A explosão do Oriente Médio

Este artigo foi escrito e publicado no jornal francês Informations Ouvrières, antes do ataque dos EUA às instalações nucleares iranianas, neste dia 21 de junho. O artigo dá elementos fundamentais para compreender a situação, que será fortemente agudizada a partir da entrada direta do imperialismo estadunidense.

A cúpula do G7 começou na segunda-feira, 16 de junho, alguns dias após a agressão israelense contra o Irã. Toda a atenção das potências imperialistas está, obviamente, voltada para a situação no Oriente Médio. A declaração final do G7 reconhece “o direito de Israel de se defender”.  O chanceler alemão Friedrich Merz acrescentou que Israel está “fazendo o trabalho sujo por todos nós”.

O New York Times, em 14 de junho, previu que “O conflito entre Israel e Irã poderia mergulhar mais fundo no caos” e o Le Monde, no dia seguinte, avaliou que “Ao atacar o Irã, Israel está arrastando o Oriente Médio para uma espiral de guerra”. Todas as cúpulas imperialistas estão bem cientes dos perigos: o risco de uma nova crise do petróleo, a desestabilização de toda a região, mas também de países como o Paquistão e o Afeganistão.

Além disso, a Rússia compartilha o Mar Cáspio com o Irã, uma zona que, devido às sanções contra ela, representa um importante local de passagem para seu comércio. Putin também teme que um regime pró-ocidental venha a se instalar ao sul do Mar Cáspio, cercando ainda mais a Rússia. Ao contrário do que a mídia está dizendo, a guerra não começou com a questão nuclear iraniana.

De fato, antes do estabelecimento do regime dos mulás em 1979, não havia um governo democrático no Irã, mas uma ditadura feroz. Com a eclosão da Revolução Russa em 1917, que derruba a “prisão dos povos”, o império czarista, e em face da sua extensão libertadora aos povos na Ásia Central, a Grã-Bretanha quer constituir o Irã como uma barreira contra a disseminação da Revolução Russa.

Para isso, precisa de um espadachim, que encontra em Reza Khan, um militar mercenário que agora se chama Pahlavi, seu apelido no exército. Ele não representa nenhuma continuidade com o milenar Império Persa, é um pequeno Bonaparte, um agente do imperialismo. Uma ditadura de ferro é instalada a serviço da Grã-Bretanha, e depois, dos Estados Unidos.

Em 1948, o Irã é um dos primeiros países a reconhecer a criação do Estado de Israel. No entanto, a mobilização do povo iraniano leva ao poder, em 1951, um primeiro-ministro nacionalista, Mohammed Mossadegh, que decide nacionalizar o petróleo, uma medida que tem a oposição do Xá e das empresas petrolíferas estrangeiras.

O partido Tudeh, o partido comunista do Irã, uma organização poderosa e bem implantada, denuncia o regime de Mossadegh e também se opõe à nacionalização, propondo que os contratos de extração de petróleo sejam concedidos à… URSS. Dois anos após as nacionalizações, um golpe de Estado, fomentado pelos Estados Unidos (com a cumplicidade do Kremlin), derruba Mossadegh. O Irã e Israel continuariam sendo os dois pilares da presença dos EUA na região.

O golpe de Estado fortalece ainda mais a ditadura com a criação da Savak, a polícia política do Xá, que intensifica a caça a opositores suspeitos, as prisões e a tortura em massa. Até 1979, dezenas de milhares de iranianos são sistematicamente reprimidos. De acordo com historiadores, nos 22 anos de sua existência, a Savak teria matado entre 18 mil e 60 mil iranianos.

Durante a década de 1970, sob o impacto da crise econômica mundial e da política de pilhagem imperialista, a população iraniana afunda em uma pobreza cada vez maior. A repressão para bloquear qualquer forma de protesto também se intensifica, com o apoio dos Estados Unidos, de quem o regime depende cada vez mais. Mesmo assim é constituída uma oposição, principalmente por meio de um movimento não religioso que se reclama de Mossadegh. Esse movimento busca estabelecer a democracia. Mas até mesmo esse movimento democrático burguês é severamente reprimido, e alguns de seus líderes são assassinados, inclusive no exterior – com a bênção dos Estados Unidos. O conselheiro de segurança nacional de Jimmy Carter, Brzezinski, declara depois “apoiar o Xá até o fim”.

Em 1978, o governo do Xá introduz medidas drásticas de austeridade, provocando uma mobilização da população trabalhadora e dos estudantes. Os sindicatos, que têm um peso real no Irã, organizam greves, principalmente no setor petrolífero.

Essa mobilização maciça da população trabalhadora assume um conteúdo econômico, social e democrático. Ela se dirige contra o Xá – obrigando-o a fugir do Irã em janeiro de 1979 -, e contra os Estados Unidos. Posteriormente, o movimento islâmico é enxertado na mobilização popular. Khomeini, que havia se refugiado na França, apresenta-se então como o “guia supremo da revolução”. Seu movimento recebe uma ajuda considerável da burocracia stalinista da época.

Em 1979, em nome da luta contra a disseminação da “revolução islâmica” (sic) na Ásia Central, o Kremlin intervém militarmente no Afeganistão, provocando uma guerra que vai durar quase dez anos. A intervenção soviética serve aos aiatolás do Irã, que ajudam os combatentes afegãos e se apresentam como opositores das grandes potências.

Na realidade, a burocracia do Kremlin está aterrorizada com a possibilidade de revoluções populares eclodirem em seu território. No Irã, o Tudeh, leal ao Kremlin, em nome da “via socialista para o desenvolvimento”, fica ao lado de Khomeini, apresentado pelo PC como anti-imperialista, e tenta conter o movimento grevista. O Kremlin e o Tudeh, a serviço do imperialismo, a fim de preservar a “ordem”, empurraram as massas para os braços do movimento islâmico.

Em 1982, mal tendo se estabilizado, o regime dos aiatolás lança uma repressão contra os militantes operários, prende os líderes dos partidos que se reclamavam do trotskismo e, finalmente, dissolve o Tudeh.

Foi uma verdadeira revolução popular que ocorreu no Irã em 1978-1979. Ela não levou à instauração de um regime operário e camponês, mas barrou o plano dos aiatolás de estabelecer um emirado islâmico.

Eles tiveram que constituir uma república – ainda que islâmica – mas com eleições nas quais, de fato, apenas partidos islâmicos poderiam participar, mas não era um regime de direito divino, sem eleições, como a Arábia Saudita na época. Essa república islâmica será, assim, o foco das lutas de frações dos diferentes componentes do regime dos aiatolás, uma verdadeira oligarquia, a negação da democracia. E, obviamente, essa oligarquia dos aiatolás se apressa em assumir o controle político do país, e também o controle econômico, apropriando-se das ricas companhias de petróleo e gás.

Embora o regime dos aiatolás denunciasse o comunismo como “obra de Satanás” e quisesse continuar os intercâmbios econômicos com o resto do mundo, isso não era suficiente para o imperialismo dos EUA, que via o Irã como uma ameaça à ordem imperialista.

Durante todo esse período, houve mobilizações recorrentes, embora parciais, incluindo greves no setor petrolífero e, mais recentemente, mobilizações de mulheres e da juventude. Essas mobilizações traduzem as aspirações das massas populares e dos jovens por democracia e pela soberania do Irã.

Um ano após a queda do Xá, em setembro de 1980, o Iraque de Saddam Hussein atacou seu vizinho Irã, com o apoio dos Estados Unidos, da França e da URSS. Seguiu-se a isso uma guerra de oito anos que provocou a morte de um milhão de pessoas e outros milhões de refugiados e feridos.

Contra um exército iraquiano equipado pelos imperialistas, foi a mobilização do povo iraniano para defender sua revolução que impediu a vitória de Saddam Hussein, e a guerra Irã-Iraque chegou ao fim em 1988. Dois anos depois, o Iraque de Saddam Hussein foi, por sua vez, atacado por uma coalizão imperialista, formada por seus antigos “amigos”.

Durante todo esse período, o Estado de Israel intensificou seus ataques diretos e indiretos ao Irã, com o apoio dos Estados Unidos.

A partir de 1995, as potências imperialistas decretam um embargo feroz que atinge a população trabalhadora iraniana, causando inflação, mercados clandestinos e escassez recorrente, como a de medicamentos. E a maioria dos regimes árabes contribuem para o crescente isolamento do Irã.

Israel, os Estados Unidos e as potências imperialistas da Europa começam a denunciar a pesquisa nuclear do Irã, embora esse programa não tenha começado com o regime dos aiatolás. O Irã é um país nuclear desde o início da década de 1960. Foi durante o regime do Xá que a França e a Grã-Bretanha ajudaram a estabelecer o programa nuclear, que o regime dos aiatolás herdou e acelerou para seu próprio benefício. O Estado de Israel, então, acusa o Irã de querer desenvolver um setor nuclear militar, com o fim de destruir o estado israelense.

Em 2015, longas negociações no âmbito da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) terminam com um acordo entre o Irã, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido) e a Comissão Europeia. O acordo prevê a suspensão das sanções impostas ao Irã, em troca do controle da AIEA sobre seu programa nuclear civil.

Após dois anos de investigação, em 2017, a AIEA validou os compromissos do Irã, dando sinal verde para o levantamento das sanções. Porém, assim que assumiu o poder em 2018, Trump anunciou a retirada dos Estados Unidos do acordo, o que de fato o anulou. A França, a Grã-Bretanha e a União Europeia se alinharam servilmente. O embargo continua em vigor.

Aproveitando-se dessa situação, na verdade em acordo tácito com os Estados Unidos e os países europeus, Israel aumenta seus ataques contra o Irã, mas também contra o Líbano e a Síria. Em setembro de 2012, Netanyahu declarou na ONU que era necessário “derrubar o regime dos mulás, uma questão existencial para Israel”.

Por seu lado, o regime iraniano apoia o Hezbollah libanês e o Hamas, que governa a Faixa de Gaza. A tensão continua a aumentar. Em 2024, com a guerra genocida em Gaza, uma nova etapa foi superada: o Estado de Israel aumentou o número de assassinatos de líderes do Hamas, do Hezbollah e da Guarda Revolucionária.

No entanto, a resposta dos aiatolás permaneceu muito moderada: eles alertaram os Estados Unidos sobre a data e a forma de suas “reações”, permitindo que os imperialismos presentes na região contribuíssem para a destruição dos drones lançados pelo Irã. O presidente iraniano anunciou imediatamente que sua resposta pararia por aí. Israel não parou por aí, continuando seu genocídio em Gaza e lançando uma ofensiva sem precedentes no Líbano para destruir o Hezbollah.

Ao mesmo tempo, e sob o comando do imperialismo estadunidense, há vários anos vem sendo exercida pressão sobre os regimes árabes – em particular a Arábia Saudita e os Estados do Golfo – para que reconheçam o Estado de Israel. O estado israelense está em profunda crise, a sociedade está fragmentada e o governo de Netanyahu é rejeitado. Mesmo em Israel, há grandes manifestações contra o governo de Netanyahu e sua guerra genocida em Gaza. Dezenas de milhares de pessoas marcham nas ruas de Israel, semana após semana.

Em dezembro de 2024, os jihadistas da Al Qaeda, apoiados oficialmente pela Turquia e oficiosamente por Israel e pelos Estados Unidos, derrubaram o regime de Bashar al-Assad na Síria, um aliado do Irã. O novo regime foi rápido em romper relações com os mulás, deixando o Irã cada vez mais isolado e cercado.

As negociações sobre o programa nuclear entre o Irã e os Estados Unidos foram retomadas em 2025, com Trump apresentando a primeira sessão como positiva e anunciando uma segunda para 15 de junho. Em 12 de junho, os dirigentes do Estado de Israel decidiram lançar um ataque maciço contra o Irã. Mais uma vez, eles justificaram sua ação com o pretexto de um ataque preventivo contra uma ameaça iraniana de bombardeio nuclear. Sem acreditar por um segundo nessa fábula, a maioria dos dirigentes imperialistas reconheceu imediatamente o “direito de Israel de se defender”, mesmo sem ser atacado. Os Estados Unidos, informados do ataque, deixaram que ele acontecesse, com Trump tendo o cuidado de declarar que os Estados Unidos não estavam envolvidos e pedindo negociações entre o Irã e Israel.

Em Israel, a decisão de entrar em guerra contra o Irã está ligada à crise do regime. Se num primeiro momento a maioria da população israelense, sujeita a uma propaganda desenfreada, viu nesse ataque uma forma de se proteger, depois de apenas três dias algumas vozes – embora ainda em minoria – se elevaram em oposição à guerra.

A atitude do Estado de Israel, anunciando que “o povo de Teerã pagará um preço alto”, o bombardeio ao vivo da televisão iraniana e o apelo para que a população de Teerã deixe suas casas, lembram o que o estado israelense fez em Gaza.

Netanyahu acaba de declarar: “Israel está mudando a face do Oriente Médio” e acrescentou que deseja a queda do regime dos aiatolás. O pretexto antes invocado da questão nuclear iraniana está amplamente ultrapassado, trata-se de outra coisa.

Após a queda de Saddam Hussein no Iraque, causando a desintegração do país, a queda da Líbia, a marcha de Israel para destruir o Líbano, o esmagamento do povo palestino em Gaza e a queda de Bashar na Síria, um novo mapa da região parece estar tomando forma, um mapa do caos, porque a “ordem” imperialista não é outra senão o deslocamento das nações e dos povos.

O imperialismo estadunidense possui várias bases militares na região, que reúnem o total de 35 mil soldados. Além disso, ele tem dois porta-aviões na costa dos Emirados. Os franceses e os britânicos também têm tropas estacionadas na região. Starmer, da Grã-Bretanha, e Macron, da França, são dois fomentadores de guerra que já se destacaram pela proposta de envio conjunto de tropas para a Ucrânia e pelas suas entregas grandes quantidades de armas para Zelensky. Eles também estão armando maciçamente o genocídio israelense em Gaza.

Macron declarou que a guerra “preventiva” de Israel contra o Irã é justificada. Ele até propôs, se necessário, envolver as tropas francesas para defender Israel. Enquanto isso, como em todas as guerras imperialistas, são as populações civis de todos os lados que pagam o preço com suas vidas e seu sofrimento.

É por isso que em todos os continentes aumenta de forma massiva a exigência dos povos pelo fim do genocídio na Faixa de Gaza e pelo fim da agressão militar israelense contra o Irã. O único caminho para a paz no Oriente Médio será o produto da mobilização dos povos para pôr fim à dominação imperialista e aos regimes locais subservientes a ela. Esta é a única maneira de pôr fim à barbárie que está sendo desencadeada contra todos os povos da região.

Lucien Gauthier
(Tradução Adaias Muniz)

“Nós merecemos mais do que ser bucha de canhão para governos corruptos”
Trechos de postagem X (13 de junho) de um jovem israelense, Itamar Greenberg, que se recusou a prestar serviço militar e sofreu repressão do governo israelense.
“Foda-se Israel. Que se dane o Irã. Que se dane a guerra entre eles. Não estou interessado em escolher entre dois regimes opressores. Israel é um Estado de apartheid que comete genocídio contra os palestinos. O Irã é uma ditadura teocrática que esmaga a dissidência e oprime mulheres, pessoas LGBTQ+ e as minorias. E hoje, mais uma vez, esses dois países estão nos arrastando para seus jogos violentos de poder, pelos quais os civis pagam o preço.
Esta não é uma guerra entre o bem e o mal. É uma guerra entre dois Estados que têm mais em comum do que querem admitir: militarismo, nacionalismo e um total desprezo pela vida humana. Como morador de Israel, eu me recuso a apoiar o “nosso lado” simplesmente porque é o meu lado. Como alguém que acredita em liberdade, igualdade e dignidade para todos, estou do lado do povo, não do lado dos mísseis. Não, eu não apoio o Irã. Não, eu não apoio Israel. Sim, apoio todas as pessoas que estão tentando sobreviver sob esses regimes brutais. Sim, apoio a resistência, não a guerra. Nós merecemos mais do que ser bucha de canhão para governos corruptos e elites militares. Merecemos viver.

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