50 anos do golpe militar (parte I)

Iniciamos nessa edição uma série sobre o período aberto em 1964, com a instalação da ditadura no Brasil

No período que precede o golpe, a classe operária crescia em número e importância com a industrialização e o crescimento dos grandes centros urbanos. O movimento sindical, ainda que tutelado pela burocracia do Ministério do Trabalho passa por uma efervescência. As greves aumentam desde 1961. Isso mesmo se o PCB (Partido Comunista Brasileiro) semiclandestino, e que ainda controla a maioria dos importantes sindicatos, não questiona a estrutura sindical pelega com uma luta pela independência sindical.

A renúncia do presidente Jânio Quadros (agosto de 1961), precipitou uma crise do regime político. A burguesia brasileira teme sua própria sorte porque mesmo a limitada democracia pode abrir caminho para a luta independente das massas populares. O vice-presidente, João Goulart (o Jango – um latifundiário que fora ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, ligado à estrutura sindical atrelada ao governo) eleito, no sistema da época, na chapa do derrotado candidato a presidente, general Lott.

Jango não tinha apoio de todas as forças burguesas do país, desconfiadas de sua capacidade de conter o movimento de massas e de suas relações sindicais. Mas ele decide negociar sua própria posse e ceder- apesar da importante mobilização em seu favor comandada pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola – aceitando a implantação de um regime de tipo parlamentarista, como presidente com menos poderes.

Assim, Tancredo Neves é escolhido primeiro-ministro e o arranjo provisório apenas prolonga a crise política ao escancarar as divisões no seio da própria burguesia em uma situação de crise econômica crescente. O pano de fundo político era marcado pela vitória da revolução cubana de1959, que impulsionou movimentos de massa anti-imperialistas em todo o continente. Nesta situação, os EUA reforçam sua intervenção na região com novas iniciativas: armamento e doutrinação de militares reacionários, ataques às organizações operárias e populares através de governos alinhados e partidos de direita.

Ofensiva das massas

Abria-se no país um período inédito de mobilização das massas, que se aproveitavam das brechas abertas pela crise da burguesia. Em novembro de 1961, realiza- se o 1º Congresso de Trabalhadores Agrícolas que aprova uma declaração pela reforma agrária. Fortalecem-se as Ligas Camponesas. Na juventude, a UNE toma a ofensiva pela ampliação das vagas nas universidades públicas.

13 de março de 1964: comício da Central do Brasil (RJ)
13 de março de 1964: comício da Central do Brasil (RJ)

Em março de 1962, marinheiros e fuzileiros navais fundam uma associação representativa. Os sargentos das três armas passam a se organizar por reivindicações profissionais. Em abril, lideranças das Ligas Camponesas se declaram pela “reforma agrária, na lei ou na marra”. Em agosto de 1962, forma-se a CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), depois da greve nacional de julho o 13º salário é conquistado. Em 1963 será fundada a CONTAG, confederação dos trabalhadores da agricultura. Em junho de 1962 o gabinete de Tancredo Neves renuncia. Há uma nova greve geral em setembro, e cai o segundo gabinete. Jango é obrigado a reconhecer os sindicatos rurais. Sob pressão a burguesia antecipa em dois anos, para janeiro de 1963, o plebiscito previsto sobre o parlamentarismo. Mas é o presidencialismo que vence com 70% dos votos.

O Plano Trienal

A esmagadora vitória do presidencialismo representava um mandato das massas populares a Jango, para realizar reformas sociais. Mas o imperialismo e seus representantes diretos no Brasil esperam outra política, conter a inflação e as dívidas crescentes atacando os trabalhadores.

Com o Plano Trienal, Jango tenta então um brutal ataque às condições de vida das massas e contra as expectativas populares: corte de subsídios ao trigo (que acarreta aumento do preço do pão), das tarifas de serviços públicos (aumento da água e luz), contenção do crédito e controle dos salários. Mas a resistência do movimento sindical, camponês e estudantil é obstáculo ao avanço do Plano Trienal. Em meados de 1963 as massas estão nas ruas. Greves e passeatas multiplicam-se. Jango busca manobrar sua política à esquerda – o poder começa a escapar de seu controle – e agora agita um “Programa das reformas de base” (reforma agrária, fiscal, bancária e administrativa).

É uma manobra arriscada – de tipo bonapartista de um setor da burguesia brasileira que tenta se apoiar na mobilização popular para negociar certa autonomia frente ao imperialismo e poder sufocar as massas. Neste momento, o PCB tem um papel central para preparar a derrota que virá. Ele aprofunda sua aliança com a burocracia sindical estatal, com a ajuda da qual busca subordinar as massas a Jango e setores nacionalistas da pequena-burguesia (Brizola, Arraes) através da criação da Frente Ampla.

O stalinismo tenta barrar o avanço independente do movimento de massas, colocando os trabalhadores sob a direção de uma inexistente burguesia “nacional e progressista”. O discurso nacionalista de Brizola e Arraes, inclusive com penetração nas Forças Armadas, crescia na medida em que a direção do principal partido operário da época -o PCB – entregava nas mãos de Jango e aliados a liderança da luta pelas bandeiras anti-imperialistas.

Foi neste terreno que se preparou o golpe. A direita e o imperialismo tomam à ofensiva e preparam as condições para uma reorientação do regime de governo.

O golpe

Apesar do grande apoio que tinha das massas, Jango não combateu as provocações e a desestabilização da direita. No famoso comício de 13 de março de 1964, centenas de milhares de jovens e trabalhadores levam apoio a Jango, que se compromete novamente com um programa de reformas sociais (reforma agrária ao longo de rodovias federais, proibição de remessa de lucros das multinacionais a suas matrizes, reforma universitária, etc.).

Mas nenhuma medida concreta de mobilização das massas é tomada. A mídia, organizações de direita, a igreja e golpistas no exército agem abertamente com apoio da embaixada dos EUA e da CIA. A direita, por seu lado, multiplica marchas reacionárias e articulações golpistas, enquanto os sindicatos e organizações de massa aguardam uma iniciativa do governo ou das forças que o apoiam.

Entre 25 e 27 de março de 1964, um motim com mais de 1200 marinheiros protesta contra a punição de dirigentes de sua associação, enfrentam oficiais e desarmam a tropa de fuzileiros. As massas esperam um chamado para agir, mas é a direita quem toma a iniciativa. Sob a orientação direta do imperialismo ianque, os setores mais reacionários do exército e a burguesia desfecham um golpe de Estado certeiro, em 31 de março, 1ª de abril de 1964. Inicia-se a ditadura militar no Brasil que logo se transformará em ponta de lança de novos golpes na América Latina.

Everaldo Andrade

Artigo publicado na edição 743 do Jornal O Trabalho

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