“Aprendi que poderia ser judia e antissionista”

A estudante Marjorie Zeitune fala sobre o seu engajamento na luta contra o genocídio na palestina

Marjorie Zeitune é atriz, estudante da Escola de Teatro Martins Penna, no Rio de Janeiro e concedeu entrevista ao nosso jornal para falar sobre a luta na juventude contra o genocídio em Gaza. Entrevista concedida a Cristiano Flecha.

O que levou você a lutar contra o genocídio que acontece em Gaza?
Bem, eu sou de família judia libanesa, estudei e cresci dentro da comunidade judaica carioca, que é praticamente 100% sionista. Dentro da comunidade é muito difícil questionar o que acontece, porque somos educados apenas com uma verdade, uma perspectiva e questionamentos podem ser muito mal interpretados. Pra mim, mudou por volta de 2015 quando eu estava na faculdade e eu comecei a estudar o conflito Israel-Palestina, principalmente depois de ter visitado Israel e por ter voltado com várias dúvidas. E foi nessa busca por respostas que eu conheci a Palestina, por que antes eu só conhecia Israel. Palavras como Nakba, como check-point, como sítio em Gaza, assentamentos ilegais começaram a surgir e eu, obviamente, não pude acreditar na quantidade de informações que nos esconderam. Naquela época eu me tornei uma crítica ao estado de Israel, mas faz pouco tempo que eu aprendi que eu poderia ser judia e antissionista, que esse era o termo. E isso fez com que eu ficasse em paz com a minha descendência judaica novamente. Uma das táticas sionistas é confundir o sionismo com o próprio judaísmo. E a partir daí senti que eu tenho um compromisso com a verdade, de compartilhar a informação e lutar como posso pelo fim do genocídio e pelo fim da ocupação israelense na Palestina.

Você acredita que os jovens estão conscientes sobre o que ocorre na Palestina?
Não, infelizmente não acho. Eu noto isso pelas trocas com meus colegas, que confessam não saberem nada sobre o tema, pela quantidade de pessoas nos atos e pelo silêncio de forma quase ou inteiramente pactual. Existe um projeto, forte, para que a população não acesse a informação, existe uma massiva propaganda de guerra, e um medo real de se posicionar. Não dá para esquecer também o envolvimento proposital da causa com a religião. Na escola de teatro onde estudo, Martins Penna, mesmo que sua proposta de ensino se comprometa com uma educação decolonial e a militância seja uma característica entre os alunos, o genocídio Palestino não foi mencionado uma única vez. Inclusive, estou tentando levar uma roda de conversa sobre a Palestina, para levar a discussão para os alunos. Dito isso, acho que a consciência está melhorando aos poucos, especialmente depois da fala do presidente Lula na Etiópia. Vi mais pessoas discutindo o conflito, mas de fato, ainda tem muito a melhorar.

O Brasil mantém hoje acordos de cooperação militar com Israel, universidades brasileiras desenvolvem pesquisas científicas com empresas israelenses para fins militares. Qual a importância do Brasil romper esses acordos?
Essa é a questão central para o fim do conflito. Segundo o relator especial sobre direito à alimentação das Nações Unidas (ONU), Michael Fakhri, a única forma de acabar com a fome em Gaza é através do cessar-fogo imediato e a única maneira de conseguir o cessar-fogo é sancionando Israel. E segundo o historiador israelense, Ilan Pappé, o sionismo só acabará através de um isolamento econômico externo. Também não posso deixar de mencionar que o fim desses acordos representa uma expressiva vitória contra a violência nas periferias, uma vez que a força e a inteligência militar israelense utilizada para oprimir e aniquilar vidas palestinas, são também usadas contra a população preta e periférica aqui. Por isso, aderir ao Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) é o próximo passo que precisamos dar urgentemente, além de demonstrar coerência com os posicionamentos do Brasil, dirigido pelo Lula.

Na sua opinião, o que poderia ser feito para trazer mais essas questões para a juventude?
Acho essa uma boa pergunta. Primeiro é necessário reconhecer que não vivemos em um espaço amplamente democrático. Existe uma grande censura e deturpação em torno do tema e praticamente toda informação que estamos conseguindo são provenientes da mídia independente e não da grande mídia, que é sionista e está apoiando o genocídio.

Então o passo inicial é se atentar para o fato de que não é só uma questão de interesse mas sim de acesso ao que está acontecendo de fato. Inclusive penso que um bom movimento é pressionar nossos governantes para que falem e tomem posicionamentos sobre o tema, uma vez que a fala do Lula promoveu debate em torno da questão. Assim como pressionar grandes canais midiáticos para que rompam com o silêncio cúmplice.

Também entendo que precisamos chegar onde os jovens estão, seja indo até eles fisicamente em suas universidades e promovendo trocas sobre o assunto, seja estando nas redes sociais, em podcasts, em canais que eles consomem. É preciso fazer um trabalho de base mesmo. Além disso, a juventude brasileira, precisa entender onde e como esse conflito se soma a nossa luta aqui. No fim das contas, é a mesma luta, contra o mesmo inimigo: o colonialismo e o imperialismo. A mesma opressão que sangra toda a America-Latina aqui, é a que esmaga o povo palestino e o expulsa de sua terra lá. Ao enfraquecer os EUA e Israel, estamos fortalecendo a nossa democracia. Estamos equilibrando forças. Tem que fazer essa interseção.

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