Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) reuniu, nesta quarta-feira (13), as 171 assinaturas de outros parlamentares para que possa tramitar na Câmara Federal, inclusive da bancada do PT. Ela materializa a demanda de “fim da escala 6×1” que tem sido debatida nas redes sociais, em especial por jovens trabalhadores, e dá a forma concreta de redução da jornada semanal de 44 para 36 horas.
A PEC acertou em cheio num dos principais problemas da classe trabalhadora brasileira: uma exaustiva jornada de trabalho. O problema é agudo – tanto é assim que a petição pública pelo fim da 6×1, criada por Rick Azevedo (eleito vereador pelo PSOL no Rio e inegavelmente o principal responsável pelo alcance da bandeira nas redes sociais), atingiu nesta terça (12) o montante de 2.5 milhões de adesões.
Luta histórica
Na Constituinte de 1988, deputados do PT, entre eles Lula, combateram por uma jornada de 40 horas semanais. Não conseguiram, mas a duração limite baixou de 48 para 44.
De lá para cá, a situação para os trabalhadores só piorou, com a média do tempo de deslocamento entre casa e trabalho aumentando vertiginosamente nos centros urbanos: com os aplicativos de mensagem no celular que permitem que o patrão contacte o empregado a qualquer hora do dia; e com a completa desregulamentação do banco de horas.
A CUT chegou a fazer uma campanha, durante o segundo governo Lula, pela redução da jornada para 40 horas. Parlamentares federais do PT também já propuseram PECs. Porém, ambos, CUT e PT, abandonaram qualquer campanha concreta há muitos anos sobre essa bandeira.
Redução da jornada e reforma trabalhista, uma via de mão dupla
Uma eventual vitória que reduza as horas de trabalho será retumbante. Desde já, essa mobilização pode ser associada à luta contra a reforma trabalhista, que traz uma série de dispositivos que desregulamentam profundamente os dispositivos legais que existiam sobre jornada.
É na reforma trabalhista, por exemplo, que se institucionalizou o acordo individual de banco de horas, inclusive tácito, ou seja, o empregador manda que o trabalhador trabalhe a mais e pronto. Sem qualquer tipo de regra tanto quanto à demanda do serviço ou ao pagamento das horas. Sendo acordo individual, o empregado não tem a força que teria em uma negociação coletiva para reagir.
Some-se a isso os dispositivos que dificultaram imensamente que um trabalhador recorra à Justiça trabalhista para reaver seus direitos (como horas-extras não pagas) e a lei das terceirizações, que facilitou que grandes empresas usem CNPJs de terceiros para contratar em condições degrantes (inclusive análogas à escravidão) e escapar ilesas de responsabilização.
Num momento de ascensão da revolta dos trabalhadores com suas condições de trabalho, uma luta ajuda a outra, e vice-versa.
Manutenção dos salários
A luta pela redução da jornada vai ao âmago da exploração dos patrões sobre os empregados. Quando os trabalhadores conquistam essa diminuição mantendo o valor do salário, significa que eles recebem proporcionalmente mais pelo trabalho realizado. Esse é o motivo da grita patronal: as PEC de Erika e Reginaldo representam uma redução de quase 20% de horas trabalhadas.
Por isso, é fundamental que os trabalhadores fiquem alertas a tentativas de “consensuar” que incluam a possibilidade da redução proporcional dos salários. Não só não é justo, como significa empurrar a classe trabalhadora cada vez mais pauperizada para assumir bicos para cobrir a renda. Ou à possibilidade que as representações burguesas na mídias agitam, de “trocar” uma redução de jornada por mais desonerações na folha trabalhista, ou seja, tirando do bolso do trabalhador por outro ângulo.
Ou ainda a outra possibilidade aventada por analistas, de limitar o trabalho a 5 dias por semana, porém redistribuindo a carga de 44 horas – ou seja, criando uma jornada diária extenuante de quase 9 horas (mais o que vier de hora extra, mais duas horas no busão…).
Também pelo que representa o corte de 20% das horas de trabalho, frente a um Congresso majoritariamente capacho das elites econômicas, será necessária uma amplíssima mobilização e lutas. Desse ponto de vista, reduzir a jornada constitucional é ainda mais difícil que revogar a reforma trabalhista ou a lei das terceirizações, pois exige arrancar o voto de ⅔ do Congresso (nesse caso, tão difícil quanto revogar a reforma da Previdência).
Aliás, esse o Congresso é majoritariamente o mesmo – piorado, ainda por cima – que aprovou todas essas reformas anti-povo, além da extinta PEC do Teto de Gasto, e por ⅔ deu o golpe em 2016. Portanto, esse enorme obstáculo que só tem se movido contra o povo não pode ser subestimado.
Para avançar, essa pauta precisa que o governo entre em jogo e que a juventude e os trabalhadores estejam dispostos a realizar uma luta profunda que se choque diretamente com as bases podres das instituições brasileiras.
Mas, se não em um governo de Lula, do PT, quando?
Nesse sentido, é absolutamente infeliz a declaração de seu ministro do trabalho, Luiz Marinho, que relega este combate aos acordos coletivos. Como ex-dirigente sindical, ex-presidente da CUT, deveria saber que uma infinidade de normas coletivas negociadas pioram substancialmente as condições da jornada de trabalho (seja por peleguismo ou incapacidade das direções sindicais, seja pela cruel pressão patronal), com autorização por exemplo de trabalho aos domingos.
A CUT, aliás, em nota “reafirma defesa da redução da jornada”, mas nenhuma palavra ou orientação aos sindicatos filiados sobre organizar a luta. Apenas informa que apresentará a proposta “aos Chefes de Estado que irão participar do G20”, como EUA e Alemanha. A CUT deveria ajudar na mobilização crescente dos trabalhadores e ocupar o seu lugar de central sindical e não seguir na busca de consensos com governos e patrões em torno de uma política que “de face humana do capitalismo dentro do G20”
Independente disso, uma mobilização pode se espraiar. Caso aconteça, depende dos militantes dos direitos dos trabalhadores ajudar que ela seja profunda o suficiente, e consequente.
Priscilla Chandretti