Vera abre a porta do apartamento e uma garrafa de champanhe para comemorar a aquisição do imóvel para o qual está mudando. Assim começa o filme Hoje, de Tata Amaral, que entra em cartaz dia 19 de abril. Em outra cena, Vera rasga, mastiga e engole a página do Diário Oficial da União com o decreto de 1995 onde o governo brasileiro sanciona a lei reconhecendo como mortas pessoas desaparecidas durante o regime militar.
Nas duas cenas as contradições que vive a personagem. O filme se passa em 1998. No dia da mudança, Vera, interpretada por Denise Fraga, exprime os conflitos e dúvidas, as sequelas deixadas pela repressão do regime militar, em particular pela perda de seu companheiro Luiz, interpretado por Cesar Troncoso.
Militantes contra a ditadura, Vera e Luiz foram presos e torturados, Luiz desaparece em 1974. A compra do apartamento é feita com a indenização, após o governo reconhecer Luiz como morto pela ditadura.
Durante o dia da mudança, num diálogo com Luiz que reaparece, Vera exprime seus tormentos: a perda da pessoa amada, a dúvida sobre sua sobrevivência, as condições de sua prisão, a lembrança viva da tortura que ela sofreu e o próprio questionamento sobre a compr7a do apartamento com a indenização.
Tudo se desenvolve no diálogo com o ex-companheiro, num processo onde, ao remoer o drama passado, ainda presente, Vera vai tecendo o caminho para chegar ao dia de hoje, numa ensolarada avenida São Luiz, no centro de São Paulo. Tata Amaral dirige o filme como quem tece, junto com Vera, a superação de um drama.
O filme é dedicado a Serguei, Luiz Carlos, seu companheiro, morto em 1979, quando ambos eram militantes da Organização Socialista Internacionalista, hoje Corrente O Trabalho.
Tata falou ao nosso jornal: “‘Hoje’ fala da necessidade de iluminarmos o passado. Vera – e acredito que a sociedade brasileira – não pode mais seguir em frente sem levantar o que havia escondido debaixo do tapete. A verdade é revolucionária! A história de amor de Vera e Luiz vem à luz neste momento, quando todos estamos diante dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. Fiat lux”.
Matéria publicada na edição 727 do Jornal O Trabalho