Dados revelam a terrível situação das mulheres negras no país
77% das mortes maternas por covid-19, até maio de 2021, foram de mulheres negras – em um país que respondia, sozinho, por 75% das mortes maternas pela doença no mundo à época.
Quando se considera os números gerais sobre mortes de grávidas e puérperas (a mãe que se encontra no período pós-parto), considerando-se todas as causas e não só a Covid, as negras são 66% das mães que morrem. Os dados foram sistematizados e divulgados pela ONG Criola, a partir de informações do Ministério da Saúde (MS), do Observatório Obstétrico Brasileiro de Covid-19 e de outras fontes.
A entidade organizadora do estudo avalia que as dificuldades de acesso ao acompanhamento médico pré-natal de qualidade, que já apresentava alguns obstáculos para setores mais vulneráveis da população, se agravaram durante a pandemia, “tendo em vista que diversos serviços foram suspensos e maternidades se transformaram em atendimento para Covid-19. A desastrosa condução da crise sanitária que atravessamos é responsável por milhares de mortes evitáveis. Além do sucateamento ao qual os serviços públicos foram submetidos com mais intensidade nesse período, o agravamento da precariedade das condições de vida, incluindo o aprofundamento da fome e do desemprego e a insuficiência do auxílio emergencial, compromete a saúde materna dessas mulheres.”
Também há indícios de que as mulheres pretas e pardas sofrem mais – e já sofriam muito antes da pandemia – com a violência obstétrica (condutas que desrespeitam e agridem a mãe), que passam por menor atenção durante as consultas pré-natais, menos orientações sobre o trabalho de parto e possíveis complicações, e menos acesso a procedimentos para aliviar a dor, farmacológicos ou não. Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostrou, por exemplo, que as medições de altura uterina, do tamanho da barriga e do tempo da gestação, e até a pressão arterial são menos aferidas.
Pesquisadoras da Fiocruz afirmam já terem ouvido em maternidades frases como “mulheres pretas têm quadris mais largos e, por isso, são parideiras por excelência” e “negras são fortes e mais resistentes à dor”. A pesquisa mostrou ainda que o tratamento diferenciado ocorre tanto em hospitais e maternidades públicos como privados.
Falta de investimentos na Rede Cegonha
Uma das questões centrais para que esse quadro seja revertido e as mulheres, em especial negras, não sejam vítimas do descaso do governo é o aumento da cobertura e da qualidade do atendimento na saúde pública. As mulheres negras são maioria da população com salários mais baixos ou em situação de vulnerabilidade. Ou seja, precisamos de investimentos em uma política que garanta assistência e o direito ao parto humanizado para todas as mulheres.
Mas, ao contrário, o governo Bolsonaro economizou verbas do programa Rede Cegonha, cujo objetivo é assegurar à mulher atenção humanizada ao pré-natal, parto, pós-parto e à saúde infantil. Dos R$ 270 milhões que o Ministério da Saúde poderia ter investido entre janeiro de 2019 e julho de 2021, cerca de R$ 89 milhões ficaram pelo caminho (site AzMina).
Direito ao aborto
A criminalização do aborto está entre as causas de mortalidade materna, também neste caso a presença do racismo resulta em mais vítimas negras. Pelos números do MS informados pela ONG Criola, entre os abortamentos espontâneos, aqueles realizados por razões médicas e o procedimento clandestino, foram cerca de 100 mil negras internadas em 2020, ante 52 mil brancas e 50 mil com raça não definida.
A diferença pode se encontrar no fato de que, entre os abortos espontâneos, se encontre maior incidência entre as negras justamente pelas dificuldades encontradas no pré-natal; e entre os provocados, considerando aqueles em situação de ilegalidade, mulheres brancas têm mais condições sociais e econômicos de recorrer a procedimentos seguros, enquanto as mulheres negras – em sua maioria sem as condições financeiras de pagar clínicas clandestinas mas requintadas – precisam recorrer a métodos arriscados. Novamente, a urgência de retornar a luta pela legalização do aborto se recoloca.
Priscilla Chandretti e Joelson Souza