Declaração do Secretariado nacional do Partido Operário Independente (POI).
Membro do Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos.
18 de março de 2017
Um vasto suspiro de alívio se estendeu por todas as capitais europeias após as eleições na Holanda, de 15 de Março. Na realidade: o Partido de extrema-direita “populista” ganhou 5 lugares mas ficou na segunda posição.
O Partido Liberal, que ficou na primeira posição, perdeu 8 lugares (dos 41 que tinha) e o Partido Trabalhista (o equivalente do PS) afundou-se, passando de 38 para 9 lugares. A paisagem política holandesa desintegrou-se, e a formação de um novo Governo poderá demorar meses.
Que um tal resultado seja qualificado, em França, como “uma boa notícia” e “uma via para o futuro” – por responsáveis políticos de todos os quadrantes – é um claro sintoma da crise de desagregação que dilacera o regime da Vª República francesa, a União Europeia e todos os governos europeus que se aprestam para festejar o 60 º aniversário do Tratado de Roma de 1957.
Todo um mundo se desmorona. Finalmente – incapaz de fornecer aos governos o quadro durável que lhes permita vencer a rejeição persistente dos trabalhadores às suas políticas – a União Europeia está a desintegrar-se, com forças diversas e contraditórias a digladiarem-se no seguimento do “Brexit”, instigadas pela crise da “ordem mundial” ilustrada pela eleição de Trump nos EUA.
Todos os olhares estão agora virados para a França. Ninguém sabe – a um mês da primeira volta das eleições presidenciais – o que sairá delas. Os dois partidos que se têm sucedido no poder desde há 50 anos (2) – garantindo a perenidade das instituições antidemocráticas herdadas do golpe de Estado de De Gaulle, em 1958 –, atingidos pela rejeição dos trabalhadores, não estão seguros de poder figurar na 2ª volta do acto eleitoral. O joguinho da alternância está completamente posto em causa.
Os cinco meses de luta de classe intensa, no ano passado, para a retirada – e, depois, a revogação – da Lei do Trabalho (da ministra El Khomri), fizeram desmantelar completamente o partido do Presidente da República, cujo Governo tem utilizado todos os artifícios da Constituição da Vª República (três vezes o artigo 49.3, o prolongamento do “estado de urgência”) para fazer passar o seu projecto e continuar a governar, ainda que minoritário.
Não é a ameaça Le Pen que atormenta todos os comentadores institucionais. É o precipício que se aprofunda entre a imensa maioria da população deste país e os partidos que se dizem seus representantes. Esses comentadores sabem o que amadurece nas camadas mais profundas da classe operária. Tiveram essa dimensão durante todo o processo de mobilização contra a Lei de El Khomri.
Actualmente, algumas fracções do Patronato apostam em Fillon, outras em Macron. Pelo seu lado, Hamon tem cada vez mais dificuldades em esconder que se inscreve na continuidade da política de Hollande, Najat Vallaud-Belkacem, Marisol Touraine (3) e outros da mesma índole – todos partidários de uma “candidatura única da esquerda”, de que compreendemos perfeitamente o objectivo.
Hoje, nenhum desses candidatos está em condições de se apoiar sobre uma futura maioria
parlamentar. Há uma única certeza: qualquer que seja o futuro Executivo – em conjunto com todos os se apoiam (com maior ou menor distanciamento) sobre a União Europeia ao serviço dos patrões – deverá, numa situação de instabilidade geral, pôr em prática de forma brutal o programa do capital financeiro, pronto a todas as combinações políticas para obter as suas exigências. O que implica ir cada vez mais longe no afrontamento com os trabalhadores que não aceitam essas exigências, com todos os riscos de uma explosão social sem precedentes.
“Os Holandeses resistem. Em Abril e em Maio, os Franceses recusarão entregar-se a Marine
Le Pen”, declarou o Presidente do Grupo parlamentar do PS na Assembleia Nacional, retomando um discurso que se ouve em todo o lado e que só visa preparar uma campanha pelo voto em Macron na 2ª volta, cujo programa anti-operário é público. Cada um tirará daqui as suas próprias conclusões.
Nesta situação, a única via salutar, o único factor de ordem, o único terreno em que os trabalhadores poderão construir a sua própria saída política independente é o da luta de classe, permitindo juntar todas as forças da população trabalhadora ao lado da classe operária. É o combate pelas suas reivindicações, pela defesa das conquistas sociais e democráticas, como o mostraram ultimamente, a 7 de Março, dezenas de milhares de manifestantes em Paris – organizados e estruturados em particular com as suas Federações CGT, CGT-FO e SUD do sector da Saúde – exigindo a revogação da Lei da ministra Touraine, a que se juntaram outras organizações de funcionários dos serviços públicos, num aviso a este Governo e ao que vier a seguir.
O Partido Operário Independente (POI) convida trabalhadores e jovens a tomarem conhecimento – no próximo número do seu semanário Informations ouvrières (Informações operárias) – dos debates e das decisões da Conferência que, no próximo dia 25 de Março, reunirá militantes de todas as tendências, delegados dos comités de ligação e de intercâmbio constituídos, em todo o país, no seguimento do apelo das centenas de militantes que se reuniram a 4 de Junho de 2016.
O POI convida, igualmente, a subscrever e a apoiar financeiramente o Apelo de responsáveis do movimento operário de 43 países para a realização em Argel, no próximo mês de Outubro, da 9ª Conferência mundial contra a guerra e a exploração. Porque em França – tal como no resto da Europa e do mundo – mais do que nunca “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”.
(1) Esta Declaração foi publicada em Informations ouvrières (Informações operárias), semanário do Partido Operário Independente (POI), de França.
(2) Por um lado, o PS; por outro, o partido “Os Republicanos”, que tem mudado várias vezes de designação –entre 2002 e 2014 chamava-se União por um Movimento Popular (UMP).
(3) Najat Vallaud-Belkacem é ministra da Educação Nacional, do Ensino Superior e da Investigação, e Marisol Touraine é ministra da Saúde do atual governo chefiado por Hollande.
«A Segurança Social é nossa! »
25 de Março, em Paris: Conferência Nacional dos Comités de Ligação e de Intercâmbio (1)
Com a palavra a Patrick Hébert
“O potencial de caos nunca foi tão grande” escrevia a agência Blomberg no seu Relatório com perspectivas para 2017. Bem visto!
Este caos – que não é mais do que a expressão da crise do sistema capitalista – é o resultado de um longo processo. No entanto, sabemos que nada é linear. O quantitativo transforma-se em qualitativo!
Sem remontar à noite dos tempos, recordemos, a Grécia, a vitória do Syriza… e a traição de Tsipras. Na Itália, o movimento “Cinco estrelas”, em Espanha Podemos, etc. Mais recentemente, a vitória do Brexit e a de Trump nos EUA. Isto é muito! E ainda não acabou. Na Alemanha a senhora Merkel está em grande dificuldade…. Quem se segue?
Em França, país das revoluções, não se deixam as coisas a meio. Desde 1962 e a eleição de um Presidente da República por sufrágio universal, a burguesia tinha-se habituado a uma alternância (em particular com aqueles que pretendiam representar os trabalhadores) que, globalmente, lhe permitia conservar os seus interesses. Quer pela mão da Direita, quer pela mão da «Esquerda», toda esta boa gente aplica servilmente as diretivas da União Europeia, na elaboração das quais todos participaram, cada um com o seu estilo. Os dois partidos que dominavam a vida política aliando-se, segundo as circunstâncias, com os Centristas por um lado, e com o PC e um simulacro de “ecologistas” (Verdes) por outro lado. Essa gente era mesmo intercambiável. Recordemos o inenarrável Bernard Kouchner passando, sem peso na consciência, de um campo para o outro…
Todo este edifício está a desmoronar-se sob o olhar atónito dos comentadores e da multidão de especialistas políticos que, como habitualmente, nada tinham visto chegar.
De fora já ficaram François Hollande, Valls e Sarkozy!
François Fillon – designado graças a essa farsa antidemocrática das Primárias, iniciada em 2012 pelo Partido Socialista – representa a facção integrista (Vaticano I – que, no plano sindical, é representada pela CFTC, Confederação Francesa de Trabalhadores Cristãos) dos «Republicanos». Mas Fillon é rejeitado pelo resto do seu próprio partido e pelos Centristas.
Emanuel Macron, este novo Marcel Deat (membro do PSF que se passou para o lado do fascista marechal Pétain, no final da 2ª Guerra Mundial – NdT) é apoiado por uma fracção não negligenciável da burguesia, em particular pela Finança.
Foi o Sr. Jouyet, ex-subsecretário de Estado no governo do Sr.Fillon (presidido por Sarkozy) e atual secretário-geral de François Hollande, no Palácio do Eliseu–que o descobriu. Estes dois compadres estão lado a lado nos círculos católicos «modernistas» (Vaticano II –que, no plano sindical, é representada pela CFDT, Confederação Francesa Democrática do Trabalho). Macron continua membro do Comité de redação da revista Espírito, fundada por Emmanuel Mounier. Não esqueçamos que este último desempenhou um papel (no mínimo ambíguo) durante a 2ª Guerra Mundial, apoiando –pelo menos no seu início –a “Revolução Nacional” do marechal Pétain. Por sua vez, Jouyet continua sendo membro do Comité de patrocínio do “Collège des Bernardins” que aloja a Academia católica de França.
Resta, evidentemente, o candidato oficial de um dos dois partidos que se alternam no poder, no quadro das instituições da VªRepública–o Partido Socialista.
Trata-se de Benoît Hamon, também ele designado por uma Primária. Representando a “Esquerda” do Partido Socialista foi ministro durante três anos, primeiro no governo de Ayrault.Todos estamos lembrados que Hamon manobrou com Arnaud Montebourg, nos bastidores, para que Manuel Valls fosse nomeado Primeiro-ministro. Como se vê, é um homem de princípios… defende o Rendimento Básico Incondicional (RBI, também designado como Rendimento Universal). Este mecanismo–cujo objetivo é organizar e perpetuar a pobreza, é diretamente inspirado em Em maus (do abade católico Pierre) e em ATD Quart Monde (outra organização católica de solidariedade social). Para se fazer eleger nas Primárias, pronunciou-se corajosamente pela revogação da Lei do Trabalho. Mas a coragem tem os seus limites. Mal acabou de ser nomeado candidato oficial pelo Partido Socialista, e eis que se torna logo mais razoável… propondo agora uma nova Lei do Trabalho…sem comentários!
Ah! Sim, segundo parece restam alguns nostálgicos das frentes populares. Alguns, nos anos oitenta, preconizavam a
frente única contra a direita, antes de se juntarem ao Partido Socialista… para fazer carreira! Hoje, os neo-frente-populistas pedem que Benoît Hamon, Jean Christophe Cambadélis (pelo Partido Socialista), Pierre Laurent (pelo Partido Comunista), um representante do Partido de Esquerda e Jean-Luc Mélenchon (líder da Frente de Esquerda, da qual o Partido de Esquerda faz parte) se reúnam para designar um candidato único. Para justificar uma tal reunião com aqueles que votaram a favor da Lei do Trabalho, fazem crer que Jean-Luc Mélenchon e Benoît Hamon se pronunciaram ambos pela revogação dessa Lei. Se isto é verdade para Jean-Luc Mélenchon, já não é verdade para Benoît Hamon. Portanto, é falso! Mas para estes ideólogos isso não é grave: quando os pés estão apertados, a culpa nunca é dos sapatos. Portanto, é preciso torcer os factos para os fazer entrar dentro dos sapatos!
Neste contexto, importa, acima de tudo, analisar os factos sem procurar distorcê-los. Nada está excluído, inclusive uma vitória eleitoral de Marine Le Pen. Com efeito, a História ensina-nos que, nas situações de crise, a burguesia não hesita em apoiar partidos que não teriam a sua preferência, e homens ou mulheres que não são os seus.
A crise política crucial que atravessa o sistema capitalista, à escala internacional, assume, em França, esta forma grotesca no quadro da eleição presidencial. E não acabará em dois meses, mesmo que seja eleito um presidente…quem quer que ele seja. Será mal eleito e não é seguro que disponha de uma maioria parlamentar. Mas terá que continuar a tentar impor as contrarreformas e sabemos que o programa é extremamente gravoso. Tudo deve ser posto em causa, a Segurança Social, evidentemente, e também todas as nossas conquistas sociais–em particular, as de 1936 e as de 1945.
Para conseguir levar a cabo esta empresa arriscada, o futuro Governo deverá tentar “neutralizar” os sindicatos, tentando “associá-los “para melhor o conseguir. Mas existe um senão! O governo de Hollande falhou nesta tentativa. Dispõe, evidentemente, do apoio natural e habitual da CFDT, da UNSA (União Nacional dos Sindicatos Autónomos) e, por vezes, da CFTC e da CGC (Confederação Geral dos Quadros). Mas não pôde impedir que se constituísse um eixo de resistência à volta da CGT (Confederação Geral do Trabalho) e da CGT-FO (Confederação Geral do Trabalho –Força Operária). É a existência desta união que permitiu a imensa mobilização contra a Lei do Trabalho. O Governo, minoritário em todos os domínios, foi obrigado a recorrer, por várias vezes, ao artº 49.3(lei de exceção). Graças a este artifício antidemocrático, o Governo acreditou que tinha ganho. Mas trata-se de uma vitória de Pirro. A Lei do Trabalho passou… e o Governo sofreu uma tal derrota, que Hollande não ficou em condições de se recandidatar.
Quando a campanha eleitoral está no seu apogeu, quando a imprensa fala de todo e qualquer assunto, a luta de classes continua. Nem um só dia sem greve: a 7 de março a convite das organizações sindicais CGT, CGT-FO, SUD (Solidários, Unitários, Democráticos) do sector hospitalar, retomado por inúmeras outras, em particular do sector público–os assalariados desceram de novo à rua. Foi massivamente que fizeram greve e manifestaram-se neste 7 de março, ao mesmo tempo que são anunciadas greves na Air France e noutros sectores.
Desde 2011, por iniciativa de três militantes da CGT e de outros três da CGT-FO, reuniram-se várias conferências nacionais, representando milhares de militantes. Esta iniciativa foi parte ativa na constituição deste eixo de resistência que ajudou à mobilização contra a Lei do Trabalho. A 4 de Junho de 2016, 2000 militantes juntaram-se em Paris para defender as conquistas de 1936 e de 1945. A 25 de Março uma nova conferência está convocada para Paris. Tendo em conta a amplitude da crise política, é evidente que os problemas se colocam de uma forma nova.
A classe operária dispõe das suas organizações sindicais que, já o vimos, se mantêm como o próprio fundamento da classe operária como classe organizada. Mas ela precisa também de uma perspectiva política. Neste estádio, nenhum partido pode seriamente ter a pretensão de representá-la. No entanto, os militantes, mesmo quando já não se reveem no seu partido de origem, continuam lá. Eles estão disponíveis. Constatámo-lo por muitas e variadas vezes. Quer por ocasião de greves ou manifestações de massa, como na Primavera passada, ou em numerosas circunstâncias, todos estes militantes, aderentes ou não a um partido político, aspiram a poder combater juntos. Querem defender todas as conquistas sociais que «vivem na consciência dos trabalhadores». «A Segurança social é nossa, batemo-nos por ganhá-la, bater-nos-emos por guardá-la», ouve-se muitas vezes nas manifestações. Podem naturalmente existir pontos de vista diferentes entre todos estes militantes sobre muitas questões, mas sobre este assunto há–com toda a evidência–a possibilidade de se juntarem.
Então, porque não encarar criar um Comité Nacional de defesa da Segurança social, das conquistas sociais e da democracia? Sem que ninguém se sinta obrigado a renunciarás suas convicções políticas, um tal Comité teria sem qualquer dúvida um grande impacto e seria uma formidável ferramenta para organizar a resistência.
Um Comité Nacional de resistência, de alguma forma!”
(1) Artigo publicado em Informations Ouvrières (Informações operárias), semanário do Partido Operário Independente (POI), de França, no seu nº 443, de 8 de março de 2017.