Há poucas semanas os partidos e governos mais engajados na política de guerra dentro da União Europeia, junto com seus representantes Macron, de direita, na França e Scholz, de “esquerda”, na Alemanha, sofreram uma derrota acachapante nas eleições europeias.
A leitura unilateral que prevaleceu na grande mídia, mas também em muitas organizações populares, foi a de que a extrema direita avançava e marchava a passos largos, como se esse “avanço” em alguns países fosse um produto do acaso ou uma inclinação geral do eleitorado à direita. A leitura é falsa e não faltam razões.
Houve votações expressivas à esquerda em diversas regiões, como nos países escandinavos, mas o principal fato foi o notável progresso de setores da esquerda tanto na França, quanto na Alemanha. Para não falar apenas da França Insubmissa (LFI), que obteve um milhão de votos a mais que na eleição anterior, o novíssimo partido de oposição antiguerra de Sahra Wagenknecht (BSW), formado apenas seis meses antes, consolidou-se como a segunda força de esquerda na Alemanha. As eleições antecipadas por Macron na França – que abriam as portas à extrema direita – reforçaram essa tendência: a Nova Frente Popular, na qual a LFI é a força mais expressiva, ganhou a maioria no Parlamento no segundo turno, sob forte mobilização popular (ver pág. 11).
Os analistas da grande mídia, uníssonos do “avanço galopante da extrema direita”, passaram a explicar que uma espécie de “frente ampla” de Macron com a esquerda impediu que os extremados de direita chegassem ao poder. Mas o contorcionismo não resiste à análise. Os derrotados, antes de tudo, são os senhores da guerra. Os que há anos aplicam a política da austeridade e da retirada de direitos para o aumento dos orçamentos militares. Orçamentos esses aplicados na guerra da Ucrânia e mais recentemente no massacre dos palestinos. E essa é a grande marca na situação: a resistência do povo palestino e a solidariedade mundial à causa, que vem colocando esses senhores nas cordas, encontrou eco nas campanhas dos setores da esquerda que cresceram.
Se de um lado a extrema direita busca surfar essa onda de rejeição, cabe aos partidos ligados à classe trabalhadora responder com uma linha clara de ruptura com a política de guerra, aos direitos e aos povos, do imperialismo. É a antiga mas muito atual conclusão: a de que os partidos que representam os trabalhadores têm necessidade de independência política da burguesia para apresentar um programa capaz de mobilizar as massas, colocá-las em luta e enfrentar as instituições, em vez de assumir para si a aplicação das políticas do capital financeiro. Esses resultados, mesmo que no terreno deformado das eleições, mostram um caminho.
Afinal, foi a adaptação às instituições do Estado, a covardia em enfrentá-las na luta por verdadeiras reformas, a adaptação ao ‘toma lá da cá’ no Congresso e à longeva tutela militar à República, que permitiu o acúmulo de frustrações com o PT, que foi a base do golpe de 2016 e da ascensão ao governo da extrema direita bolsonarista. Por outro lado, foi a força da classe trabalhadora e dos oprimidos, e não as amplas alianças, que permitiu a vitória eleitoral de 2022 e a resistência ao golpe que se gestava. É a adaptação a essas instituições, umbilicalmente ligadas ao imperialismo dos EUA, que também faz com que Lula não anuncie a necessária ruptura com Israel perante o genocídio palestino.
Afirmá-lo é importante, porque o terceiro governo Lula, um ano e meio depois, aprofunda a sua política de conciliação e negociatas no Congresso, enquanto o povo, a cada vez que luta por suas reivindicações, choca-se com as podres instituições do país. Foi assim com a greve da educação federal, cujas reivindicações eram negadas pelo governo em nome do Novo Arcabouço Fiscal aprovado pelo Congresso. É assim também na questão do PL 1904, cuja batalha pelo arquivamento continua e é ainda mais evidente na questão da luta contra a Reforma do Ensino Médio, golpeada pelo imperador Lira na Câmara, sem qualquer reação digna do líder do governo e com apoio do ministro da Educação (!).
Essa é a contramão de um programa capaz de mobilizar as massas e ajudá-las a enfrentar essas instituições. Pelo contrário, pavimenta a volta dos inimigos. O caminho que Lula precisa trilhar é o de reatar com os anseios dos que o deram a vitória e o de sintonizar com a resistência ao massacre do povo palestino que se expressa mundialmente.