Chile: do “estallido” de 2019 às eleições de 2021

Nas eleições chilenas em 15 e 16 de maio para eleger constituintes, com o mandato de escrever uma nova Constituição (fruto das mobilizações eclodidas em outubro de 2019 -o “estallido social”, como dizem os chilenos), houve dois grandes derrotados.

O governo e os partidos de direita, que não lograram o um terço das cadeiras para exercer o poder de veto às mudanças exigidas pelo povo. Das 155 cadeiras, ficaram com 35.

Grandes derrotados também foram os partidos diretamente patrocinadores dos 30 anos de Concertación, capitaneada pelo Partido Socialista (PS) e Democrata Cristão (PDC), que amargam um quarto lugar com 25 cadeiras.

O destaque foi a eleição dos independentes, candidatos por listas não identificadas a qualquer partido, mas aos movimentos sociais, que ficou em primeiro lugar com 48 cadeiras. A lista do Partido Comunista (PC) com a Frente Ampla (FA) teve um desempenho que surpreendeu. Elegeu 28 constituintes e o PC, numa eleição que também era para prefeitos, ganhou na capital Santiago.

A situação aberta no país em 2019 segue presente. O que explica, por exemplo, a queda de 9,21% da bolsa de valores no Chile no dia 17 de maio. Visto, por décadas, como um paraíso para o capital financeiro – a menina dos olhos sendo o sistema de previdência privada, os fundos de pensão, instituído na ditadura de Pinochet – o estallido de 2019 indica aos especuladores as portas do inferno. Nosso correspondente no Chile, nos escreve sobre a situação pós eleitoral.

“Chile, depois das eleições
A direita e o governo, ainda que tentando reagir, estão no chão. No decorrer dos dias se dimensiona melhor a derrota sofrida, e cada erro que cometem é amplificado.

Isto não significa que retrocedem, ao contrário, tentam impor suas reformas.

Os grupos empresariais se preparam para resistir em bloco à possíveis mudanças na Constituição e financiam tudo que seja propaganda contra os independentes, dizemos independentes para diferenciar da esquerda integrada ao sistema.

O governo Piñera, diante da crítica de não ajudar os mais pobres, para salvar a cara, anuncia que entregará mais auxílios, eliminando alguns requisitos, mas os problemas persistem, já que isso aliviara só momentaneamente a crise.

Presos políticos
Manifestações recentes, feitas em vários pontos do país, foram reprimida e houve prisões.

Ainda não há definição sobre a questão dos indultos aos presos da revolta (o “estallido social” de 2019). O projeto de indulto está sendo discutido no Senado e conta com o apoio de vários constituintes recém eleitos.

Por enquanto só foi aprovado legislar sobre o projeto que passa a ser discutido pela Comissão de Constituição do Senado.

Pensões
O governo tenta impor seus critérios com pressão, interna e externa, dos interessados neste grande negócio da previdência privada. O Fundo Monetário Internacional (FMI), coloca suas garras e propõe aumentar a idade de aposentadoria e também aumentar as taxas de cotização, o que supostamente elevaria a taxa de reembolso para 50% (hoje chega a 30%).

A Coordenadora da campanha NO + AFP (Administradoras dos Fundo de Pensão), afirma que não se pode falar em uma nova Constituição, se não se elimina as AFPs e se cria um sistema de Previdência Pública e Solidária.

Constituintes eleitos já se comprometem a defender a proposta da Coordenadora.

Pandemia
O governo insiste em abrir o comércio, e agora inventa um passe de mobilidade para os que cumpram requisitos de vacinação, um tipo de cartão verde. Isso quando se vive a segunda onda, com mais contágios, mais de 2500 contagiados conectados à ventilação e mais de oito mil contagiados em residências sanitárias.

Seguimos em luta
Passada as eleições as fichas se concentram nas primárias para candidaturas à presidência nas eleições de novembro que elegerá também um novo Congresso. Com a debacle dos partidos políticos, na Câmara foi aprovado um projeto pela volta do voto obrigatório, tornado voluntário no Chile em 2009.

Diante do resultado das eleições peças se movem para se antecipar ao que muitos supõem. Um temor ao qual acrescentou-se o resultado da aliança do PC com a FA. O PS e o PDC, amplamente rechaçados pelos 30 anos de Concertación, com o pífio desempenho de sua lista nas eleições de maio, ficaram à deriva e tentam reformular-se.

De nossa parte, concentramos as energias na luta para que a Convenção Constitucional, que se instala em julho, atenda às aspirações populares que ecoam alto, em todo o Chile, desde o estallido de 2019.

Santiago 28 de maio de 2021
Javier Marquez

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