Explodem casos de patrões coagindo empregados

A transportadora Transben, sediada em Brusque (SC), faz todo o transporte de mercadorias da rede de lojas Havan. Em um vídeo enviado a centenas de caminhoneiros, Adriano Benevutti, o dono da Transben, afirma que sua empresa vai organizar a escala para garantir a presença nas urnas de quem vota em Bolsonaro. Explicitamente, afirma que quem vota em Lula vai seguir viajando, de forma a se manter longe de seu domicílio eleitoral.

“Eu gostaria que todos ligassem para os seus gestores e falassem para os seus gestores onde que votam. Claro, os que votam no Bolsonaro. Os que votam no Lula podem continuar viajando […]. Nós vamos tentar organizar, levar você para perto de seu lugar de votação, para todos conseguirem votar”, diz no vídeo.

Benevutti é o cunhado de ninguém menos que o “véio” da Havan, Luciano Hang, que além de seu parceiro nos negócios e membro da família, é também seu exemplo na prática de assédio eleitoral.

Em maio deste ano, a Havan foi condenada por danos morais e assédio moral a uma funcionária, em decisão do Tribunal Regional do Trabalho a qual estabeleceu que Hang induziu seus empregados a votarem em Bolsonaro na eleição de 2018.

A Havan foi condenada a pagar uma indenização de… 30 mil reais!

Isso, quatro anos depois de Hang publicar um vídeo ameaçando os trabalhadores de demissão caso não votassem em seu candidato, ainda no primeiro turno, dando início a uma onda de coações por parte de empresários em todo o país. Naquele ano, foram denunciados ao Ministério Público 212 casos de assédio eleitoral, em 98 empresas, e o número real pode ter sido maior.

Como muito pouco, quase nada se fez a esse respeito – principalmente, como nada se fez para coibir o crime no tempo oportuno, enquanto ele podia influenciar o resultado eleitoral – a prática está crescendo em 2022. O número de denúncias explodiu no segundo turno das eleições e dobrou na última semana, chegando a 706 no dia 20 de outubro!

Ameaça ao emprego
“No dia que você não tiver mais emprego, você não vai poder reclamar”, afirma um gerente da empresa Imetame, de Aracruz (ES), em discurso feito aos funcionários. Essa é a ameaça generalizada, presente na maioria dos vídeos, comunicados internos, ou discursos feitos pelos patrões.

Em Nova Serrana (MG) um empresário do setor calçadista divulgou vídeo nas redes sociais ameaçando os trabalhadores de demissão em massa. Em Tijucas do Sul (PR), um dono de postos de gasolina publicou a afirmação de que vai demitir mais de 50 “colaboradores” caso “a esquerda ganhe”.

Em Balneário Pinhal (RS), durante sessão na Câmara Municipal, um vereador e empresário prometeu “fechar seu comércio” e “ser ruim” com os seus funcionários em caso de vitória de Lula.

Trabalhadores versus patrões
Em 10 de outubro, a Associação Comercial e Industrial de Caçador, no interior de Santa Catarina, a Câmara de Dirigentes Lojistas e a Associação de Micro e Pequenas Empresas da cidade realizaram uma reunião com empresários e políticos locais – e com um representante do Comando da Polícia Militar – na qual coordenaram estratégias para “virar voto dos trabalhadores”.

Os vídeos que vazaram do encontro mostram falas explícitas: “cada um de nós deve fazer um ‘trabalhozinho’ nas nossas empresas”, afirma um; “todo empresário deve pedir o voto para os seus colaboradores”, orienta outro. Ali também, agitam o espantalho do desemprego e da quebradeira geral, em caso da vitória de Lula. “[Tem que] jogar a responsabilidades pra eles [os trabalhadores] se a família amanhã vai passar fome ou ficar comendo cachorro igual está ocorrendo na Venezuela. ‘Ó, os responsáveis são vocês, porque vocês têm o direito de mudar o voto’”, disse um dos presentes.

Se os patrões bolsonaristas estão mobilizados em uma estratégia de coação e abuso do poder econômico para intervir nos rumos da eleição, os trabalhadores precisam se organizar para enfrentar as ameaças e garantir o livre exercício do voto.

Em Ubá (MG), o Sindicato dos Marceneiros denunciou o assédio eleitoral de empresas que afixaram avisos dizendo que se os trabalhadores não votarem em Jair Bolsonaro, as indústrias iriam fechar no final do ano. “O nome disso é covardia”, afirma José Carlos Reis Pereira, presidente do Sindicato e vereador na cidade pelo PT.

Em vídeo ele orienta os trabalhadores a denunciarem tais práticas ao Sindicato, garantindo o sigilo do trabalhador, explicando que “o trabalhador é livre para votar em quem quiser”. Orienta ainda a não aceitar reuniões a portas fechadas, a gravar vídeos, tirar fotos.

Eles receberam o apoio do deputado estadual Betão (PT-MG), que está buscando reunir materiais que comprovem o crime (áudios, vídeos, fotos, cópias dos avisos) para, junto com o sindicato, encaminhar as providências cabíveis contra o crime eleitoral. Ele destaca que a eleição de Lula representa justamente a luta pelos direitos dos trabalhadores, entre eles o voto livre.

Também a Central Única dos Trabalhadores (CUT) está chamando os trabalhadores a não aceitarem o assédio eleitoral e criou um canal de denúncias, sigiloso, em seu site. Os casos serão encaminhados ao Ministério Público do Trabalho (MPT). E o que acontece a partir daí?

Como enfrentar
O Ministério Público não tem poder de decisão sobre acusações de crimes. Ele pode acionar os acusados judicialmente, ou propor acordos.

O site do MPT noticia, por exemplo, uma ação civil pública movida contra a empresa de implementos agrícolas Stara, no município de Não-me-Toque (RS), frente a um comunicado na imprensa e nas redes sociais ao fornecedores da organização informando a possibilidade de redução de 30% dos investimentos, com impacto na cadeia, em decorrência do resultado da eleição.

Uma liminar foi concedida, determinando que a empresa deve abster-se “de adotar quaisquer condutas que, por meio de assédio moral, discriminação, violação da intimidade ou abuso de poder diretivo, intentem coagir, intimidar, admoestar e/ou influenciar o voto de quaisquer de seus empregados” e outros impedimentos. Ou seja, a decisão proíbe que a empresa não faça aquilo que a lei já classifica como crime.

A liminar determinou, ainda, a divulgação de comunicado “dando ciência aos empregados de que a livre escolha no processo eleitoral é um direito assegurado” e “que não serão tomadas medidas de caráter retaliatório”.

O objetivo final da ação é mais amplo: pede indenização para cada trabalhador de empresa e pagamento de dez milhões de reais a título de danos morais coletivos. Quanto a isso, o processo ainda vai seguir o rito judicial.

Esse é um caso em que a denúncia foi mais longe. Em vários outros, o MPT faz acordos (Termos de Ajustamentos de Conduta) com os empresários para que eles parem de cometer o crime e se retratem publicamente. Quando muito, que paguem uma campanha de divulgação. E fica por isso.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, reafirmou no dia 18 que assédio eleitoral é crime e “será combatido”. Ele pretende coordenar ações com o MP e se reunir… com as federações patronais do comércio e da indústria (IstoÉ, 18/10).

Na prática, neste momento, ainda que os trabalhadores possam vir a receber o suporte do MPT, são suas entidades de classe aquelas que eles devem poder contar. A CUT Nacional, em circular, afirma que além de encaminhar a denúncia ao Ministério Público, encaminhará às entidades filiadas “para que possamos fazer o nosso trabalho sindical nesses locais e mostrar a esses empresários desonestos que não ficarão impunes”.

É essa ação sindical coletiva, daqui até o dia 30, que pode peitar as coações. A presença dos dirigentes sindicais junto aos trabalhadores, o esclarecimento constante dos direitos e a disposição para denunciar abusos patronais, como no exemplo dos marceneiros de Ubá, pode dar a confiança necessária para não ceder às ameaças bolsonaristas.

Priscilla Chandretti

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