Mélenchon sobre o passe vacina: “uma sociedade totalitária e autoritária, é disso que se trata”

Em 3 de janeiro, a Assembleia Nacional francesa debateu o projeto de lei sobre o passaporte vacinal. Publicamos abaixo a fala do deputado Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, candidato a presidente da República em abril próximo.

“Estamos impressionados pela sua incapacidade de prever, de organizar respostas com antecedência, e pela sua maneira de agir de última hora, do modo precipitado, que nós conhecemos, apesar da ironia com que vocês [o bloco parlamentar de Macron – NdE] foram tantas vezes sufocados (…) Vocês semearam um caos indescritível com sua imprevidência – a ponto de, na Martinica, enviarem batalhões policiais a um hospital contra quem não estava vacinado. Em Guadalupe, enviaram um Grupo de Intervenção da Guarda Nacional (GIGN – equivalente ao BOPE – NdE) e batalhões de policiais em 48 horas, mas demoraram cinco semanas para enviar cilindros de oxigênio! Caos e bagunça por todo lado. (…) Vocês mandaram sessenta páginas de orientações aos professores às vésperas da volta às aulas, sem dar-lhes nenhum prazo para que opinassem, refletissem sobre o documento e pudessem melhorá-lo ou emendá-lo. (…)

“Nós fomos contra o passe sanitário e hoje somos contra o passe vacina”

Nós fomos contra o passaporte vacinal porque era uma ilusão: a vacinação jamais impediu os vacinados de serem contaminados ou de contaminar os outros. Vocês pelo menos poderiam oferecer os testes, mas decidiram que cada um pague pelo seu em caso de necessidade, porque eles escolheram não se vacinar — o que não é o meu caso. Em resumo, os testes servem apenas para controlar se a vacina funcionou ou não: é o mundo de ponta cabeça, o caos, a confusão.

Algumas dezenas profissões seriam doravante habilitadas a controlar a identidade de qualquer um que vai a um bar, a um restaurante ou quer ir ao teatro: é insuportável! Esta situação tem uma explicação: vocês escolheram a vacina, apenas ela, como única resposta. Nenhum de nós defende que a vacina seja inútil. E ninguém, entre nós, afirma que deixou de tomar a vacina.

Porém, nos condenam. Quanta hipocrisia, quando vocês mesmos recusam abrir as patentes das vacinas o que permitiria a vacinação de todo o planeta.

Enquanto houver patentes, as variantes continuarão a aparecer. É uma contradição total fazer a apologia das vacinas e recusar o acesso de milhões de seres humanos para satisfazer os grandes laboratórios. Nós fomos contra o passe sanitário e hoje somos contra o passe vacina porque é 100% ineficaz.

Hoje, 91% das pessoas elegíveis para vacinação na França estão vacinadas. Vocês comemoram. Admitamos. Mas de que serve isto se, como diz o ministro (da Saúde) Véran, a nova vacina ocasiona 500.000 contaminações diárias? É a prova de que a vacina é uma raquete furada – nós o criticamos por isso porque para uma parcela ela funciona mesmo como uma raquete; mas para tapar os buracos qual é vossa resposta? Não há nenuma! (…)
Se a OMS afirma que as vacinas têm uma eficácia de 60% contra o vírus inicial, o que deixa contamináveis 40% dos vacinados – ela acrescenta que as vacinas só são eficazes em 40% contra a variante Delta, e em proporções ainda menores contra a nova variante Ômicron.

Isto prova que a vacina é apenas um elemento de uma estratégia global. O resto é o que conta. Mais uma vez nos vemos, a título de ilustração, diante de um mesmo princípio filosófico. Quem é responsável pelo desemprego? O desempregado. Quem é responsável pela pobreza? O pobre. Quem é responsável pela doença? O doente.
Portanto, se você não foi vacinado, você não tem direito a nada.

“Que mundo é este onde os deveres são superiores aos direitos?”

Em que mundo estamos entrando? Nos perguntam se aqueles que não se vacinaram têm o direito a tratamento médico, principalmente se precisam de procedimentos de emergência ou ser colocados em respiradores.
Que mundo é este em que se afirma que os deveres são superiores aos direitos? É negar tudo o que constitui o pensamento progressista de nossa época, e mesmo o pensamento republicano.

(…) E vocês nem percebem a situação. Aqueles que trabalham em bares e restaurantes poderão fiscalizar a identidade de clientes! Em que mundo iremos viver, enfim? Todo mundo controlará todo mundo! Uma sociedade totalitária e autoritária, isto é o que se propõe! O que responder à Defensoria dos Direitos (equivalente à Defensoria Pública – NdE) quando questiona a outorga às empresas públicas e privadas de uma forma de poder de polícia, garantindo elas mesmas a fiscalização das detenções pelo passe sanitário?

“A OMS declara que é melhor convencer que obrigar”

‘Abaixo Mélenchon’? A Comissão Nacional de Informática e Liberdades (Cnil) pediu a vocês sete vezes para justificar, com resultados concretos, os controles que vocês propõem. Vocês fizeram isto? Jamais. Quando a OMS (Organização Mundial da Saúde) declara que é melhor convencer que obrigar, mostrem qual meio vocês usaram para convencer em vez de forçar. Obrigar é tudo que vocês sabem fazer na situação atual; na verdade, vocês não sabem o que fazer, como provam os resultados desastrosos.

Tudo vai de mal a pior: as escolas devem engolir mais uma vez, páginas e páginas de regras absurdas e inaplicáveis. Àqueles que, em nosso país, têm o hábito de refletir e estimular os jovens espíritos, vocês simplesmente mandam que obedeçam. Nós repetimos durante meses que se as salas de aula fossem equipadas com purificadores de ar, a situação seria mais saudável e estável. Vocês transferiram a responsabilidade às cidades e às regiões, esquecendo que o Estado é o empregador dos professores (na França os professores da rede pública são funcionários da República – NdE) e que cabe a ele por consequência – e a ninguém mais — assegurar a segurança de quem ele emprega.

Da mesma forma, nós pedimos de todas as formas que as máscaras FFP2 fossem distribuídas aos professores. Essa proteção é um pouco desconfortável –sou testemunha disso-, mas elas reduzem substancialmente o risco de ser contaminado, mesmo depois de uma hora de contato com um doente. (…) Outra medida radical se impõe: retomar maciçamente a produção de máscaras FFP2, que caiu 90% em 2021. Lembremos que estas máscaras são obrigatórias na Áustria, na Itália e na Baviera.

Enfim, vocês devem proclamar uma moratória no fechamento de leitos hospitalares – no verão foram fechados 17 mil, sem contar a saída de funcionários: esta é a raiz da crise. Vocês não encontraram nada de melhor do que fixar um prazos a partir do qual serão demitidos funcionários da saúde não vacinados, agravando a crise geral nos hospitais. Você erraram sobre tudo: os testes, as máscaras, as estatísticas, as ondas da pandemia. À beira do abismo, vocês têm apenas uma palavra de ordem: ‘Vamos dar um grande passo’”.

Publicado em Informations Ouvrières Nº 687, Paris, 06 de janeiro de 2022

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