Argélia: um povo se levanta contra o regime

Cedendo a imensa pressão popular, o presidente da Argélia, Abdelaziz Bouteflika, de 82 anos, no cargo desde 1999, anunciou, em 11 de março, que não mais disputará um quinto manda­to presidencial.

Seguiram-se dias de grande come­moração popular e determinação de continuar a luta pelo fim do regime. Em 15 de março, sexta-feira, dia da se­mana escolhido para as manifestações iniciadas em 22 de fevereiro – mais de dois milhões de pessoas ocuparam as ruas de Argel, capital do país, e outros milhões em todas as regiões. E sem nenhum ato de violência.

Milhões nas ruas, pacificamente

As principais palavras de ordem eram: “abaixo o regime!” “não ao prolongamento do quarto mandato!” Em Béjaïa e Argel, policiais juntaram-se aos manifestantes. De profundidade inédita, o movimento envolveu todo o povo. Em Tizi Ouzou, na Cabília (região autóctone às margens do mar Mediterrâneo, NdT), cento e cinquenta mil pessoas se manifestaram com uma maré de bandeiras argelinas e também, evidentemente, bandeiras berberes. Mas quando militantes do MAK – um grupelho provocador separatista que defende a ruptura da Cabília com a Ar­gélia – entraram na passeata, foram ex­pulsos pelos manifestantes que diziam: organizem sua própria manifestação! Unidade e soberania da Argélia!

Afrontando a vontade popular, na segunda-feira, 18 de março, a Presidên­cia da República divulgou declaração reafirmando que Bouteflika continu­aria no cargo até a realização de uma “conferência nacional” e a eleição de um novo presidente. Na prática, isso significa uma gambiarra para prorrogar o mandato de Bouteflika e preservar o regime.

A resposta foi imediata. No dia se­guinte, 19 de março, data nacional que celebra a independência da Argélia, em 1962, o “Dia da Vitória”, novamente as ruas de todo o país se encheram de manifestantes, com destaque para os estudantes e médicos com seus jalecos brancos.

“Fora o regime!” foi a palavra de ordem retomada maciçamente. Para o povo, esse regime, herança daqueles que confiscaram a revolução de 1962, deve terminar. Magistrados se reuni­ram para denunciar que a extensão do quarto mandato de Bouteflika violaria a Constituição.

O governo Macron, como os outros governos imperialistas, está aterrori­zado com a situação. A crise do regime está aberta e se aprofunda. Formações políticas próximas ao poder e per­sonalidades declaram agora apoio à mobilização popular.

A crise se aprofunda e manobras se multiplicam

A crise se desenvolve no próprio interior da Frente de Libertação Na­cional – principal partido da coalisão governamental (NdT). Setenta diri­gentes regionais pedem a demissão do secretário geral.

Enquanto isso o Primeiro Ministro re­cém empossado (em 11 de março) tenta, sem sucesso, substituir ministros para formar um novo governo a fim de prepa­rar a dita “conferência nacional”, visando a atrair partidos, sindicatos, associações e personalidades para perpetuar o sistema vigente. O editorial do jornal Liberté assinala, a respeito: “Na impossibilidade de encontrar verdadeiros interlocutores, recorrem à clientela para servir de deco­ração a seu ‘monólogo’. Porque se trata de um monólogo, esse poder jamais aprendeu a ouvir o povo”.

Procurando sustentar propostas do regime, uma “Coordenação nacional para a mudança”, da qual fazem parte antigos dirigentes de partidos islâmicos, defende uma “transição de­mocrática”. Em sua última declaração eles apelam ao exército.

O chefe do estado-maior, Gaïd Salah, muito virulento no começo das mobi­lizações, foi paulatinamente adotando posições mais conciliadoras em relação aos manifestantes. Em 18 de março declarou: “é necessário um senso agu­çado de responsabilidade para fornecer soluções no momento propício (…)” . No momento propício…

Revolta na UGTA: por um congresso extraordinário

Apesar da política de sua direção, a União Geral dos Trabalhadores Argeli­nos, central histórica, continua a organi­zar os trabalhadores dos principais seto­res econômicos como o petróleo e gás, siderurgia, metalurgia, serviço público.

Seu secretário geral, Sidi Saïd, num primeiro momento defendeu o quinto mandato e depois apoiou as propostas de preservação do regime. Mas as instâncias sindicais de base – além dos sindicatos autônomos, que haviam saído na frente – tomaram posição em favor do movimento popular.

A poderosa Federação dos Trabalha­dores do Petróleo e do Gás convocou greve. Na zona de Rouiba, grande área industrial no subúrbio de Argel, dois mil trabalhadores, em passeata, chamados pela UGTA local, exigiram “no prazo mais breve, um congresso extraordinário e a demissão do secre­tário nacional, Sidi Saïd”.

A UGTA do complexo industrial de Sider El Hadjar, em Annaba (leste do país), também se posicionou contra o secretário geral e por sua demissão.

A revolta contra a direção nacional da UGTA se aprofundou depois que, em 22 de março, pela quinta sexta­-feira consecutiva, milhões saíram às ruas de todo o país.

As palavras de ordem foram ainda mais claras e precisas que nos atos precedentes. Responderam ao regime que se encastela no poder: “Nós dis­semos saiam, isso quer dizer saiam”, “Fora todos!”.

Quanto mais o regime tenta resistir ao assalto das massas, quanto mais ele tergiversa e manobra para ganhar tempo, mais ele se afunda em sua crise.

Nas várias cidades e regiões do país os sindicatos locais, os dirigentes sindicais das regiões industriais mais importantes e dos principais setores da economia chamam a mudar a atual direção. Eles colocam no centro do seu combate a reapropriação de sua central sindical.

“Nenhum remendo do sistema é possível”

É nesta situação que o Partido dos Trabalhadores da Argélia reuniu sua direção e reafirmou que não é possí­vel nenhuma reforma desse sistema político.

Em seu discurso de abertura, com a presença da imprensa, a secretária geral do PT, Louisa Hanoune, foi direta: “Não ao quinto mandato! Não ao prolongamento do quarto mandato! Saiam todos! Fora FLN! Fora o governo!

E acrescentou: “A presidência da Re­pública deve anunciar a renúncia do presidente, a demissão do governo e a dissolução da Assembleia Nacional.”

Para o PT da Argélia, a única solu­ção que corresponde às aspirações do povo é “a convocação de uma Assem­bleia Nacional Constituinte soberana, cuja única missão é a elaboração de uma Constituição democrática, isto é, a definição da forma e do conteúdo das instituições necessárias para exer­cer sua plena soberania.”

E ela lançou um apelo: “O único ca­minho para a consagração da sobera­nia do povo, para garantir a soberania nacional é a criação de comitês popu­lares, agrupando todas as categorias da sociedade: estudantes, trabalhadores, aposentados e comerciantes.”

Correspondente

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