é responsável por “dar parecer sobre a informação científica, técnica e socioeconômica no que diz respeito ao risco do aquecimento climático provocado pelo homem”. Sublinhemos esta estipulação: trata-se de estudar as consequências do aquecimento climático “provocado pelo homem”. Fica assim eliminado, à partida, qualquer debate sobre a origem e as consequências do aquecimento climático. Mais – e não se trata apenas de um mero detalhe –, esta estipulação pretende abordar a “origem humana” independentemente das relações sociais de produção.

Há uma coisa que ninguém pode negar: a amplitude, as causas e as consequências do aquecimento climático são objeto, ainda hoje, de debates e controvérsias entre os cientistas. Isto é um facto. Tal como é um facto que a classe capitalista, os chefes de Estado e de governo, e também todas as organizações que oficialmente reclamam ser de “esquerda”, aceitam como um dogma, uma verdade oficial e definitiva, a tese do aquecimento climático de origem humana e o seu corolário: combater o aquecimento climático exige reduzir a produção de CO2. Um tal consenso, contrário a uma abordagem realmente científica, responde a objetivos políticos.

A ciência parte dos factos e da sua confrontação. Durante o tempo em que determinado facto (ou hipótese) não está totalmente confirmado, deve ser dada toda a liberdade à pesquisa científica para aprofundar as questões colocadas. É muito perigoso fazer intervir o braço político para decidir sobre os debates científicos. Há muitos que o fizeram no passado, e outros continuam ainda a fazê-lo, por exemplo, no debate sobre o aquecimento climático. A política e a moral ditarem à ciência o que ela tinha o direito de dizer ou não dizer foi uma postura assumida pela Igreja, que – por meio do seu braço armado, a Santa Inquisição – torturou, queimou, fez os cientistas (como Galileu) renegar as suas convicções ou condenou-os à clandestinidade (as teses de Copérnico só viram a luz do dia após a sua morte). A manipulação política da ciência foi o que fez a burocracia estalinista – por meio de Jdanov e Lyssenko, fiéis lugar-tenentes de Stalin –, decretando uma pretensa ciência “proletária” contra a ciência “burguesa”, atributo dado à Teoria da Relatividade, à mecânica quântica ou, ainda, às descobertas da genética (5).

O objetivo da ciência não é servir a uma dada política. No seu combate para se libertar das grilhetas da exploração, a classe operária deve dar particular atenção a que as condições do livre desenvolvimento da ciência estejam reunidas, pois elas são a única via que permitiu (e permitirá) à humanidade libertar-se do estatuto de ser vivo submetido às leis da natureza. A ciência deve dispor de todos os meios para nos esclarecer sobre a nossa relação com a natureza, o nosso impacto sobre ela, o enquadramento em que ela tem lugar, as condições da sua progressão, e de “conhecer também as consequências naturais, a longo prazo, pelo menos das nossas ações mais correntes no domínio da produção e, a seguir, aprender a controlá-las”, tal como escreveu Engels (6). Ora, sobre este ponto, poderemos nós confiar naqueles que liberalizam, especulam, flexibilizam, devastam e pilham todas as aquisições da humanidade (incluindo o seu sistema de educação e de investigação científica) em nome do todo-poderoso lucro, rivalizando com a pureza ecológica e com discursos sobre o desenvolvimento sustentável? Colocar a questão é responder-lhe.

A teoria do aquecimento climático de origem humana (que, recordemo-lo, é uma das facetas de uma controvérsia científica ainda não resolvida) está a ser utilizada com fins políticos. Trata-se de demonstrar que existe um interesse superior – a prioridade climatérica – à qual nós devemos submeter e à sombra da qual tudo se deve esquecer, a começar pela crise atual do sistema capitalista. Ela tende, por este facto, a substituir a responsabilidade do sistema capitalista na degradação da relação entre o homem e a natureza pela acusação de “consumismo” individual e dos modos de produção “produtivistas”.

O que apresenta uma dupla vantagem. Por um lado, serve às necessidades da classe capitalista, que, tendo em conta a crise mundial, precisa de justificar a destruição em massa das forças produtivas excedentárias em nome da “defesa da natureza”; assim, será mais fácil liquidar as fábricas de automóveis, a produção de aço, de produtos químicos etc. Por outro lado, colocando todos os homens em pé de igualdade – todos nós somos consumidores, sejamos operários, patrões, desempregados, reformados, jovens ou camponeses – chegaremos à seguinte conclusão política: todos consumidores, todos poluidores, todos culpados. É, pois, sob a forma de taxa de carbono, de impostos, de agravamento de taxas ligados ao “desenvolvimento sustentável” que cada um e todos nós seremos obrigados a contribuir. Escamoteando, de passagem, que as taxas – por exemplo, sobre os produtos de consumo corrente – não têm as mesmas consequências para o operário e para o patrão. Tal como acontece com o aumento vertiginoso das tarifas do gás, da eletricidade, que não tem as mesmas consequências para uma família operária e para um banqueiro. E depois, a “crise climática” exige – em nome da pretensa defesa ecológica – que um certo número de componentes daquilo a que se chama “custo do trabalho”, naturalmente excessivo, devam ser reconsideradas… em baixa… e com o acordo de todos, porque todos, sem dúvida, somos cidadãos do mesmo planeta… Da “União sagrada contra o inimigo hereditário e para salvar a pátria em 1914”, à “União sagrada contra o aquecimento climático para salvar o planeta” em 2009, a diferença é mínima, não é?

Copenhagen: uma cimeira de impostura

O jornal capitalista francês “Les Echos” não esconde a sua satisfação:

“Incluindo Obama, após algumas hesitações a que o presidente dos EUA já nos habituou, todos os líderes das principais potências do planeta vão participar em Copenhagen. Os climatólogos conseguiram a proeza de tornar a luta contra o aquecimento do planeta um dos raros exemplos, tal como o da paz, de uma causa política universal (…). O que se espera da reunião do Báltico é a afirmação de uma vontade comum e a fixação de um método consensual. Deste ponto de vista, a crise económica representa não uma trava, mas uma incitação à ação, como muitos o dizem. Ela mostrou que se o mundo tem mais do que nunca necessidade de crescimento, deve também mudar de modelo. A força do capitalismo foi sempre ter sabido transformar o problema na solução. ”

Nesta citação, estamos muito longe, como vemos, do aquecimento do planeta, do degelo das zonas polares e de outras catástrofes anunciadas. Estamos no domínio da política, isto é, da tentativa de selar, em torno da causa do arrefecimento climático, uma forma de união sagrada, um “método partilhado” que deverá estar na base do que se chama a governação – versão moderna do corporativismo –, na qual os sindicatos e os partidos operários, de mão dada com os representantes da classe capitalista e com os governos, deverão procurar e desbloquear soluções comuns, sendo sabido… que “o capitalismo sempre soube encontrar as melhores soluções”.

Em Copenhagen, esta afirmação foi declinada em todos os tons (veja o quadro O consenso de Copenhagen).

O consenso de Copenhagen

O principal coveiro da União Soviética (URSS), Mikhail Gorbatchev, pronunciou-se, em vésperas da Cimeira de Copenhagen, pela redução de 45% a 50% das emissões de gás com efeito de estufa.

O Conselho das Igrejas Cristãs, em França, escreveu ao presidente da República no sentido de desejar que Copenhagen abra “um novo caminho para uma humanidade em perigo”, recordando que “a nossa Terra é um dom de Deus (…). A longo prazo, é a sobrevivência da criação que está em jogo” e a Igreja apela a “uma utilização mais razoável dos recursos deste mundo (que) necessita uma revisão corajosa do nosso modo de vida. É preciso em particular, desde já, decidir o modo como iremos reduzir o nosso consumo sempre crescente, tanto no plano individual como no coletivo”. O Vaticano esteve representado na Conferência, e o papa Bento 16 desejou pleno sucesso aos trabalhos de Copenhagen, sublinhando que “a salvaguarda da criação exige a adopção de estilos de vida sóbrios e responsáveis, sobretudo para com os pobres e as futuras gerações”, e precisando: “Para garantir o pleno sucesso da Conferência, convido todas as pessoas de boa vontade a respeitar as leis de Deus sobre a natureza e a redescobrir a dimensão moral da vida humana”. O arcebispo de Canterburry, chefe da igreja anglicana, Rowan Williams, declarou: “Não escuteis aqueles que dizem que ou escolhemos a preservação do ser humano ou a preservação da Terra”, acrescentando: “No decurso das últimas décadas, talvez no último milhar de anos, a raça humana não foi muito boa para com o resto da criação, assim como a nossa civilização não foi muito boa para com a raça humana”. É preciso, pois, que a “raça humana” pague! Não existe uma relação de exploração; apenas existe a necessidade de se ser “bom”!

A ATTAC, a famosa associação altermundialista, exige a assinatura de um “Tratado ecológico internacional obrigatório em relação aos ‘países do Norte’” – sempre o “Norte”, misturando todas as classes, contra o “Sul”.

E à “esquerda”? Gordon Brown (de que não sabíamos até que ponto ele era qualificado em matéria de ciência) declarou: “Conhecemos a ciência, sabemos o que devemos fazer, devemos agir de imediato e eliminar 5 milhões de toneladas de emissão de CO2; isto resolverá a questão. ”

Martine Aubry, primeira-secretária do Partido Socialista de França, esteve presente em Copenhagen. Tal como esteve o dirigente do Partido Comunista Francês, Pierre Laurent, reivindicando, em nome deste partido, “um acordo exigente visando o máximo de redução das emissões de gás com efeito de estufa, isto é, 40%, e que seja juridicamente constrangedor”.

Besancenot, dirigente do NPA francês, também esteve presente em Copenhagen. O seu NPA – igualmente especialista em matéria de ciência – declara que “a prudência exige que seja fixada uma redução de 40% das emissões de gás com efeito de estufa, para os países mais ricos” e denuncia, com firmeza, que “os objetivos fixados estão bem longe de estar à altura dos desafios”.

O Partido da Esquerda Europeia – que agrupa diferentes partidos, como é o Partido Comunista Francês, ou o Die Link (A Esquerda) na Alemanha – exige que “seja atingida uma redução de 40% das emissões de CO2 até 2020”.

Compreende-se que o porta-voz do presidente norte-americano, Barack Obama, se congratule pôr o “consenso estar em vias de ser conseguido”.

O ministro francês Jean-Louis Borloo exulta: “A magia de Copenhagen pode realizar-se”. É verdade que, segundo os especialistas do FMI, “a economia mundial (capitalista) pode tirar proveito das ações contra o aquecimento climático”.

Um “consenso” que, de Obama a Besancenot, vê comungar todos os responsáveis políticos e governamentais numa mesma oração à redução da produção de CO2: há aqui, efetivamente, para os defensores da ordem mundial, alguma coisa de mágico (7).

E é aqui que entra o papel particular reservado ao Secretariado Unificado. Este não se contentou com a inserção na vasta “onda” ecológica. Decidiu forjar o conceito de eco socialismo, inscrevendo-se totalmente nesta redefinição ideológica e política. E vai fazê-lo tomando plenamente o seu lugar na corrente do decréscimo da produção, isto é, da justificação ideológica e política da destruição em massa das forças produtivas.

Decréscimo da produção e desenvolvimento sustentado

A constituição da “luta contra o aquecimento climático” como suporte da união sagrada planetária serve, com efeito, de cobertura “científica” às teorias do decréscimo da produção, um dos pilares do pensamento económico e político burguês, destilado há já quase uma quarentena de anos por um regime capitalista em plena decomposição, que não tem outra perspectiva a oferecer à humanidade senão a guerra e a destruição.

Relembremos que as teses ecologistas, tal como o conceito de desenvolvimento sustentável, assentam na teoria do “crescimento zero” e do decréscimo da produção desenvolvida a partir do início dos anos 1970 pelo Clube de Roma. Este “think tank” (grupo de reflexão – NdT), criado por algumas sumidades atadas de pés e mãos aos sectores do capital financeiro, apelou – num célebre relatório intitulado “Parar o crescimento” – a um crescimento sustentável, quer dizer, compatível com os supostos limites do nosso planeta. Para este organismo, a fonte dos problemas era a sobre população e o consequente sobre consumo em relação às possibilidades físicas da Terra, que levava a uma superprodução criada pela necessidade – absurda, seguramente! De alimentar estas bocas excedentárias.

Da autoria da primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland, foi, em 1987, que surgiu a expressão “desenvolvimento durável”, ou mais exatamente “sustainable development”, traduzido por vezes literalmente como “desenvolvimento sustentado”. Em 1983, a Assembleia Geral das Nações Unidas decidiu criar uma Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CMAD), presidida pela senhora Brundtland, com um triplo mandato: “Estabelecer um diagnóstico dos problemas do meio ambiente; fazer propostas concretas e realistas de cooperação internacional; contribuir para uma tomada de consciência”.

O relatório “O Futuro de Todos Nós” foi publicado em 1987, sendo a ideia central: “Temos apenas uma única biosfera para viver”, ou seja:

1) certos tipos de desenvolvimento degradam o meio ambiente;

2) um ambiente degradado é um obstáculo ao desenvolvimento. Os principais domínios considerados são: a população, a segurança alimentar, a destruição da biodiversidade, a energia e a poluição. Isto conduziu os relatores a definir assim o desenvolvimento sustentado:

“O desenvolvimento sustentado não é um estado de equilíbrio, mas sobretudo um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, a escolha dos investimentos, a orientação do desenvolvimento técnico, assim como as mudanças institucionais são determinadas em função das necessidades, tanto as atuais como as que hão de vir” (Comissão Brundtland, 1987, “O Futuro de Todos Nós”, CMAD, 1987, págs. 10-11).

Os três pilares do desenvolvimento sustentado são:

“1) a duração do desenvolvimento: a nossa presente produção de riquezas deve preservar as nossas próprias possibilidades de produção futura e as das gerações vindouras;

2) a equidade social intra e inter-geracional;

3) o respeito pelos sistemas naturais que nos permitem viver. ”

Tratava-se, através desta linguagem confusa, de dar uma cobertura ideológica à política destruidora do capital, encetada a partir do início da década de 1970, a seguir ao afundamento do Sistema Monetário Internacional, instaurado após a Segunda Guerra Mundial. Reestruturação das economias, destruição das “supercapacidades” de produção, despedimentos em massa, subida do desemprego, desregulamentação, privatizações, arranque das vinhas, pousio das terras, diminuição drástica do número de camponeses em proveito da concentração das terras – a lista desta destruição maciça de forças produtivas seria muito longa. E ela tem sido ainda terrivelmente alongada com o rebentar da crise que abala agora o conjunto do sistema.

Para tudo isto, era necessária uma caução ideológica. Foi encontrada com o decréscimo da produção, metamorfose com novas cores das velhas teorias malthusianas: Por que manter estas indústrias e estas forças produtivas em excesso em relação a uma natureza limitada? Por que continuar com este consumo “compulsivo” sem ter em contas esses limites?

A forma “modernizada” do decréscimo da produção chama-se “desenvolvimento sustentado”. O tema é bastante simples: visto que o homem-predador destrói o seu planeta, deve, pois, reduzir a sua utilização das energias, reduzir o seu consumo. Para o forçar a isso, é necessário:

  1. a) ameaçá-lo com as chamas do inferno, rebatizadas como catástrofe ecológica, ou climática;
  2. b) realizar a santa comunhão de todas as forças sociais e políticas em torno deste imperativo sagrado. Esta nova religião invadiu todos os domínios da vida (ensino, decisão política, programas políticos e sindicais). O seu alvo escolhido: o movimento operário. Este, sabemo-lo, repousa historicamente no reconhecimento da luta de classes. Ou seja, na constatação de que, nas relações sociais de exploração, a classe operária e a classe capitalista ocupam posições totalmente antagónicas. A luta de classes é contraditória com o consenso ecológico, dado que este consenso visa, à conta da classe capitalista, a pôr em causa a divisão da sociedade em classes e apela – pelo contrário – à união sagrada para salvar o planeta, os gelos e os ursos polares, as florestas etc. Através desta camuflagem ideológica, é claro que se trata de canalizar, asfixiar e negar a luta de classes e o seu objetivo (a emancipação da humanidade do colete-de-forças do capitalismo), a fim de ajudar a desmembrar as organizações de combate constituídas para esta emancipação. É um facto que todos os aparelhos que dirigem organizações historicamente produzidas pela luta de classes se alinharam – uns atrás dos outros, em proporções variáveis – sob a bandeira do desenvolvimento sustentado e da ecologia política. Tratando-se de partidos, começaram por se aliar com os partidos verdes e ecológicos – promovidos ao estatuto de partidos de “esquerda” –, para finalmente incorporarem a ecologia política no seu programa, e até mesmo por vezes se reivindicarem como sendo os primeiros partidos ecológicos (e ainda, com alguns deles, como iremos ver, a incorporarem o seu programa na ecologia política). Ao fazê-lo, os dirigentes dos partidos socialistas e comunistas – bem como de outros partidos oriundos do movimento operário – contribuíram para o seu próprio enfraquecimento, quando não para o seu desaparecimento como partido. E eles contribuem, igualmente, para o desaparecimento das linhas de separação entre os organismos que se reclamam do movimento operário e as organizações da classe capitalista.

Cruzada contra Marx

É aqui que intervém a cruzada desenvolvida contra Marx pelo Secretariado Unificado (SU), corrente revisionista do marxismo que se constituiu historicamente no seio da 4ª Internacional, há mais de 50 anos (e que, continuando a se reivindicar fraudulentamente da sua bandeira, exprime-se em organizações como o NPA em França). Que o SU põe em causa a análise de Marx, em particular sobre a questão das forças produtivas, não constitui novidade para os leitores de “A Verdade”. Há dezenas de anos que os dirigentes desta organização – e, em particular, o seu teórico da época, Ernest Mandel – consideraram que, quando Trotsky falou do declínio das forças produtivas em 1938, tratava-se de uma pura análise conjuntural; e que, na realidade, tudo o que Marx escreveu sobre a tendência das forças produtivas a transformarem-se em forças destrutivas – bem como as conclusões que Trotsky daí pôde tirar para o programa de fundação da 4ª Internacional – devia ser definitivamente atirado para o cesto das velharias sem interesse. Contudo, porque o SU precisa de justificar o elo que o liga à continuidade do movimento operário (e em particular ao marxismo), nunca esta organização, até ao presente, tinha reivindicado explicitamente o seu carácter revisionista.

Foi nessa época que Mandel redigiu a sua famosa “Terceira Idade do Capitalismo”, cuja tese principal (não muito original, porque partilhada por outros, bastante numerosos, nomeadamente os economistas dos PC) era que o desenvolvimento das ciências e das técnicas era a expressão indiscutível da capacidade do sistema capitalista poder imprimir um impulso sempre maior às forças produtivas.

E daqui resultou uma polémica incessante do SU contra todos os que defendiam, tal como Marx, que – na época do imperialismo – o capitalismo não era capaz de utilizar as ciências e as técnicas exceto no sentido de uma destruição constante das forças produtivas, e a principal entre elas, a classe operária (exprimindo-se a sua destruição não somente pelo desemprego e pela guerra, mas também pela desqualificação e pela procura de um abaixamento constante do valor da força do trabalho – em particular pela destruição da sua componente histórica e social: o ensino, a formação, a proteção social, os serviços públicos etc.).

Mas, repitamo-lo, pelo menos nessa época, os dirigentes do SU evitaram cuidadosamente atacar diretamente Marx. É a nossa corrente política que, por razões da sua fidelidade às posições de Marx, constituiu muitas das vezes o alvo do SU, pondo em causa o nosso pretendido catastrofismo (8). Acrescentemos que, não sendo nós adeptos da Sagrada Escritura, não é o facto em si de pôr em causa Marx que nos choca. É direito – e mesmo dever – de cada um confrontar as bases teóricas do movimento operário com a realidade dos factos. E se os factos dissessem que Marx, Lenine ou Trotsky se tinham enganado – ou pelo menos que os novos desenvolvimentos da situação exigiam que fosse reconsiderado o que eles escreveram – nós não teríamos, pela nossa parte, nenhuma dificuldade em fazê-lo. O marxismo procede do materialismo histórico, que, em todas as circunstâncias, parte dos factos, do desenvolvimento dos acontecimentos e do seu encadeamento, para os confrontar com a teoria e – através, desses e de novos factos – verificá-la. E não o inverso. Mas isto com duas condições. A primeira é não falsear o que o próprio Marx escreveu; e, a segunda, não adulterar os fatos. Ora, como vamos ver, o Secretariado Unificado não respeita nem uma nem outra destas condições. Integrar-se

Em fevereiro de 2009, no quadro da preparação do seu Congresso Mundial, o Secretariado Unificado (SU) elaborou um “Relatório sobre as alterações climáticas”, apresentado por Daniel Tanuro (9), membro da sua organização belga, que passamos a citar:

“A crise do projeto socialista, cujo balanço ecológico muito negativo do ‘socialismo real’ constitui um elemento incontornável, tem um grande peso no respeitante às capacidades de resistência e de contra-ataque dos explorados e dos oprimidos. Utilizando todas as possibilidades das alterações climáticas para refundar a perspectiva anticapitalista – integrando-as numa problemática geral, ao mesmo tempo ecológica e social –, os marxistas revolucionários podem contribuir para a reorganização do movimento internacional de trabalhadores com um projeto global de sociedade, e até de civilização. ”

Ponhamos de lado o “balanço ecológico muito negativo do socialismo real”. Como se os regimes burocráticos formados na ex-URSS e no Leste da Europa, com base na traição da Revolução de Outubro pela burocracia estalinista, merecessem o nome de “socialismo real”. Quanto a esse balanço, permitimo-nos dizer ao digno sr. Tanuro que não é só no domínio ecológico que o balanço é muito pesado! Que a burocracia estalinista tenha conseguido, abrindo a URSS à penetração capitalista, destruir as bases da propriedade social e das conquistas da classe operária russa e da classe operária mundial, em outubro de 1917; que, ao fazer isso, ela tenha aberto o caminho a uma ofensiva de reação a todos os níveis contra as classes operárias e contra todos os povos – isto sim, é um balanço, muito, muito pesado, e não apenas no campo ecológico, que parece prender a atenção de Tanuro. Mas continuemos. Deste modo, “as alterações climáticas” permitiriam “refundar a perspectiva anticapitalista”?! Se as alterações climáticas não existissem, seria preciso inventá-las… Tanuro continua:

“O ponto nevrálgico e a alavanca da alternativa anticapitalista são, fundamentalmente, os que o projeto socialista definiu: a mobilização dos explorados e dos oprimidos contra um sistema baseado na corrida ao (super) lucro, a propriedade privada dos meios de produção, a produção das mercadorias, a concorrência e o salariado. Mas este ponto nevrálgico e a alavanca da alternativa anticapitalista já não bastam para definir a alternativa. ”

Conclusão prática:

“Para a erigir, não basta afirmar que o socialismo deve integrar as questões ecológicas; por outras palavras, os socialistas devem compreender melhor as questões ecológicas, desenvolver as reivindicações ecológicas e participar nas mobilizações em defesa do ambiente. O verdadeiro desafio consiste, sobretudo, em integrar o projeto socialista na ecologia global do super ecossistema terrestre. ”

A escolha do verbo “integrar” está longe de ser acidental. “Integrar o socialismo” num imperativo “superior”, “integrar” a luta de classe, a classe operária, as suas organizações e o seu combate secular para derrubar o regime explorador… num imperativo “superior”.

Pedimos que o leitor atente neste ponto. Por vezes, acusam-nos de pecar por excesso de polémica relativamente ao Secretariado Unificado. Mas, nós colocamos a seguinte questão: durante toda a sua história, quando o movimento dos trabalhadores foi solicitado para integrar o seu projeto, as suas organizações e os seus objetivos políticos num imperativo que lhe era superior, o que se passou, se não, de cada vez, um processo de integração corporativa subordinando as organizações operárias ao Estado, à nação, à pátria, à “raça” e à união sagrada imposta pela guerra, em suma, qualquer que seja o molde, a uma forma de totalitarismo, privando as organizações da classe da sua independência?

Levado pelo entusiasmo, Tanuro ataca Marx:

“Na análise da revolução industrial, Marx não percebeu que a passagem da madeira a carvão significava o abandono do fluxo renovável em prol da energia obtida a partir de um stock que se esgotaria, cuja exploração só seria rentável através de uma ‘gestão racional’ das trocas de carbono entre a sociedade e o seu meio ambiente (…). As alterações climáticas põem radicalmente em causa a fé no progresso, que é a razão mais importante pela qual os marxistas, desde a década de 1970, tiveram e continuam a ter dificuldades consideráveis em posicionar-se relativamente aos desafios ambientais. Eis por que é que integrar o projeto socialista na ecologia condiciona fundamentalmente a vitalidade revolucionária do marxismo. ”

Antes de retomarmos a esta questão, notemos a oficialização neste texto do termo “eco socialismo”, que Tanuro justifica deste modo:

“Justifica-se aprofundar substancialmente o uso do novo conceito de eco socialismo. Expressão centrada no combate comum contra a exploração do trabalho humano e contra a destruição dos recursos naturais pelo capitalismo, o eco socialismo não provém de uma visão idealista e quimérica em estabelecer a ‘harmonia’ entre a humanidade e a natureza, mas da necessidade materialista de gerar trocas materiais entre a sociedade e o meio ambiente segundo a razão ecológica, isto é, da forma o mais compatível possível com o bom funcionamento dos ecossistemas. ”

“Gerar trocas de matéria entre a sociedade e o meio ambiente, segundo a razão ecológica”? Mas o que é a “razão ecológica”?

“Algumas indústrias devem fechar”

Quem decide o que é a razão ecológica e o que não é? Quem decide o que são as “trocas materiais entre a sociedade e o meio ambiente compatíveis com o bom funcionamento dos ecossistemas”? Quem decide isso? Das duas, uma. Ou se diz que apenas o socialismo, liberto da pressão da procura do lucro capitalista, permitirá o desenvolvimento das forças de produção, através do qual a humanidade assegurará não apenas a satisfação das suas necessidades imediatas, mas também a continuidade da sua sobrevivência e dos meios dessa continuidade. E, nesse caso, será preciso retirar os meios de produção aos seus proprietários privados (a classe capitalista) e reorganizar a produção e o escoamento das forças produtivas em função das necessidades da classe operária. Isso tem um nome: o socialismo, sem que seja necessário acrescentar-lhe qualquer adjetivo. Ou, então, trata-se de outra coisa, ou seja, de subordinar o combate da classe operária – hoje, no quadro do sistema capitalista – a uma “razão ecológica” que estaria acima da luta de classe.

Na página da internet do NPA, Tanuro questiona-se, seriamente:

“Como convencer, neste período de crise, os assalariados e os sindicatos sobre a urgência climática? ”

Resposta:

“Nada conseguiremos sem uma estratégia social. A produção de carbono tornou-se insensata, porque criminosa. Mas na Polónia, 180 mil pessoas ainda trabalham nas minas. Se não lhes garantirmos a reconversão, lançar-se-ão nos braços daqueles que põem em causa o aquecimento global” (10).

Trata-se, portanto, em nome da urgência climática, de convencer os mineiros polacos a renunciar ao seu trabalho?

Não julguemos, sobretudo, que se trata de uma posição acidental. No “Tudo é nosso”, o jornal do NPA em França, podemos ler (10 de dezembro de 2009): “Responder verdadeiramente à crise climática implica uma transformação dos modos de produção e do sistema industrial. É preciso dizer claramente que, a prazo, há indústrias que deverão fechar. ”

O encerramento das empresas: é a isto que Tanuro, e como ele o conjunto do Secretariado Unificado, chama de eco socialismo, assim definido:

“Um sistema não produtivista (não virado para a produção – NdT) que produz para responder às necessidades reais, identificadas democraticamente, tendo em conta os limites naturais. ”

À questão: “Quais seriam essas necessidades? ”, Tanuro responde:

“Parece-me que, nas nossas sociedades, as pessoas compensam a falta de envolvimento social com o comprar compulsivo. ”

Seria, portanto, necessário convencer os trabalhadores a não consumir demasiado? Tranquilizemos Tanuro e os “eco socialistas” do SU: a miséria crescente na qual o sistema capitalista em decomposição mergulha as massas oprimidas do mundo inteiro, os mil milhões de indivíduos que sobrevivem miseravelmente com menos de um dólar por dia, a precariedade generalizada do trabalho, nomeadamente dos jovens, inclusive nos países mais ricos do planeta (11), o desenvolvimento da pobreza endémica e do trabalho clandestino, a privatização dos regimes de proteção social e o seu desmantelamento, a liquidação dos serviços públicos, o ataque à idade da reforma – e, de maneira geral, o congelamento dos salários, a destruição dos contratos coletivos e estatutários –, tudo isso irá contribuir, estejamos certos disso, para limitar grandemente a tendência da massa da classe operária em comprar “compulsivamente”!

Eco socialismo contra socialismo

O “eco socialismo” é, para falar com propriedade, um oximoro (12). Porque, o que é o socialismo? O socialismo supõe, pelo seu desabrochar, que as forças produtivas tenham atingido um tal grau de desenvolvimento que torne possível o acesso igual para todos às riquezas produzidas.

Engels escreveu: “A tomada de posse de todos os meios de produção pela sociedade não poderá tornar-se possível – e constituir uma necessidade histórica – senão depois de estarem reunidas as condições materiais da sua realização” (13).

De que se trata? Engels responde:

“Está tomada de posse, como todos os outros progressos sociais, torna-se praticável (…) em virtude de algumas novas condições económicas. A divisão da sociedade numa classe exploradora e numa classe explorada – uma classe reinante e uma classe oprimida – foi a consequência necessária do débil desenvolvimento da produção no passado. ”

Mas, precisa Engels, essa divisão em classes “tem uma certa legitimidade histórica (…) apenas durante um certo tempo, dadas determinadas condições sociais”. E eis o porquê:

“Ela resultou da insuficiência da produção; ela será varrida pelo pleno desabrochar das forças produtivas modernas. E, com efeito, a abolição das classes sociais (…), a evolução da produção, atingindo um nível em que a apropriação dos meios de produção e dos produtos (…), por parte de uma certa classe da sociedade, irá tornar-se não apenas supérflua, mas também um entrave à evolução, tanto do ponto de vista económico, como político e intelectual. Este ponto foi já hoje atingido (…). Em cada crise, a sociedade é abafada pelo fardo das suas próprias forças produtivas e dos produtos que gera e não pode utilizar; ela choca-se, com impotência, a uma contradição absurda em que os produtores nada têm para consumir por falta de consumidores. A força da expansão dos meios de produção faz estoirar o espartilho que lhe tinha sido posto pelo modo de produção capitalista. A sua libertação é a única condição prévia para um desenvolvimento ininterrupto e constantemente acelerado das forças produtivas e, através disso, de um crescimento praticamente ilimitado da própria produção. ”

Convidamos o leitor a focar a sua atenção no seguinte: o socialismo – tal como Engels o definiu, tal como sempre o definiram os socialistas – passa pela libertação das forças produtivas do espartilho da propriedade privada, como condição do seu desenvolvimento ininterrupto e constantemente acelerado, permitindo um crescimento ilimitado da própria produção. E Engels precisa:

“A apropriação social dos meios de produção suprime não apenas a penúria artificial que afeta atualmente a produção, mas também o desperdício e a destruição efetiva das forças produtivas e dos produtos (…). Ela deixa liberta e disponibiliza à comunidade uma imensa quantidade de meios de produção e de produtos. Hoje, pela primeira vez, por meio da produção social, existe a possibilidade de ser assegurada a todos os membros da sociedade uma existência não apenas suficiente e mais rica, de dia para dia, de um ponto de vista material, como de garantir, de forma totalmente livre, o desenvolvimento e a utilização das suas faculdades físicas e intelectuais (…).

Pela tomada de posse social dos meios de produção (…), a anarquia existente no seio da produção social é substituída por uma organização consciente e sistemática. A luta pela existência individual chega ao fim. Através dela, e pela primeira vez, o homem sai, em certo sentido, do reino animal, passa da condição animal de existência a condições verdadeiramente humanas de existência. O conjunto das condições de vida, que até aqui dominavam o homem, fica finalmente sob a dominação e o controlo dos homens, que, pela primeira vez, passam a ser os obreiros conscientes e verdadeiros da natureza, por se tornarem, eles próprios, os construtores da organização da sua sociedade. ”

Permitam-nos insistir neste ponto. O socialismo é, através da apropriação social dos meios de produção, a possibilidade enfim dada aos homens de passarem a ser donos conscientes e verdadeiros da natureza, porque eles se tornam os construtores da sua própria organização em sociedade. E Engels precisa:

“As leis da sua própria ação social que, até aqui, se erguiam diante deles como leis da natureza que lhes eram estranhas e os dominavam, são desde então aplicadas e dominadas pelos homens, com plena consciência de causa. A própria organização da sociedade dos homens – que até aqui lhes era como que estranha e conferida pela natureza e pela história – torna-se num ato da sua própria e livre iniciativa. As forças objetivas, desconhecidas, que até então dominavam a história, passam para o próprio controlo dos homens”.

Mas pretender subordinar os homens e toda a sociedade às forças da natureza, isto é, a forças “objetivas e desconhecidas”, não será fazer o caminho exatamente inverso? Não é evidente a contradição? Engels escreve ainda:

“Só a partir desse momento é que os próprios homens farão a sua história de forma consciente; só a partir de então é que as causas sociais, postas por eles em movimento, terão – na maior parte das vezes e cada vez mais – os efeitos por eles pretendidos. É a humanidade a passar, de um salto, do reino da necessidade para o reino da liberdade. ”

Esta visão do socialismo opõe-se ao pretenso eco socialismo, que se subordina a um “equilíbrio ecológico da natureza”, de que ninguém sabe de onde vem nem o que o determina. O que é claro é que esse eco socialismo mantém a humanidade no reino da necessidade e da subordinação. O socialismo – porque visa à emancipação da humanidade das amarras da exploração e da opressão – é a única maneira de permitir que a relação do homem com a natureza seja restabelecida numa relação pela qual, pelas necessidades do seu próprio desenvolvimento, a civilização humana seja capaz de dominar a utilização que ela faz dos recursos da natureza. Porque, enquanto a humanidade se mantiver sob o domínio do sistema capitalista – que se guia não pela satisfação das necessidades humanas, mas pela realização do máximo lucro –, não apenas um tal objetivo será irrealista, como mais ainda: a manutenção deste sistema far-se-á, necessariamente, através de um uso anárquico e destrutivo de todas as fontes da produção capitalista, tanto da força produtiva humana como dos recursos naturais.

Deste ponto de vista, poderíamos lançar aos “ecos socialistas” de 2009 a acusação que o nosso camarada Bloch lançava, há 30 anos, aos “ecologistas” (no projeto de resolução sobre o “ecologismo”, submetido ao 23º Congresso da Organização Comunista Internacionalista, em 1979 (14)). A propósito de certas indústrias ou energias acusadas de serem “poluentes”, o autor do projeto de resolução escrevia:

“Enquanto problemas técnicos, estes problemas já têm solução, ou podemos encontrá-la. Contrariamente ao que afirmam os ‘ecologistas’, não existem técnicas que sejam ‘por natureza’ destrutivas, ou indústrias ‘por natureza’ poluentes (ou não-poluentes). Existem soluções técnicas, ou podem ser encontradas soluções técnicas, para minorar os efeitos secundários prejudiciais de qualquer indústria ou técnica. Mas a classe operária tem primeiro que controlar a totalidade da economia, ou seja, exercer o poder político, antes de poder impor a aplicação dessas soluções. ”

Entre a subordinação da natureza pelo homem (o socialismo) e a subordinação do homem pela natureza – isto é, pelos proprietários privados dos meios de produção, que se escondem por detrás dessa abstração fantasmagórica e abrem caminho à barbárie –, a contradição é total, mesmo se essa subordinação se disfarça com o nome enganador de “eco socialismo”. Mesmo quando se acrescentam referências à planificação…

Inquietante planificação

Assim, François Sabado, outro dirigente do SU, num texto de novembro de 2008 submetido ao Congresso Mundial do Secretariado Unificado, indica:

“Nesse combate socialista existe uma dimensão eco socialista, em relação com outro modelo económico, baseado na luta contra o aquecimento climático, outra organização da política de transportes, da política energética, na luta contra a poluição e a degradação do ambiente dos bairros e dos campos. É preciso partir da exigência de desenvolvimento sustentável em termos ecológicos para devolver o sentido à ideia de planificação económica. ”

Mas, uma vez mais, em que consiste a “exigência de desenvolvimento sustentável” em termos ecológicos? O que é a planificação económica de que fala Sabado? A planificação da produção pelos próprios produtores que, depois de expropriarem a burguesia, tomam em mãos a sua organização social? Isso se chama socialismo. Semelhante planificação da produção inclui a possibilidade de, pela primeira vez, a humanidade estabelecer com o seu meio ambiente relações que garantam a perenidade e a continuidade da dominação da natureza pelo homem. Mas se é a exigência do desenvolvimento sustentável – em termos ecológicos – a determinar a planificação, tal significa que ela não será determinada pelas necessidades da classe operária. Nesse caso, de que planificação se trata? Que tipo de regime político e social estabelecerá uma planificação impondo a ordem do “desenvolvimento sustentável” a todas as classes sociais e, em primeiro lugar, ao movimento operário?

O texto preparatório adoptado pelo SU e apresentado por Tanuro afirma que o combate “eco socialista” precisa ter em linha de conta que “a diminuição da produção e do consumo material é, de imediato, necessária à salvação do clima”.

É certo que o SU promete amanhãs que cantam “logo que o sistema climático tiver sido estabilizado”, (explicando, por outro lado, que os danos causados ao clima são irreversíveis). Mas, entretanto, o que está na ordem do dia é a diminuição da produção material e do consumo! E, a este respeito, o texto do Secretariado Unificado recomenda que “se ponha em causa o excesso de consumo e as práticas individuais que dele decorrem”. Instaurar “uma exigência ética elementar, que imponha àquelas cujas necessidades materiais estão satisfeitas, que façam prova de sobriedade energética e ajam em conformidade, a fim de evitar contribuir para a alteração do clima” e denunciar “o mal-estar social em massa devido ao consumo compulsivo”, eis os eixos do combate pela “defesa do clima” (15). Será exagerado qualificar semelhante posição como integralmente reacionária? E, além disso, inquietar-se com a “planificação” que poderia impô-la?

Em defesa de Marx

Na sua qualidade de membro do “Conselho Científico” da ONG altermundista ATTAC e de sociólogo, representante do NPA aquando da iniciativa “Contra Grenelle 2”, organizada pelo jornal “La Décroissance”, a 2 de maio de 2009, em Lyon (França), Philippe Corcuff apela a “uma revolução cultural anti-produtivista dos anticapitalistas. Desde o século XIX, as diferentes variantes de socialismos anticapitalistas foram frequentemente impregnadas de produtivismo, por uma orientação no seio de uma lógica da produção pela produção, pela crença segundo a qual ‘mais’ corresponde necessariamente a ‘melhor’, pela ilusão de que não haveria limites naturais ao desenvolvimento industrial, bastando então desembaraçarmo-nos das cadeias da exploração capitalista para resolver todos os problemas. Este produtivismo marcou particularmente as correntes dominantes do movimento operário – a socialdemocracia (na época em que ela era ainda anticapitalista) e o estalinismo. Mas este produtivismo das correntes anticapitalistas mergulhava já as suas raízes nas ambivalências do próprio Marx, quanto à sua crítica ao capitalismo. Já que, por um lado, Marx parecia marcado por um fascínio produtivista pelo desenvolvimento industrial que existia nessa época em Inglaterra. É, nomeadamente, disso que se trata quando ele se ocupa do tema do desenvolvimento das forças produtivas. ”

Perante isto, não sabemos se Corcuff revela ignorância, impostura ou adulteração deliberada. Por conseguinte, Marx teria sido um partidário da produção, um “produtivista” fascinado pelo desenvolvimento industrial com que se deparava em Inglaterra? Indiquemos, ao estimável sociólogo, o que o próprio Marx escreve a este respeito: “A concepção da história que acabamos de desenvolver fornece-nos, finalmente, os seguintes resultados:

1 – No desenvolvimento das forças produtivas, chega-se a um estádio em que nascem forças produtivas e meios de circulação que só podem ser nefastos no quadro das relações existentes, deixando de ser forças produtivas para se transformarem em forças destrutivas (o maquinismo e o dinheiro) – e, em ligação com a situação precedente, nasce uma classe que suporta todos os encargos da sociedade, sem poder beneficiar das suas vantagens, que é expulsa da sociedade e se encontra, à força, em oposição frontal a todas as outras classes, uma classe formada pela maioria dos membros da sociedade e da qual surge a consciência da necessidade de uma revolução radical, consciência que é a consciência comunista (…).

2 – As condições em que podem ser utilizadas determinadas forças produtivas são as condições de dominação de uma classe determinada da sociedade (…).

3 – Em todas as revoluções anteriores, o modo de atividade manteve-se inalterado, tratando-se apenas de uma nova distribuição desta atividade, de uma nova repartição do trabalho entre outras pessoas. A revolução comunista, em contrapartida, é dirigida contra o modo de atividade anterior, ela suprime o trabalho e abole a dominação de todas as classes, através da abolição das próprias classes (…).

4 – Torna-se necessária uma transformação maciça dos homens para a criação maciça desta consciência comunista, tal como para levar a bom termo a própria transformação da sociedade. Ora, semelhante transformação não pode operar-se senão através de um movimento prático, de uma revolução. Esta revolução torna-se, portanto, necessária não só por constituir o único meio de derrubar a classe dominante – ela é-o, igualmente, porque só uma revolução permitirá à classe que derruba a outra varrer toda a podridão do velho sistema que se lhe encontra colado e torná-la apta a fundar a sociedade sobre novas bases” (16).

Constata-se, contrariamente às asserções de Corcuff, que Marx não é uma espécie de iluminado, encerrado numa lógica da produção pela produção. Bem pelo contrário, Marx considera que, travado pela propriedade privada dos meios de produção, o desenvolvimento das forças produtivas pode levá-las a transformar-se em forças destrutivas. De resto, ele não esconde que estas forças destrutivas ameaçam tanto o trabalhador como o seu meio ambiente.

Esta é a razão pela qual Marx insiste no facto de “as condições em que se podem utilizar determinadas forças produtivas correspondem precisamente às condições de dominação de uma determinada classe da sociedade”. Por outras palavras, as condições em que a dominação burguesa sobre as forças produtivas conduz à sua transformação em forças destrutivas não podem ser postas em causa senão pelo derrube da dominação burguesa e pela apropriação, pela classe operária, do controlo dos meios de produção. Isso conduz Marx a considerar como um todo unificado o movimento da revolução proletária, que, ao expropriar os expropriadores, permite dar um novo impulso ao desenvolvimento das forças produtivas e, através dele, criar as condições materiais e sociais de um domínio da natureza pelo homem e condições aparentemente “objetivas” que lhe escapam, nos termos em que precisamente Engels as descrevia na citação precedente. Para Marx, a noção de trabalho produtivo ou não produtivo é indissociável da relação de exploração capitalista. A este propósito ele escreve:

“O capital é, por conseguinte, produtivo. 1 – Ao impor o excesso de trabalho. 2 – Ao absorver e ao apropriar-se (personificação) das forças produtivas do trabalho social e das forças produtivas sociais gerais (tal como da ciência) ” (17).

E Marx precisa:

“A força-de-trabalho é produtiva devido à diferença entre o seu valor e a sua possibilidade de acrescentar valor”. E insiste: “Só é produtivo o trabalho que se transforma diretamente em capital, portanto, o trabalho que constitui o capital como variável”.

Dito de outra maneira:

“No sistema de produção capitalista, o trabalho produtivo é, portanto, aquele que produz a mais-valia para aquele que o emprega”.

Seguramente, para lidar com algum antepassado de Corcuff e ou de Tanuro/Sabado, Marx antecipava: “Só a estreiteza de espírito burguesa que encara como absolutas as formas capitalistas de produção – tomando-as, portanto, como formas naturais e eternas da produção – pode confundir a questão de saber o que é o trabalho produtivo, do ponto de vista do capital, com a de saber, na generalidade, que tipo de trabalho é produtivo ou o que é o trabalho produtivo e, por conseguinte, acreditar que faz prova de uma grande subtileza ao responder que qualquer trabalho que produza ou de que resulte algo é, por si só, um trabalho produtivo”.

É precisamente depois de terem procedido a esta mistificação que Corcuff e companhia se alinham sob a bandeira do anti-produtivismo. Ora o “anti-produtivismo” não significa mais do que o acompanhamento da destruição das forças produtivas.

O que, de resto, se harmoniza perfeitamente com as necessidades do conjunto da classe capitalista na época do imperialismo, em que este não consegue sobreviver senão na base da destruição maciça e periódica das forças produtivas “excedentárias”.

Recordemos o que Marx diz a este propósito:

“Não são produzidos demasiados meios de subsistência proporcionalmente à população existente. Pelo contrário. Produz-se demasiado pouco para satisfazer, de forma decente e humana, a massa da população. Não se produz demasiados meios de produção para ocupar a fracção da população apta para o trabalho. Pelo contrário. (…). Mas produz-se, periodicamente, demasiados meios de trabalho e de subsistência para poder fazê-los funcionar como meio de exploração dos operários para um determinado lucro. Produz-se demasiadas mercadorias para que se possa realizar e reconverter em capital novo o valor e a mais-valia que elas contêm, nas condições de distribuição e de consumo decorrentes da produção capitalista, quer dizer, sem explosões incontroláveis na conclusão deste processo. Não se produz demasiada riqueza. Mas produz-se, periodicamente, demasiada riqueza sob as suas formas capitalistas, contraditórias” (18).

Não é exatamente esta a situação em que estamos atualmente?

Será que a destruição em massa das fábricas, dos campos e das zonas industriais decorre do facto de existirem demasiadas mercadorias para as necessidades da humanidade? Ou demasiadas mercadorias e meios de produção para as fazer funcionar como meio de exploração dos operários? Mas é precisamente esta relação de exploração que o eco socialista – do gênero Corcuff, Tanuro e outros – pretendem negar.

Corcuff prossegue: “O NPA, aquando do seu congresso constitutivo, pôs justamente em destaque esta revolução cultural anti-produtivista dos anticapitalistas, recorrendo ao termo eco socialismo – que assinala, precisamente, que os legados socialistas dos séculos XIX e XX mais atuais e mais preservados das derivas autoritárias não são, por si sós, suficientes para responder aos desafios do século XXI”.

Vejamos, então, como é que os ecos socialistas – do tipo de Corcuff, Tanuro e Sabado – pretendem completar e corrigir as pretensas insuficiências dos legados socialistas dos séculos XIX e XX.

Entre as “pistas” avançadas por Corcuff, atentemos nesta: desenvolver “uma visão alargada do capitalismo, relativamente às inúmeras visões clássicas dos socialistas e dos marxistas. Isso implica que se tome em consideração não só a contradição capital-trabalho (e a exploração capitalista do trabalho) – é necessário tomá-la em consideração, mas não de forma exclusiva –, como também aquilo que se poderá designar por contradição capital-natureza (e a exploração capitalista da natureza) como uma das dimensões fundamentais do funcionamento do capitalismo”.

Uma “dupla” relação de exploração?

Portanto, segundo Corcuff, existiriam duas relações de exploração: por um lado, a “relação de exploração capitalista do trabalho”; e, por outro, a “relação de exploração capitalista da natureza”. Para compreender a verdadeira operação de prestidigitação levada a cabo por Corcuff, é necessário voltar a Marx:

“O trabalho não é a única fonte… dos valores de uso (…). Ele é o pai, sendo a terra a mãe, como diz William Petty” (19).

E também:

“O trabalho não é a fonte de toda a riqueza. Tanto a natureza como o trabalho são fontes de valores de uso (que constituem, apesar de tudo, a riqueza real!)” (20).

Recordemos aqui a distinção essencial que Marx faz entre “valor de uso” e “valor de troca”. O valor de uso de uma mercadoria corresponde à função específica que ela representa para quem a possui ou adquire. O seu valor de troca é o que permite comparar (e trocar) duas mercadorias com valor de uso diferente. Marx prova que este valor de troca corresponde ao tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la, cristalizado nessa mercadoria.

O contributo essencial de Marx para a compreensão do mecanismo do capitalismo tem a ver com o facto da mercadoria força-de-trabalho possuir essa característica miraculosa aos olhos do capitalista: permitir fazê-la trabalhar por tempo superior ao necessário à produção do valor de que ela necessita para subsistir. É esta diferença entre o valor produzido e o valor consumido que faz da mercadoria força-de-trabalho essa mercadoria miraculosa que se encontra na origem da mais-valia. Esta distinção é importante para compreender que, na citação que acaba de ser feita, Marx fala dos valores de uso enquanto resultado do trabalho humano que se opera sobre a terra e sobre os recursos naturais nela contidos.

Força produtiva do trabalho humano, por um lado, e recursos da natureza, por outro, ambos são elementos constitutivos da produção de mercadorias. As relações sociais de produção integram e configuram estas duas componentes indissociáveis. A relação de exploração capitalista – relação social que obriga o operário a vender a sua força-de-trabalho aos proprietários dos meios de produção, que, através desta relação de exploração, extorquem a mais-valia, que, por sua vez, constitui a base do alargamento do capital – pressupõe a ação da força-de-trabalho do proletariado sobre os recursos naturais.

Mas a relação social de exploração limita-se à relação de exploração da força de trabalho. O que caracteriza esta relação social de exploração reside no facto de o proprietário capitalista dos meios de produção obrigar o operário a vender-lhe a sua força-de-trabalho nas condições que permitam ao capitalista extrair a mais-valia.

Ao “explorar a natureza”, o capitalista não lhe extorque qualquer mais-valia. A “exploração” da natureza, quer se faça diretamente, através da extração de recursos naturais, ou indiretamente, pela sua transformação em mercadoria, não produz qualquer valor novo senão em resultado do trabalho humano.

A utilização dos recursos naturais (e a sua pilhagem e transformação) não tem valor para o capitalista senão através desta relação social de exploração. Recorrendo a um exemplo que se relaciona com um dos grandes temas do aquecimento climático, tomemos em consideração a questão do desflorestamento: nenhum capitalista, nenhuma multinacional vai desflorestar a Amazónia – ou qualquer outra grande floresta tropical – pelo seu prazer exclusivo. O aguilhão do desflorestamento capitalista – tal como o aguilhão de qualquer outra atividade capitalista – é a realização do lucro. E de onde vem a realização do lucro? Se tomarmos em consideração o abate de árvores, as realizações do lucro provem do fato de que o valor criado pela ação dos operários que desflorestam ser superior ao valor dos capitais investidos pela multinacional na ação de desflorestamento. E este valor superior não provém da madeira em si, não provém da essência da árvore, nem das máquinas utilizadas para este efeito. Ele provém da relação social de exploração permitir à multinacional da madeira fazer trabalhar o operário que desfloresta para além do tempo necessário à reprodução do valor que permite a manutenção da sua força-de-trabalho diária. Não é, portanto, a árvore que produz a mais-valia, mas sim a ação do operário que abate a árvore. Mas prossigamos: uma vez abatida e representando um determinado valor de troca proporcional ao tempo de trabalho socialmente necessário ao seu abate, a árvore transforma-se em trabalho morto – para retomar a expressão de Marx. Se, no fabrico de móveis ou de papel de jornal, a multinacional investe 1.000 euros de madeira, este valor de 1000 euros encontrar-se-á tanto na bobina de papel de jornal como na mesa da sala de jantar.

Ora, se o capitalista investe, não é para que o valor seja reproduzido sob a sua forma original, mas para dispor de um valor novo. Nesse caso, é, uma vez mais, a relação social de exploração que lhe permite fazer trabalhar o operário (carpinteiro, marceneiro) para além do tempo necessário à reprodução do valor da mercadoria que ele consome diariamente.

É esta relação de exploração que interessa ao capitalista, porque ela é a fonte exclusiva da mais-valia, que está na base do lucro. Por conseguinte, vê-se perfeitamente que a “exploração da natureza” – e estes exemplos poderiam ser multiplicados até ao infinito – não interessa ao capitalista senão na medida em que constitui o suporte da exploração da força-de-trabalho.

Pouco importa ao capitalista que a ação do operário que explora se aplique à madeira da floresta amazónica, ao metal produzido pelos fornos das siderurgias, à montagem de automóveis ou a quaisquer outras atividades sociais. Só lhe interessam as condições sociais e económicas que permitem, por um lado, extorquir a mais-valia produzida com o suor e o sangue do proletariado explorado e, por outro lado, realizar esta mais-valia na venda das mercadorias produzidas. Pretender dissociar a exploração da natureza da exploração da força-de-trabalho significa cometer uma dupla intrujice.

Em primeiro lugar, isso equivale a fazer desaparecer o nó da relação social de exploração, na produção de mais-valia, através da utilização do trabalho assalariado. Em segundo lugar, isso conduz à procura de soluções políticas, sociais e económicas que visam combater a “exploração ecológica” distintas do combate contra a exploração da força-de-trabalho. De onde se chega à participação nas grandes missas de união sagrada do género de Copenhagen etc.

O que, de passagem, permite compreender melhor a chamada de atenção, aparentemente espantosa, de um outro “grande teórico” do SU, Daniel Bensaid, que, numa edição do semanário francês “Le Nouvel Observateur”, consagrada a Marx, escreve: “A crise da mundialização capitalista revela a tendência estritamente destrutiva do capital, da natureza, da sociedade e do ser humano. Reduzindo toda a riqueza ao tempo de trabalho cristalizado, a lei do valor pretende quantificar o não quantificável e atribuir a todas as coisas um valor monetário, como se o tempo longo da ecologia fosse redutível às flutuações bolsistas instantâneas”.

Para além da linguagem bombástica, o que o autor quer dizer é: os problemas da chamada “ecologia” escapariam à lei do valor estabelecida por Marx e, consequentemente, à relação social de exploração que caracteriza o sistema capitalista. De Bensaid, revendo a lei do valor estabelecida por Marx, a Corcuff, estabelecendo a nova relação “dualista” de exploração da força-de-trabalho e da natureza, até à injunção de Tanuro dirigida aos operários para que reduzam o consumo, existe, ao fim e ao cabo, uma grande coerência nas posições do Secretariado Unificado – uma coerência baseada na revisão total do marxismo, que serve de cobertura teórica à sua adesão à união sagrada corporativista de “luta contra o aquecimento climático”.

Até onde eles se abaixarão?

Nada de espantoso que, agora, o Secretariado Unificado e o NPA tenham entrado em relação com as correntes ditas “decrescentes”. A 16 de outubro de 2009, foi realizado um encontro oficial entre a direção do NPA e os representantes da Associação dos Objetores do Crescimento. Quem são os Objetores do Crescimento (21)? Na página da internet do jornal francês “Libération” (4 de maio de 2009), Paul Ariès, um dos papas franceses do “decréscimo”, declara:

“Vai ser necessário aprender a viver muito melhor com muito menos. É preciso organizar o abrandamento da sociedade, a sua relocalização. É preciso reencontrar, individual e coletivamente, o sentido dos limites. ”

Ariès faz um apelo à “retomada do sentido dos limites, o que supõe acabar com a economia e a ideologia do progresso”. O decrescimento descrito por Ariès é:

“Em primeiro lugar, a simplicidade voluntária, que consiste em viver em conformidade com os seus valores (…). Portanto, tudo o que for neste sentido é positivo, tal como não ter carro, trabalhar a tempo parcial etc.”.

Mas esta aliança do SU com os “decrescentes” é sobretudo lógica. No texto já citado, o SU considera o “desafio climático e energético” como

“Um elemento central da luta por uma mudança de rumo das organizações de trabalhadores. Este combate é tanto mais difícil quanto, do ponto de vista estratégico, ele não passa em primeiro lugar pelo desenvolvimento de novas produções, de novas mercadorias e de novos mercados no domínio verde – portanto, através da ‘retomada económica’ –, mas sim pela luta prioritária pela diminuição do consumo de energia, pela supressão das produções inúteis ou prejudiciais, pela reconversão dos trabalhadores e trabalhadoras empregados nestes sectores etc.”.

Qual é o significado desta mudança de rumo a impor às “organizações de trabalhadores”? O abandono da defesa dos salários, do emprego, dos estatutos e das convenções coletivas a favor do “desafio climático e energético”? Compreende-se assim porque é que, em França, o NPA recusa combater pela proibição dos despedimentos na indústria – essa indústria consumidora de energia e poluente, como é o caso do fabricante de pneus Continental, do fabricante de engenhos de trabalhos públicos Caterpillar, dos construtores de automóveis PSA ou Renault, dos fabricantes do sector químico etc.

Resta “a reconversão”…

Não é isto tremendo? Nestes tempos de desemprego técnico imposto, de “lock-out”, de deslocalizações de empresas, de flexibilidade e de flexibilidade imposta, é o aliado do Secretariado Unificado que faz apelo a esta “simplicidade voluntária” que consiste em trabalhar a tempo parcial, a não ter carro. E, durante este tempo, as multinacionais reconstituem o seu stock de produtos financeiros derivados. E, durante este tempo, os governos imperialistas distribuem milhares de milhões de dólares e de euros para encher os bolsos dos especuladores falidos (22).

O objetivo deste artigo, como já frisámos, não é tratar da questão do conjunto das relações do Homem com a Natureza, ou mesmo do conjunto das questões colocadas pela destruição do meio ambiente como produto da decomposição do regime capitalista em agonia. Trata-se de introduzir elementos de metodologia, de restabelecer o ponto de vista marxista sobre estas questões e de mostrar como é que ele se encontra plenamente confirmado pela situação presente. Com este artigo, pretende-se, igualmente, tornar claro o verdadeiro conteúdo das propostas avançadas pelas correntes ecologistas e eco socialistas.

E, ainda, de mostrar como é que estas propostas – sob a aparência de responder ao perigo indiscutível que ameaça o nosso planeta e o meio ambiente – servem de cobertura ideológica à ação destruidora das multinacionais responsáveis pelas ameaças cruciais que pesam sobre toda a humanidade. Porque, repetimo-lo, o ponto de vista dos marxistas não consiste, de modo nenhum, em minimizar as ameaças com que a humanidade está confrontada.

Há 30 anos, o projeto de resolução sobre “O ecologismo” (preparatório do 23º Congresso da Organização Comunista Internacionalista [OCI], redigido pelo camarada Gérard Bloch) escrevia:

“Não, os fundadores do marxismo não ignoraram o problema da deterioração que o capitalismo provoca no meio natural, e a ‘crise do meio ambiente’ não foi um problema surgido nos últimos vinte ou trinta anos. É verdade que o atraso da revolução socialista lhe deu uma nova amplitude – trata-se apenas de um dos aspectos das ‘imensas dificuldades suplementares para a edificação do socialismo’ resultante do atraso de que falava o Manifesto da OCI, que também não ignorava que ‘a sociedade capitalista envenena, cada dia mais, o seu ar e até a sua água’. Mas ele apenas tirava como conclusão a necessidade cada vez maior da revolução socialista, ou seja, da solução do problema da direção revolucionária. Ele não propunha nenhuma solução charlatanesca. ”

O futuro da humanidade resume-se à alternativa socialismo ou barbárie – escreveu a grande revolucionária Rosa Luxemburgo, na segunda década do século passado. Alternativa que continua a estar, mais do que nunca, colocada diante de nós. A sobrevivência do regime capitalista, fundado sobre a propriedade privada dos meios de produção, já conduziu a humanidade à barbárie. Não se trata de uma alternativa para amanhã, mas sim para hoje. Este regime capitalista desmorona-se sob o peso de montanhas de capitais que não conseguem produzir valor, no quadro da propriedade privada dos meios de produção. Na corrida louca em busca do lucro, ele está decidido a destruir todos os equilíbrios, a ameaçar a existência de toda a humanidade. Já o demonstrou aquando das duas guerras mundiais que marcaram o século passado. Demonstra-o, também, quotidianamente através do desmantelamento dos Estados e das nações, que – sob a pressão das multinacionais – atinge continentes inteiros. Demonstra-o com a extensão desenfreada das guerras, dos conflitos “étnicos” e das chamadas tensões “comunitárias” – mas também da fome, das doenças, da mal nutrição e das epidemias.

É verdade, este regime está condenado, definitivamente condenado. E também é verdade que, em cada dia que o sistema capitalista sobrevive, crescem as ameaças em proporções que nós não estamos sequer em medida de imaginar. Ameaças que pesam sobre a sobrevivência da humanidade, que é indissociável da sobrevivência do seu próprio meio ambiente. E, exatamente porque a alternativa é o socialismo ou a barbárie, o combate pelo socialismo abre uma perspectiva – a única que permitir responder positivamente à situação. Mas ninguém pode subestimar os obstáculos a esta via.

Há 40 anos, Gérard Bloch, no artigo já citado, afirmava:

“Os grandes lagos da Terra – americanos ou suíços, ou russos como o mar Cáspio, porque em relação a isto como a tudo o resto, a casta burocrática da URSS já demonstrou que tem, segundo a expressão de Trotsky, ‘todos os defeitos de uma classe dirigente e nenhuma das suas qualidades’ – estão atualmente quase todos poluídos e sem possibilidades de retorno, o que quer dizer que, mesmo se a civilização desaparecesse bruscamente, eles não poderiam voltar ao antigo equilíbrio pela simples evolução natural. E foi estimado que, para depurar os grandes lagos dos EUA, seria necessário gastar quase tanto como com o projeto Apollo – cem bilhões de dólares – ou seja, dez vezes mais, ou mesmo cem vezes mais do que seria necessário se estivéssemos numa economia socialista, para impedir a tempo que se tivesse chegado a este ponto. O próprio oceano não está ‘em vias de morrer’, segundo a fórmula metafórica do comandante Costeau? ”

Uma conclusão provisória

É certo que a classe operária – quando se apoderar dos meios de produção – será confrontada a devastações muito mais importantes que as evocadas por Gérard Bloch a propósito da poluição dos grandes lagos. E, sem dúvida, que será necessário consagrar esforços consideráveis e recorrer a uma inventividade sem precedentes para resolver esses extraordinários problemas. Que sociedade terá a capacidade e a vontade para disponibilizar os meios para resolver estas questões, senão exatamente uma sociedade em que o motor não seja a procura do lucro capitalista, obtido através da exploração do trabalho assalariado?

Contrariamente ao que pretendem – de forma lamentável – estes ex-marxistas (neo-eco)-socialistas, a crise que ameaça a própria existência da civilização humana (na qual está incluído o seu meio ambiente) só torna mais urgente a necessidade do combate pela revolução proletária. Nenhum problema técnico ou tecnológico pode ser considerado, à partida, como insolúvel. Mil vezes, milhões de vezes, a humanidade conseguiu resolver problemas que dantes pareciam inultrapassáveis. Não existem limites para o desenvolvimento das forças produtivas. Os únicos limites são os colocados, atualmente, por um modo de apropriação que as trava, as constrange, as abafa e as transforma em forças destrutivas da civilização humana. Citemos, de novo, Gérard Bloch:

“Não existem problemas técnicos, neste domínio, que não possam ser facilmente resolvidos – quer se trate da construção de motores de automóveis a gasolina não poluidores, à espera do carro eléctrico, cuja viabilidade é só uma questão de meios materiais; quer se trate da apanha e da destruição das embalagens plásticas que se acumulam; quer se trate da água ou do ar!

Não é o objetivo deste artigo demonstrá-lo em detalhe, a propósito dos mil problemas que se colocam na agricultura e na indústria – e isso excede a nossa competência –, mas essa demonstração já foi efetuada, encontrando-se dispersa em numerosas revistas técnicas e compartimentada pela ultra especialização que resulta da divisão capitalista do trabalho (de tal modo que ninguém tem uma visão global). De facto, já existem todas as componentes das soluções, mas elas não podem ser implementadas – e não serão implementadas – pelo regime cujo motor é o lucro da oligarquia do capital financeiro.

O problema não é técnico, é político. É preciso desmantelar os estados imperialistas, instaurando o poder dos conselhos operários – e, então, as conquistas da engenharia humana abrirão aos homens possibilidades ilimitadas e, até, agora inimagináveis. ”

Sim, possibilidades ilimitadas e até agora inimagináveis: o socialismo abrir-lhes-á o caminho.

O que é o “IPCC”?

O Painel Intergovernamental de Peritos sobre a Evolução do Clima (IPCC, em inglês) é uma organização criada pela ONU em 1988. Reunindo um painel de cientistas designados pelos governos dos respectivos países, os seus estatutos indicam que ele “tem por missão avaliar – sem preconceitos prévios e de forma metódica, clara e objetiva – as informações de ordem científica, técnica e socioeconômica que são necessárias para compreender melhor os riscos ligados às mudanças climáticas de origem humana, identificando mais precisamente as possíveis consequências destas mudanças, e procurar eventuais estratégias de adaptação e de atenuação. Não tem como mandato empreender trabalhos de investigação nem de seguir a evolução das variáveis climatológicas ou de outros parâmetros pertinentes. As suas avaliações são baseadas, fundamentalmente, sobre publicações científicas e técnicas cujo valor científico seja amplamente reconhecido. ”

Por conseguinte, o IPCC toma como ponto de partida um aspecto de uma controvérsia científica que ainda não está resolvida, ou seja, que o aquecimento climático é uma catástrofe devida às emissões de gás com efeito de estufa (entre os quais o CO2 e o metano), e principalmente às emissões de origem humana.

O que exige as seguintes observações:

– O IPCC não estuda as mudanças climáticas, mas sim “os riscos ligados à mudança climática de origem humana”. Portanto, a conclusão dos seus trabalhos já está indicada no enunciado das suas missões. Apesar do que ele diz, o IPCC toma partido no debate científico.

– Em matéria de avaliação, trata-se acima de tudo de uma compilação de informações sobre este tema, visando – em termos práticos – eliminar qualquer teoria desviante à relação à sua tomada de posição inicial. Todos quantos, no seio do IPCC, tentaram fazer uma análise crítica foram postos a andar.

– Apesar disso, o IPCC não reivindica ser um centro de investigação ou mesmo um observatório da validade dos resultados das investigações. Ele não tem necessidade disso, porque já tem a resposta.

– Em contrapartida, fixa-se como missão “encarar eventuais estratégias de adaptação e de atenuação” da mudança climática de origem humana. Portanto, ele tem como função aconselhar os governos e, mesmo, ordenar-lhes expressamente que apliquem uma dada política. Todos os seus relatórios e a maneira como são elaborados têm pressupostos muito políticos (aliás, os membros do IPCC não fazem parte dele pelas suas competências sobre este tema, mas são designados pelo respectivo governo).

– Uma parte importante da comunidade científica considera – e veicula a ideia – de que o IPCC é a referência incontestável.

Mas, apesar das aparências, as “hipóteses” validadas pelo IPCC e o método por ele empregue são muito mais criticados do que se imagina e da imagem dele que os órgãos de comunicação oficiais querem fazer passar. Entre os cientistas críticos, citemos a entrevista de Freeman Dyson [1] ao The New York Times:

“A ciência não é uma questão de opinião, ela baseia-se em factos. Sobre o aquecimento global, Dyson reclama mais dados. A isto, a maioria dos especialistas responde que não podemos perder mais tempo para agir. Dyson explica que o problema se reduz, finalmente, a ‘uma profunda diferença de valores’ entre, por um lado, aqueles que acreditam que ‘a natureza sabe mais do que toda a gente’ e que ‘qualquer grande perturbação humana do equilíbrio ecológico é um crime’; e, por outro lado, os ‘humanistas’ que dizem (como ele) que a proteção da biosfera é menos importante que a luta contra os flagelos muito mais desastrosos como a guerra, a pobreza e o desemprego. Freeman Dyson sempre rejeitou, firmemente, a ideia de um ecossistema ideal – ‘a vida adapta-se continuamente’, afirma ele.

Ele também recusa a ideia de que os homens não fazem parte da natureza e que devemos ‘pedir desculpa por ser humanos’. Os homens, diz ele, têm o dever de mudar a natureza para sobreviver. Isso talvez explique por que é que este cientista – que escreveu que ‘vivemos num planeta frágil, em que por causa da nossa falta de visão a longo prazo está sendo transformado em bairro de lata’ – também se permite gozar com os norte-americanos que fazem manifestações, em Washington, contra o carvão.

Se Dyson gosta tanto do carvão é, principalmente, por um motivo: este recurso é tão barato que a maioria das pessoas deste mundo pode ter acesso a ele. ‘É bem verdade que os ecologistas são, normalmente, homens e mulheres que nunca tiveram de se preocupar com as suas contas de mercearia’, diz ele. Para Dyson, ‘a passagem das populações chinesas e indianas para a prosperidade das classes médias será a maior vitória deste século. Mas isso não será possível sem carvão’. Dito isto, Dyson vê o carvão como uma simples alavanca do progresso. ‘Daqui a 50 anos’, quando a energia solar se tornar abundante e barata, ‘vai haver muitas e boas razões para a preferir ao carvão’. Dyson diz que é unicamente por princípio que está interessado no problema do aquecimento global. ‘Segundo os apóstolos do aquecimento global, eu sou pago pela indústria do petróleo. Isto é obviamente falso, mas isso faz parte da retórica deles. ’ O aquecimento global ‘tornou-se um posicionamento ideológico’. ”

Citemos, igualmente, Vincent Courtillot – geofísico, diretor do Instituto de Física do Globo de Paris – que declarou à rádio francesa France Inter (a 7 de dezembro de 2009):

“Quando se diz estar certo das suas conclusões (de o aquecimento climático ter causas antropogênicas, isto é, de origem humana – NdR) a 90% – que é a conclusão final dos relatórios do IPCC para as decisões políticas –, vai-se muito para além da verdade científica. Eu partilho a hipótese de que existe aquecimento climático, que é perfeitamente aceitável. Que existe aquecimento parece claro, mas a sua fonte não é evidente. Que o Homem seja o causador do gás carbónico é uma hipótese muito interessante, mas não está demonstrada. Pela minha parte, penso que é o Sol – por agora – o responsável pela parte essencial deste aquecimento, embora não tenha a certeza disso. ”

Courtillot prossegue: “Quer sejamos nós a enganar-nos, quer sejam alguns dos cientistas do IPCC, ainda não existem certezas a 90% neste domínio científico. Portanto, não é razoável ter anunciado uma tal certeza. ”

Quanto às consequências, também elas merecem discussão. Para Courtillot, “o clima tem estado sempre a mudar. O Homem não tem cessado de se adaptar a ele. Há 18 mil anos, os nossos antepassados estavam confrontados com um nível dos oceanos que estava 120 metros abaixo do nível atual, e acabavam de sair de uma era glacial. Mais recentemente, no tempo dos vikings, existia mais ou menos o mesmo clima que atualmente. No tempo de Luís XIV ou de Napoleão I, fazia muito mais frio, embora sobre essa base houvesse constantes variações. Desde há 100 anos, tem havido uma subida continuada da temperatura ambiente. Mas, trata-se de uma situação dramática? ” Ele prossegue: “O meu domínio científico não é saber se é ‘bem’ ou ‘mal’ que o clima aqueça, é saber se isso é verdadeiro ou falso (…). As pessoas que dizem que o debate está terminado (…) estão enganadas. E enganam-se por quê? Quando, em ciência – num domínio tão complicado como o do clima (que começou a ser estudado há tão pouco tempo) – se diz que já se sabe tudo, que todos os problemas estão resolvidos e que não é necessário continuar a debatê-los, estar a passar-se do domínio da ciência para o da religião. ”

Nota

[1] Freeman Dyson é considerado como um génio da matemática. Depois de ter convivido com os maiores físicos e matemáticos do seu tempo – Albert Einstein, Richard Feynman, Niels Bohr e Enrico Fermi –, ele produziu trabalhos revolucionários no âmbito da física, unificando as teorias da física quântica e da eletrodinâmica.

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