Tutela militar, centrão e semipresidencialismo

Quando os dirigentes sairão do conto-de-fadas do impeachment?

O fator novo da crise é a indignação com a tutela militar aparecida na CPI da Pandemia. As lideranças políticas o ignoraram nos atos do 24J, inclusive o PT, embaladas no conto-de-fadas do impeachment. Foi o DAP que disse “ninguém aguenta mais Bolsonaro e seus generais”, junto às demandas de verbas, despejo zero, vacina e testes, com a discussão da Constituinte. Tem tudo a ver.

Depois da escalada dos militares contra a CPI veio a nota contra investigar o corpo militar e ameaças às eleições sem “voto impresso”. O presidente do Supremo Tribuna Federal (STF), Fux, chamou um Bolsonaro “bom-moço” para conversar. Acertaram uma nova reunião dos três poderes (união nacional) dias depois. Ela não ocorreu devido, fato ou fake, à hospitalização do presidente que não quer saber disso, como certos políticos e empresários “responsáveis”, e as centrais sindicais (com sua “agenda legislativa” de comitê gestor dos três poderes).

Vem então o próprio ministro da Defesa, general Braga Neto, junto aos comandantes das três armas, ameaçar eleições sem “voto impresso”. A bandeira é ridícula. Não exaltaremos esse sistema, mas até as pedras sabem das fraudes dos boletins (impressos!) nas eleições antes, durante e depois do regime militar. Levantar a bandeira agora é obviamente para tumultuar.

As tíbias reações no Congresso e no STF, levaram Braga a um desmentido que não desmente. E só deram em inquéritos com prazos de rotina. Numa democracia, o militar que fizesse exigências eleitorais que não lhe competem seria demitido para uma investigação livre e punição proporcional. Mas ele não será demitido por Bolsonaro, nem enquadrado na Lei de Segurança Nacional pelo STF, como não foram Pazuello, coronéis, sargentos e cabos da CPI.

O centrão, a volta dos que não foram
Para se reforçar, Bolsonaro deu então a Casa Civil a Ciro Nogueira (PP) do Centrão. O que mudou? O governo não é parlamentar, é presidencial de Bolsonaro, que tem a caneta e “caga” para o Congresso. Sua sustentação é militar, além de patrões, bispos e fascistas articulados.

O Centrão teve origem na falsa Constituinte de 1986-88. Depois, participou em algum grau de todos os governos, de Sarney até hoje, inclusive de Lula e Dilma. Ele carrega o DNA na antiga Arena, é um restolho do regime militar e voltou com tudo junto com os generais. Surpresa? Para quem vive no reino-da-maravilha do impeachment!

A realidade é a tutela militar, inscrita no artigo 142 da Constituição, que atribui às Forças Armadas a esdrúxula “garantia da lei e da ordem”, quando deveriam se limitar à soberania nacional (a ordem interna é das polícias; as milícias pró-Bolsonaro já são uma “modernidade”). Bolsonaro, em simbiose com os generais “haitianos” (ver OT 886), excita a tutela para a sua sina, uma aventura autoritária bonapartista contra o Congresso e o Judiciário.

Semipresidencialismo para quê?
O regime está debilitado, o rei Bolsonaro está nu, é discutível se conseguirá trapacear as eleições previstas e passar a boiada das reformas e privatizações na escala exigida. Aparece, então, a PEC do Semipresidencialismo de Samuel Moreira (PSDB-SP).

Ela foi rejeitada como “golpe contra Lula” por Gleisi do PT, e por Lewandowski no STF. Mas aí tem o apoio de Barroso e Gilmar, além do presidente da Câmara, Lira – e Temer e FHC -, para tramitar. Ela dispensaria impeachment para mudar governos. Prevê que a partir de 2026, o presidente escolhe o primeiro-ministro entre a maioria da Câmara e, em caso de perda de maioria, pode dissolver a Câmara e chamar novas eleições (mas não dissolve o Senado, poder da República…).

O nó golpista da PEC é passar parte do poder agora em 2023 – com Lula (ou outro) eleito presidente –para uma transição de “ministro-coordenador”. Provável que do Centrão, maioria nas regras eleitorais atuais. O semipresidencialismo preveniria a “indesejável” reeleição de Bolsonaro e a “provável” eleição de Lula. A manobra no Congresso vem junto com uma ambiciosa reforma política (distritão, financiamento etc.). Mas também é um sintoma de que os de cima têm dificuldade de continuar governando como antes, e deve ser esclarecido aos de baixo para aplainar o caminho do fim do regime.

Markus Sokol

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