O Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas apresentou um Plano Emergencial de Emprego e Renda (PEER) que, até agora, não foi discutido na direção do partido. O tema é oportuno pois a situação do povo é grave.
O Plano traz medidas imediatas, algumas boas, outras discutíveis. A primeira questão é quem aplicará o Plano? Se diz que o PT “não acredita na política do quanto pior melhor”.
Claro, mas tampouco deve ser ingênuo para acreditar que Bolsonaro ou, por hipótese, amanhã Mourão (com impeachment) ou Maia (com anulação da eleição de 2018) apliquem estas medidas. Como não queremos parecer seus conselheiros, levamos em conta que o PEER só será aplicado com o fim deste governo. Um governo encabeçado pelo PT, com Lula Livre, sim, o faria. Quanto antes, melhor!
Segunda questão: quem financia as medidas do PEER? Ele indica alguns arranjos com o setor privado e outros com custo público. Fazem sentido no início de um governo petista, enquanto não consegue revogar os limites constitucionais impostos pelos golpistas na PEC-95 (teto de gastos por 20 anos) e na Lei de Responsabilidade Fiscal que prioriza pagar juros à especulação. Mas o Plano contorna essas questões.
Uma colunista elogiou o PEER exatamente aí: “O PT fez a lição de casa para se livrar da condição de refém do #LulaLivre com o lançamento de um plano emergencial […] sem afrontar o teto de gastos”, se congratula o jornal dos mercados (Valor Econômico, 08/08/2019).
Obras e Consumo
O Plano propõe acelerar obras de infraestrutura paradas desde o golpe. Elas seriam em parte financiadas pelo Tesouro no programa “Emprego Já”, criando frentes de trabalho temporárias e ampliando o Minha Casa Minha Vida. Outras obras sem custo fiscal, viriam do setor privado mediante “renegociação” de contratos e de concessões – discutível.
O PEER também estimula o consumo das famílias. Para isso, medidas também seriam financiadas pelo Tesouro. Caso da lei de valorização do salário mínimo, do fortalecimento do Bolsa Família e da correção da tabela do Imposto de Renda. Se propõe também incentivar os bancos comerciais a renegociar as dívidas das famílias (cheque especial, cartão de crédito), micro-empresas e agricultura familiar.
Fundo de Investimento sim, mas privado?
O PEER retoma um bom ponto do programa Lula-Haddad de 2018, o Fundo de investimentos em infraestrutura, mas introduz uma distorção: sua possível privatização.
O Fundo original era composto por um orçamento de investimento público, “com recursos oriundos da cessão onerosa do Pré-sal, um fundo de títulos privados para infraestrutura com recursos das Reservas internacionais e do BNDES, para financiar investimentos privados (115,5 bilhões)”. O Fundo pertence ao Tesouro e não pode ser contingenciado, nem computado no cálculo do saldo primário, correto. Mas diferente de 2018, agora se afirma que “no futuro o fundo poderia se abrir a novos investidores, permitindo inclusive a retirada do setor público.” Como não há menção à futura reestatização da infraestrutura, fica privatizante.
Controle de Capitais, um passo mais
O Fundo usaria 10% das Reservas em dólares do Banco Central de quase R$ 400 bilhões. Elas têm realmente um custo alto, pois o BC as compra emitindo títulos da dívida interna, remunerados à taxa Selic, ao passo que as Reservas estão aplicadas em títulos do Tesouro dos EUA, rendendo quase nada. A diferença é bilionária! O mecanismo serve à “livre mobilidade” de capitais, isto é, os especuladores podem fugir do país caso o Tesouro não os remunere com uma taxa de juros (Selic) alta o suficiente – é o “seguro” do especulador.
É correto usar parte das Reservas no Fundo. Mas mesmo emergencialmente, é preciso um passo mais: centralizar o câmbio para controlar capitais e evitando corridas especulativas.
Por fim, um plano emergencial tem de explicar que reformas estruturais, que tomam mais tempo e fôlego de mobilização popular, são indispensáveis: reforma tributária progressiva, da mídia, revogação da reforma trabalhista etc. Sem isso, as medidas emergenciais ficam insustentáveis em poucos meses ou semanas. Também é necessário um programa de reindustrialização, com a reestatização de empresas-chave como a Vale, para o estado “regular” e mesmo produzir bens e serviços estratégicos.
Alberto Handfas é professor de Economia da UNIFESP
e Markus Sokol é membro da Executiva Nacional do PT