Brics? Menas, menas!

A reunião em Johanesburgo, na África do Sul, pede lucidez

Muito se falou da 15ª Cúpula do Brics, em Johanesburgo, no mês passado. Mas o que mudou?

No Brics – acrônimo em inglês para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, agora, até 1º de Janeiro, confirmarão a entrada Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Egito, Argentina e Etiópia (emergente?). Cinco deles tinham relação estreita com a China de Xi Jinping.

Xi disse que “foi histórico” e Putin, da Rússia, disse que foi “o começo da descolonização dos países em desenvolvimento”. Xi saiu exultante, conseguiu integrar seis países sem critério. Lula, dias antes, falava “primeiro, critérios”.

Diante da realidade dos fatos, a mídia nacional e internacional baixou o tom grandiloquente, crítico ou favorável ao presidente, na reestreia deste no fórum. O homem da vez é Xi, quem tem o PIB. Putin se beneficiou. A vitória que não conquistou no campo de batalha, conquistou na diplomacia: a próxima reunião anual do Brics será em Kazán (Rússia), encenando a saída do relativo isolamento desde a guerra na Ucrânia.

Aonde vamos?
Ao final da 2ª guerra mundial, emergiu o sistema de Bretton Woods, com o FMI e o Banco Mundial, acompanhado pela ONU e seu Conselho de Segurança, onde cinco grandes países têm poder de veto, inclusive China e Rússia (Xi prometeu, outra vez, que vai propor entrada de “emergentes”).

Essa ordem sofreu um abalo, em 1971, quando os EUA, para sair da sua própria crise, impuseram o fim da conversibilidade do dólar em ouro, tornando-o um instrumento quase universal do imperialismo. Um segundo grande abalo no já decadente capitalismo foi a crise de 2008, quando as falências subverteram as regras bancárias, geraram dívidas de Estado trilionárias (em dólar!) e jogaram os povos no sofrimento do desemprego.

A expansão do Brics é neste contexto. Muitos países buscam, com razão, desdolarizar o comércio. É o caso da Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático), em que Malásia-Filipinas criaram um mecanismo baseado em moedas locais, tendo a ela aderido outros três países. Há a discussão de uma nova unidade de conta – que não é moeda – no Mercosul. Estamos muito longe de uma moeda do Brics ou outra moeda que substitua o dólar.

Há vários produtores, quatro dos maiores exportadores e o maior consumidor de petróleo no Brics. Mas ele não substitui a OPEP, Organização dos Países Exportadores (sic) de Petróleo, que “coordena as políticas de exportação e circulação do petróleo”, oscila os preços e já provocou crises. O Brics não fixa preços ou metas, nem tem taxas comuns como o Mercosul e outros tratados. O NDB, banco do Brics, explica sua presidente Dilma Roussef, tem capital limitado. Não vai deslocar o FMI.

Enquanto o Brics se reunia, o governo do Biden renovava promessas de fortalecer os mecanismos financeiros por meio do Banco Mundial e do FMI. O assessor para Segurança Nacional, Jake Sullivan, confirmou que Biden “levará esta proposta à reunião do G20”, em 9 e 10 de setembro. Lula, o próximo presidente rotativo do G20, no seu discurso de Johanesburgo, pediu justo “uma representatividade adequada nas instituições de Bretton Woods”. Será?

Não é muito produtivo comparar a somatória aritmética dos PIBs do Brics com os do resto do mundo. O Brics não tem uma economia coordenada, como a União Europeia, com normas e diretivas impositivas. Então, quê?

Também não há um dado concreto para qualificar o Brics de “antiimperialista”. Isso dizem os saudosos de Stálin (como se o fosse) e os deslumbrados analistas que trocaram a velha e boa luta de classes nacional e internacional pela “geopolítica” dos Estados.

Mas estes dias a China e a Índia, os maiores do Brics, voltaram a subir a tensão na fronteira, onde em 2020 morreram 24 soldados.

A metade das nações do Brics é semicolônia do imperialismo: obteve independência formal, mas não é por aí que vai se emancipar, inclusive das oligarquias que há na outra metade.
Esses eventos são palco para Lula fazer denúncias justas da ordem mundial. Mas a superação da crise do capitalismo, que só traz mais sofrimento, não virá pela recuperação “multilateral” de Bretton Woods, do G20 ou do Brics.

O caminho será árduo. Os povos saberão encontrá-lo, pela soberania fraterna com justiça social.

Markus Sokol

Artigos relacionados

Últimas

Mais lidas