Como financiar a luta imediata contra a crise e a pandemia?

Investimento público, controle de capitais e fim do governo Bolsonaro são condições para salvar o país

A economia brasileira está em queda livre. Ela já iniciou o ano em baixa no investimento privado e na produção industrial, e com mais de 26 milhões de trabalhadores desempregados, desalentados ou procurando emprego complementar. A Covid-19 travou-a ainda mais, ao levar outras dezenas de milhões a ficar em casa – as previsões para 2020 são de 5% a 10% de queda no PIB, com a duplicação da taxa de desemprego, algo jamais visto no país. A depender do governo Bolsonaro, isso pode se transformar numa profunda depressão.

Precipício mundial
Em todo o mundo, o sucateamento dos sistemas públicos de Saúde e de pesquisa científica, bem como as privatizações, amputaram a capacidade hospitalar e técnica de planejamento de resposta a pandemias.

Agora, frente à Covid-19, vários governos, inclusive europeus e dos EUA, adiaram e minimizaram o quanto puderam as medidas necessárias, atendendo aos interesses do lucro empresarial. É a lógica capitalista. Sua substituição pela planificação seria o caminho para tirar a humanidade do precipício ao qual é empurrada.

De imediato, para segurar uma queda mais profunda, os governos teriam de fazer pesados gastos públicos para repor a renda da população e tomar para si – através de empresas estatais e outros mecanismos – os investimentos, tanto na Saúde com nos setores estratégicos para reconstituir as cadeias de produção industrial e distribuição desarranjadas (quebradeira etc.) pelas quarentenas e a paralisia internacional.

Transferência de renda insuficiente
No Brasil, sobretudo após o golpe de 2016 e a aprovação da EC-95, o SUS estava sucateado.

Nesse contexto e com pouca testagem dos casos de Covid 19, faltam EPIs, leitos de UTI e respiradores, a população é chamada a ficar em casa para tentar evitar o colapso (superlotação) do atendimento hospitalar. Algo já complicado para os milhões de pobres que vivem em apertadas residências. E muito mais difícil se o governo não garantir o salário de quase cem milhões de trabalhadores formais e informais, suspensos ou sem trabalho. E após a quarentena, milhões de famílias e firmas estarão endividadas e quebradas. Manter as transferências de renda será indispensável para garantir o consumo e investimentos privados no pós-quarentena, reduzindo a depressão.

Mas os gastos públicos aprovados até agora são muito insuficientes: a renda básica (R$ 600) para trabalhadores informais está longe de garantir o custo de vida familiar. O pagamento de seguro-desemprego aos formais que tiveram jornada reduzida complementará apenas parte do salário. As medidas de apoio aos estados e municípios, cuja arrecadação tributária despencou, é também limitada e, pior, no projeto em discussão, financiada pelo congelamento salarial de dezenas de milhões de servidores, grande maioria de média e baixa renda.

Ao todo, esses gastos são de apenas 3,5% do PIB. E mal saiu do papel: vejam as filas da renda básica na Caixa, ou a falta de equipamentos no SUS – o governo executou menos de 10% do orçamento emergencial da Saúde. Há enorme má vontade do executivo, que espera retomar o ajuste fiscal e se recusa a revogar o teto dos gastos.

Os trilhões liberados pelo Banco Central (BC) em linhas de crédito e liquidez aos bancos comerciais, são usados para especular, ao invés de repassa-los às empresas e famílias em empréstimos, mantendo taxas de juros altíssimas. O BNDES segue subutilizado.

Pró-Brasil: manobra fraca

Para uma retomada produtiva, é preciso grandes investimentos geradores de emprego, em infra-estrutura, construção, energia, saneamento, transportes e indústria pesada, urgentes para evitar o colapso das cadeias produtivas. A iniciativa privada já se abstinha de investir fundo antes. Agora, é que não o fará. Só pesadas inversões públicas, com requisição de bens privados e reconversões da produção industrial, com a reestatização e o controle governamental sobre preços, permitirão reconstituir os ramos econômicos.

Mas os governos Temer e Bolsonaro desmontaram instrumentos públicos. Levaram o investimento federal ao mais baixo nível histórico (0,3% do PIB). A sua Lei da Liberdade Econômica de 2019 revogou a Lei Delegada de 1962, que permitia ao estado intervir em empresas privadas, direcionando produção e distribuição em situações extremas.

Eliminaram o Fundo Soberano do petróleo com seus mecanismos de estabilização e financiamento de inversões públicas.

Cabeçadas bonapartistas
Agora, em sua escalada bonapartista onde finge jogar para todos os lados, Bolsonaro incentivou a iniciativa dos ministros militares Braga Netto (Casa Civil) e Tarcísio Freitas (Infraestrutura) chamada de Plano Pro-Brasil. Ele sugere uma suplementação pífia de R$ 6 bi a programas já existentes de obras públicas nos próximos três anos, que totalizariam R$10 bi ao ano (0,1% do PIB). E pressupõe que a iniciativa privada completaria outros R$ 250 bi, assumindo concessões. Mas o setor privado que mal o fez na época de Dilma, frustrando seu PAC, fará menos ainda na grande crise atual.

O ministro Guedes não gostou nem de ouvir falar. O Pró-Brasil também não foi bem aceito pelo “mercado”, que exige o cumprimento do teto de gastos da EC-95, o qual poderia ser descumprido pelo projeto. Por isso, procuram limitar aumentos no déficit primário – que deve disparar este ano de 1,2% para cerca de 7% do PIB, na verdade, menos devido aos gastos e mais pela queda de arrecadação. Tudo para manter o país como um paraíso para a especulação.

Controle de capitais para financiar gastos
Para sair da crise, os gastos e investimentos públicos teriam de ser várias vezes maiores e duradouros. E pode-se sim financia-los: num primeiro momento, com a zeragem da taxa Selic, com a emissão massiva de moeda pelo BC, e a utilização de sua rentabilidade cambial (Conta de Equalização Cambial). Isso não elevaria a dívida pública nem, em meio à recessão, pressionaria a inflação. Pode-se ainda, complementarmente, emitir títulos, o que elevaria a dívida, mas, até certo limite, sem risco, pois a retomada econômica geraria receita tributária para estabiliza-la. Claro que uma reforma tributária progressiva (que elevasse imposto dos ricos) ajudaria muito, mas como outras reformas estruturais, não vai ser votada por estes deputados e senadores, o que remete a necessidade de outro governo e outro congresso – uma Assembleia Constituinte – comprometidos com a soberania.

Temos claro que os dispositivos mais acima, são limitados pela atual livre mobilidade de capitais.

Com mais moeda circulando e, portanto, com juros menores, os bancos e especuladores vão logo declinar da compra de títulos públicos, e assim, recusar a rolagem da dívida interna, levando seus investimentos para fora, numa fuga de capitais, pondo em xeque esta política econômica. Tal fuga já ocorre mundo a fora, e provocou, só neste ano no Brasil, saídas financeiras de US$ 32 bi desde o início do ano, enquanto o BC torrava US$18 bi de suas reservas para conter a alta do dólar. Vamos resistir (outro governo), ou ceder de novo ao mercado (Bolsonaro)?

As reservas de US$ 340 bi – equivalente quase R$ 1,9 trilhões, mais de um quarto do PIB – são imprescindíveis para garantir importações e compromissos externos, ainda mais com a queda atual das exportações.

Por isso, uma medida essencial preliminar é (re)estabelecer o controle de capitais e a centralização cambial (o governo fixa o preço e o BC vende dólares para fins necessários) de modo a impedir a saída especulativa de dólares.

O controle de capitais permitirá manter os recursos no país para canaliza-los ao financiamento do Tesouro e, assim, garantir o fluxo de investimentos estatais. Com reservas protegidas, a significativa parte ociosa delas também pode ser utilizada num fundo a investimentos produtivos que turbine a recuperação nacional.

Alberto Handfas

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