100 anos da Revolução Russa – parte 7: golpe militar de Kornilov fracassa

Bolcheviques lideram resistência à contrarrevolução e aumentam sua influência

Como vimos na parte anterior desta série, após a violenta repressão às “jornadas de julho”, Kerensky formou o terceiro governo provisório o qual, com a participação majoritária de ministros “socialistas conciliadores”, tinha como chefe das forças armadas o general Kornilov e a função de instrumento da contrarrevolução.

No início de agosto as forças políticas estavam assim dispostas: de um lado, todos os partidos e grupos que queriam defender a ordem burguesa – cadetes, gene­rais czaristas, altos funcionários, a hierarquia da Igreja ortodoxa, os diri­gentes moderados dos mencheviques e socialistas-revolucionários (SR). De outro lado, o partido bolchevique, o único que expressava a vontade dos setores mais avançados dos operários e soldados, acompanhado de alguns mencheviques internacionalistas e SR de esquerda.

Kerensky tinha a ambição de ser um “Bonaparte”(1) nessa situação de polarização aguda. Ele convoca uma Conferência de Estado em 12 de agosto para, em suas próprias palavras, instaurar “um armistício entre capital e trabalho”, ou seja, um pacto entre “socialistas” e representantes da burguesia, do qual ele próprio seria o fiador.

Os bolcheviques – com vários de seus líderes presos ou escondidos (como Lênin) – denunciam esse projeto de Kerensky e recusam-se a participar da conferência.

Com medo do clima político de Pe­trogrado, a conferência é convocada para Moscou. Mas, apesar da repres­são sofrida em julho, ela é recebida por uma greve geral chamada por todos os comitês operários da futura capital soviética.

A luta de classes negava nos fatos a colaboração de classes e o “pacto capital-trabalho” que a Conferência de Estado buscava e a mesma se per­de em discussões estéreis.

25 de agosto: o golpe de Kornilov

Enquanto isso, o “generalíssimo” Kornilov conspirava com o alto co­mando do Exército, com o conheci­mento de Kerensky, a preparação de um golpe de Estado que permitisse liquidar os setores mais revolucioná­rios nas fábricas e nas tropas, esmagar os sovietes e os bolcheviques. Assim se combinavam dois instrumentos da contrarrevolução: o “pacto capital e trabalho” e o recurso ao golpe militar para instaurar uma ditadura.

No “Programa de Transição”, que alicerçou a criação da 4ª Internacional em 1938, Trotsky generalizou a experiência desse momento da revolução russa – a combinação da colaboração de classes com o golpe de força reacionário -, combinação que reapareceu nos anos de 1930 em processos revolucionários na França e Espanha, com a fórmula: “As ‘Frentes Populares’ de um lado e o fascismo de outro, são os últimos recursos políticos do imperialismo na luta contra a revolução proletária”(2).

Kerensky, que sonhava ser o di­tador que o golpe militar bancaria, se deu conta que Kornilov queria arrasar tudo que desde fevereiro ha­via surgido na Rússia, inclusive com ele próprio! No último minuto, ele denunciou a intenção de Kornilov de acabar com a “democracia”. Mas não foi Kerensky quem barrou o golpe.

O plano golpista era enviar a Pe­trogrado tropas “seguras”, como a “divisão selvagem” e os cossacos (3), que liquidariam os sovietes. Kornilov e o alto comando entregaram a cidade de Riga (4) aos alemães, para criar um clima de pânico na capital que facilitasse o ato de força contra os “agentes alemães” (calúnia contra os bolcheviques lançada pelo governo provisório desde julho).

Diante da ameaça de golpe, que lhes cortaria a cabeça, os dirigentes “conciliadores” do soviete soltaram os líderes bolcheviques presos para organizarem em conjunto a resistência. Em todo o país os sovietes convocam a mobilização para conter as tropas de Kornilov: ferroviários desviam trens com tropas para longe de Petrogrado, operários bolcheviques e mencheviques agitam as tropas estacionadas na capital para barrar o golpe; bolcheviques e anarquistas conclamam os marinheiros de Kronstadt a defender a “capital vermelha”.

Constituem-se em toda a parte “guardas vermelhas” com operá­rios em armas, enquanto as tropas “seguras” com as quais contavam os golpistas sofriam motins e deser­ções, até entre os cossacos. O golpe esfarinhou-se.

O “homem forte” do governo pro­visório, Kerensky, ficou suspenso no ar, pois já não servia nem à contrar­revolução, nem à maré montante da revolução que fez fracassar o golpe de Kornilov.

O soviete de Petrogrado adota uma resolução bolchevique

Na noite de 31 de agosto, uma resolução apresentada pelos bolcheviques no soviete de Petrogrado, dirigido até então por “socialistas conciliadores” com ministros no governo, obtém 279 votos contra 115 e 5 abstenções. Era uma moção de desconfiança no governo provisório, que afirmava que todo poder deveria passar aos sovietes.

O principal soviete da Rússia dizia a todo o país: “Paz agora; Terra aos camponeses; Pão para todos; Todo o poder aos sovietes!”. A partir de setembro, em todo o vasto terri­tório da Rússia, a composição dos sovietes modifica-se em favor dos bolcheviques.

Trotsky, na sua “História da Revolução Russa”, registra um fato que sintetiza a tática bolchevique diante do golpe de Kornilov:

“O comité executivo (do soviete), por telefone para Kronstadt e Vyborg, pediu o envio para Petrogrado de importantes efetivos de tropas. Logo na manhã do 29, os contingentes começaram a chegar. Eram, principalmente, destacamentos bolcheviques (…). Um pouco antes, cerca do meio do dia 28, por ordem de Kerensky, que parecia mais um pedido obsequioso, a guarda do palácio de Inverno tinha sido tomada pelos marinheiros do cruzador Aurora, cuja parte da tripulação tinha sido encarcerada na prisão de Kresty por ter participado na manifestação de julho. Durante as suas horas de liberdade, os marinheiros vinham visitar os homens de Kronstadt detidos, tal como Trotsky, Raskolnikov e outros. ‘Não é já tempo de prender o governo?’ perguntavam os visitantes. ‘Não, ainda não’, foi a resposta: ‘Apoiem a espingarda no ombro de Kerensky, disparem contra Kornilov. Logo, acertaremos contas com Kerensky.” (5)

Julio Turra


Notas

  1. Bonaparte”: Relativo a “bonapartis­mo”, da obra de Karl Marx “O 18 Brumário de Louis Bonaparte” (1852), refere-se a um governo “pessoal” que busca equilibrar-se entre as classes fundamentais em luta como um “árbitro”, em nome do “interesse geral”.
  2. Frente Popular”, governo de colabora­ção de classes baseado numa coalizão entre partidos operários e partidos burgueses, erigido como “último recurso” para frear a revolução. Citação do “Programa de Tran­sição” (1938).
  3. Divisão Selvagem”: criada em agosto de 1914, constituída por voluntários mu­çulmanos, oriundos da região do Cáucaso, foi extinta em 1918.
  4. 4. Riga: capital da Letônia, então parte da Rússia, que será uma das repúblicas que formarão a URSS até 1991.
  5. León Trotsky em “História da Revolução Russa”, Tomo 2: “A burguesia mede-se com a democracia”.

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