Após as eleições nos Estados Unidos

Declaração do Secretariado Internacional da 4ª Internacional

A eleição de Donald Trump e sua maioria na Câmara dos Representantes e no Senado, obviamente, não encerrou a crise política que culminou em 2020 nos Estados Unidos com o assalto ao Capitólio. Ela foi até aprofundada durante a campanha eleitoral e revelou a fratura da sociedade estadunidense. A decepção, a perda de confiança e a rejeição ao Partido Democrata expressaram-se pela perda espetacular de 7 milhões de votos desde as últimas eleições de 2020, “a maior queda em 45 anos”. Não só “o colapso da participação dos eleitores democratas contribuiu para a vitória de Trump”, mas esta é uma “derrota dolorosa” para o partido de Joe Biden e Kamala Harris (Wall Street Journal).

Mesmo tendo vencido as eleições – com uma vantagem relativamente fraca – o Partido Republicano não está em melhor situação. Trump impôs a sua candidatura. As primeiras nomeações para os cargos-chave da futura administração são contestadas dentro do próprio partido. Devem ainda ser confirmadas pelo Senado, onde o líder da maioria republicana não é quem os próximos do novo presidente queriam e os votos são, neste momento, incertos. A nomeação de Marco Rubio ¹ para o Departamento de Estado e a ofensiva lançada pela criação do “Departamento da Eficiência Governamental” para liquidar setores inteiros da administração, vão inevitavelmente provocar grandes choques. Todo o sistema político estadunidense está em crise.

Durante quatro anos, no coração do imperialismo mais poderoso, o capital fez aquilo que faz melhor: aumentar os preços e os lucros em benefício de um punhado de exploradores que a cada dia se apodera mais das riquezas do país. Para a imensa maioria da população trabalhadora dos EUA, os preços de alimentos e moradia subiram 25%. A administração Biden/Harris se dizia próxima dos sindicatos e prometeu aos trabalhadores uma vida melhor. Mas a inflação agravou a situação já precária de 144 milhões de americanos não-sindicalizados, 90% da mão de obra assalariada, e impulsionou greves massivas nos setores mais organizados e combativos da classe operária.

Nas urnas, a punição é clara. A incontornável ausência de solução para defender os trabalhadores e a democracia alimentou as ilusões no voto Trump, que fez com que parte dos 76 milhões de americanos que votaram nele (2 milhões a mais do que em 2020) acreditassem que a solução para os seus problemas estaria na sua política reacionária: demissão de milhares de funcionários públicos, deportação de 15 a 20 milhões de imigrantes, desregulamentação da economia e das leis de proteção dos trabalhadores e do meio ambiente, reorganização das relações internacionais, caso a caso, para favorecer os interesses do capital financeiro estadunidense e continuar sua política de pilhagem e marcha para o caos, reforço da repressão, revogação do direito ao aborto… Em um país profundamente dividido em torno dos dois principais partidos, Kamala Harris com 74 milhões de votos perdeu um eleitor em cada dez. 89 milhões não votaram.

Quando possível, a nível local e muitas vezes de forma contraditória, movidos por uma defesa convicta dos sindicatos e das conquistas operárias, da democracia, dos direitos das mulheres, do não ao racismo e à guerra, muitos candidatos do DSA (Socialistas Democráticos da América) foram eleitos. Expressão dessas contradições, os eleitores do Missouri votaram em Trump e, em plebiscito, na emenda à Constituição do estado que garante o direito ao aborto. O mesmo aconteceu em Montana e no Arizona. Eles votaram em massa para aumentar o salário mínimo em 22% e estabelecer uma licença médica paga pelo empregador, reivindicação dos sindicatos… que Trump quer enfraquecer.

Biden/Harris também pagam o preço do seu apoio incondicional ao governo israelense de Netanyahu, em continuidade com a administração anterior de Trump. Na maior cidade de maioria árabe (Dearborn), num dos estados mais industrializados (Michigan), Kamala Harris obteve 36% dos votos e perdeu metade dos eleitores do Partido Democrata. Os habitantes tinham alertado que o seu apoio não estava garantido devido ao “apoio financeiro e militar americano inabalável ao genocídio israelense em curso em Gaza”. Neste local, a deputada Rachida Talib (DSA), que se destacou pelo seu apoio à Palestina, foi reeleita com 70% dos votos. Demonstração inequívoca, como outros candidatos DSA mostraram localmente, de que é perfeitamente possível vencer, e amplamente, em uma linha de ruptura.

Mas, no plano nacional, prejudicado pelo sistema eleitoral estadunidense, os eleitores não tinham a possibilidade de votar por uma candidatura de ruptura, independente da representação política do capital nos Estados Unidos, encarnada pelos dois principais partidos  (Democrata e Republicano). Incontestavelmente, a classe capitalista dos EUA procurará continuar com a política praticada há décadas, acentuada por Trump com suas características particulares. Sua vitória foi imediatamente aceita por Biden/Harris, que chamaram “o povo americano a permanecer unido”, e saudada em todo o mundo pelos representantes da manutenção da ordem. 

A eleição nos Estados Unidos não diz respeito apenas ao povo estadunidense. Ela tem um alcance global. Expressa a crise de dominação do imperialismo e se insere nos desenvolvimentos da situação internacional: o conflito entre os Estados Unidos e a China; o genocídio do povo palestino e suas consequências internacionais; a ofensiva dos EUA para demolir o coração industrial da Europa e desenvolver a economia de guerra intensificando ainda mais a guerra na Ucrânia, sob o risco de uma conflagração generalizada. Os seus resultados não podem ser entendidos isoladamente e assumem uma importância particular devido ao lugar ocupado pelos Estados Unidos no mundo.

Como escreve o Financial Times: “dos democratas americanos aos conservadores britânicos, da coligação Ensemble de Emmanuel Macron aos liberais-democratas japoneses, passando pelo BJP, outrora dominante, de Narendra Modi na Índia, os partidos no poder e seus dirigentes sofreram uma série de desgraças sem precedentes este ano. Todos os partidos no poder que se apresentaram em eleições em países desenvolvidos recuaram nas eleições. Esta é a primeira vez que isso acontece na história, com dados que remontam a 1905”. E conclui: “é possível que nenhum partido ou personalidade possa escapar da atual onda mundial de ‘rejeicionismo’ “.

Uma onda alimentada pela resistência dos povos e da classe trabalhadora organizada, pela sua recusa em afundar na miséria, seu repúdio à guerra e ao imperialismo estadunidense, seu repúdio ao genocídio, à barbárie e ao assassinato de milhares de crianças palestinas que Netanyahu, Biden, Macron, Scholz, Starmer e seus apoiadores buscam todos os dias, há mais de um ano, diante da população mundial, justificar e banalizar até que se torne uma forma comum de administrar os assuntos do mundo.

Uma onda de rejeição inevitável e perfeitamente justificada, da qual Trump não escapará, mesmo porque sua política exige medidas brutais contra os trabalhadores, mas cujo resultado é impossível prever neste momento, pois as contradições vão agora se agravar.

Por um lado, a crise de dominação do imperialismo e do capital financeiro, em busca de “soluções” cada vez mais liberticidas e autoritárias, apoiando-se na extrema direita e nos setores mais reacionários da sociedade, dos quais Trump, assim como outros e não apenas nos EUA, representam as premissas.

Por outro lado, a luta de classe, as greves massivas em plena campanha eleitoral (portuários da costa leste, trabalhadores da Boeing e do setor automobilístico), a defesa das conquistas operárias e das liberdades democráticas, as manifestações pelo cessar-fogo na Palestina e o embargo de armas, a recusa das demissões, a defesa dos serviços públicos e da saúde, do meio ambiente…  Nós estamos neste campo, com os milhões que procuram reunir suas forças para varrer este regime capitalista apodrecido. Estamos aqui com o nosso patrimônio político, a nossa experiência e as nossas análises para ajudar tudo que reforce a rejeição e a busca de pontos de apoio para auxiliar estes milhões num momento em que, para muitos, é através de uma política de ruptura que será possível vencer.

Para ajudá-los a tomar o destino da sociedade em suas próprias mãos, para ajudar a organizar e consolidar as novas forças que se estão desenvolvendo em cada país e internacionalmente, convidamos você a juntar-se às seções da 4ª Internacional.

15 de novembro de 2024

1 Senador cubano-americano anticomunista da Flórida

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