O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou, em setembro, uma nova resolução que tenta tirar das mulheres grávidas o direito de decidir sobre quais procedimentos médicos serão realizados em seu próprio corpo. Além das gestantes, apenas crianças, adolescentes ou pessoas desprovidas do pleno uso de suas faculdades mentais não têm, para o CFM, o direito a negar determinado tratamento médico. Mesmo em situações sem risco iminente de morte, o que é a única exceção para os demais adultos capazes e conscientes.
Além de tutelar as gestantes, o CFM oficializa seu entendimento que os riscos comprovados à saúde da mulher importam menos do que os supostos riscos ao feto.
Violência obstétrica
É o mesmo Conselho Federal que, em maio, em apoio ao Ministério da Saúde do governo Bolsonaro, se manifestou dizendo que o termo “violência obstétrica” deveria ser abolido.
Para o CFM, apesar de uma em cada quatro mães relatarem ter sofrido algum tipo de violência durante o parto (pesquisa da Fundação Perseu Abramo), o problema é que “o uso dessa expressão agride a comunidade médica”.
Os relatos sobre abusos tratam de violência física, humilhação e procedimentos desnecessários e/ou coercivos. São precisamente tais procedimentos, os quais muitos médicos já exercem sem consentimento e mesmo sem indicação médica real, que a resolução do conselho autoriza que sejam realizados à força.
Entre as intervenções que muitos profissionais alegam ser necessárias está a episiotomia (corte com bisturi na região do períneo). Em 2014, 54,5% das mulheres que tiveram parto normal sofreram este corte. Mas segundo a Organização Mundial de Saúde, apenas em 10% há indicação real do procedimento – alguns pesquisadores afirmam que não há qualquer indicação real.
Outros procedimentos são utilizados para iniciar o trabalho de parto ou para induzir o parto, como o hormônio ocitocina, o rompimento da bolsa e o descolamento de membranas. Mesmo que indicados em alguns casos, levam a consequências como o aumento da dor ou de riscos à mãe e ao bebê.
Com a resolução há ainda o risco de aumentar o número de cesáreas desnecessárias, se obstetras entenderam que é “abuso de direito” da gestante optar pelo parto normal. Em 2011, 53,7% dos partos no país foram realizados através de cirurgia cesariana (número que cresce ano a ano), enquanto a OMS preceita que a indicação real está presente em até 15% dos casos. Na rede privada, onde a cirurgia é realizada de forma eletiva, a percentagem foi de 83,8%! O problema é que em incontáveis casos é desejo da mãe passar por um parto normal, mas o obstetra arranja todo tipo de falsa justificativa, como quadril muito estreito ou circular de cordão, para agendar a cesárea, às custas das maiores chances de complicações em mães e filhos a curto e longo prazo.
Priscilla Chandretti
PL pode aumentar as cirurgias desnecessárias
Os deputados federais do PSL apresentaram um Projeto de Lei na Câmara que reproduz a lei aprovaA na Assembleia Legislativa de SP, de autoria de Janaína Pascoal (PSL) e sancionada pelo governador João Doria (PSDB). Ela permite a realização de cesáreas eletivas no SUS, a partir da 39ª semana de gestação. O pretexto é a “autonomia” da mulher sobre o parto, ignorando que na rede privada, onde já há cesáreas eletivas, grande parte são realizadas pela conveniência para o médico, o plano ou o hospital. Ignoram também que, mesmo no SUS, já se realiza a cesárea em milhares de casos nos quais não há indicação médica real. Por fim, ignoram o aumento do risco à saúde e à vida. Leia artigo sobre o Projeto de Lei em https://otrabalho.org.br/sp-gestante-em-risco-na-vitoria-do-obscurantismo-contra-a-ciencia/