Há 70 anos acabava a Segunda Guerra Mundial

Foi a URSS que jogou o papel central na derrota do nazismo; mérito de Stálin?

O 70º aniversário do final da Segunda Guerra Mundial foi comemorado na Europa ocidental, em 8 de maio e na Rússia e demais países que fizeram parte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 9 de maio.

O papel da URSS na derrota do nazismo se traduz em números: 74% das baixas sofridas pelo exército alemão foram provocadas pelo exército soviético, tendo ocorrido na chamada “frente oriental”. Para os russos e demais nacionalidades que compunham a URSS, tratou-se da “Grande Guerra Patriótica”. A capital do 3º Reich de Adolf Hitler, Berlim, foi ocupada pelo Exército Vermelho.

Assim, diferentemente do que se tornou moeda corrente nos EUA e seus aliados europeus que atribuem a si a vitória sobre o nazismo, foi a URSS que decidiu a guerra. E essa vitória seria fruto da genialidade de Stálin, como proclamavam os partidos comunistas e historiadores oficiais da URSS? Nada mais falso, como demonstra o texto do historiador francês Jean Jacques Marie, publicado em “Informações Operárias”, do qual reproduzimos os trechos abaixo:

“A comemoração da derrota da Alemanha nazista reanima, uma vez mais, a lenda de uma vitória do Exército Vermelho graças aos talentos militares de Josef Stálin. A realidade é que essa vitória custou caro em vidas humanas para a URSS: 27 milhões de mortos, sem contar os feridos e mutilados. Ela foi obtida não graças a Stálin, mas apesar dele. Por conta dos interesses da burocracia e de seu próprio poder, entre 1937e 1939 Stálin dizimou o alto comando do Exército Vermelho e seu corpo de oficiais. A partir da assinatura do pacto germano-soviético em 1939, Stálin chegou a proibir a propaganda antifascista, inclusive do Partido Comunista alemão, reforçando o regime de Hitler.

Em 1º de dezembro de 1940, a URSS invadiu a Finlândia, mas seu exército, desorganizado pelas depurações e sem um comando experiente, sofre pesadas baixas durante quatro meses, revelando sua fragilidade e encorajando Hitler a romper o pacto e atacá-la.

Em dezembro de 1940, o governo nazista adota o “Plano Barbarossa” de invasão da URSS. Stálin não toma qualquer medida de defesa, esperando que Hitler não rompa o pacto de não agressão, já que a Alemanha dependia do envio pela URSS de minérios e provisões. Tampouco deu ouvidos a seus embaixadores e serviços secretos, que alertavam a iminência de uma invasão nazista. Stálin também não reagiu diante de 324 casos de violação do espaço aéreo soviético pela Luftwaffe  – a força aérea alemã – entre 1º de janeiro e 22 de junho de 1941.

Em 22 de junho, às três horas da manhã, quando Stálin é informado que a Wehrmacht (exército alemão) havia entrado na URSS, fica horas sem dar ordem de reagir, o que permite à aviação alemã destruir mais de mil aviões soviéticos no solo.

A ofensiva da Wehrmacht, diante da falta de preparação da URSS, permite a captura de centenas de milhares de soldados soviéticos. Stálin, no Kremlin (sede do governo), qualifica de traidores as vítimas de sua própria irresponsabilidade. Depois o “estrategista genial” proíbe qualquer recuo das tropas.

Em 29 de julho, Zhukov (comandante do Exército Vermelho), vendo que seu exército do sudoeste seria cercado pelos alemães, propõe reagrupa-lo atrás do rio Dnieper e a abandonar Kiev (capital da Ucrânia) que seria indefensável. Stálin demite Zhukov e exige de Kruschev (que irá sucedê-lo no comando da URSS em 1953) defender Kiev a qualquer custo. Em 10 de setembro os tanques alemães perfuram as linhas soviéticas, mas Stálin proíbe que a cidade seja evacuada, o que resulta em 500 mil soldados soviéticos prisioneiros, e assim continuou até a batalha de Stalingrado.

A batalha de Stalingrado

Em maio de 1942, a URSS se encontra numa terrível situação: o exército alemão se dirige para o rio Volga e os territórios do Cáucaso. O exército soviético está à beira de desmoronar. Ao longo deste ano de 1942, Stálin manda fuzilar 32 generais que julga culpados pelas derrotas provocadas pelas suas decisões. O próprio Zhukov, mais tarde, critica-o por ter exigido no início do conflito “prazos de preparação e execução das operações impossíveis de realizar”, o que “provocou grandes perdas em homens e meios materiais”.

Os alemães começam a cercar Stalingrado desde setembro de 1942. Stálin passa então a confiar as decisões a um pequeno círculo de chefes militares, dentre eles Zhukov e Vassilievski que lhe trazem o plano do contra-ataque em Stalingrado.

A derrota alemã e a rendição do marechal Paulus, em janeiro de 1943, marcam uma virada na guerra. Virada moral, política e militar. O que não impediu Stálin de continuar seus jogos burocráticos custosos em vidas humanas. Durante os cinco meses da batalha de Stalingrado, 13.500 soldados e oficiais foram fuzilados pela NKVD (polícia política) acusados de covardia, deserção, recuo sem autorização e automutilação.

Em 25 de junho de 1945, Stálin se proclama “generalíssimo”. A URSS pagou a vitória contra Hitler com 27 milhões de mortos. O país vitorioso estava arruinado, faminto e no limite de suas forças. Esse enfraquecimento contribuiu também para que o primeiro culpado por essa situação, Stálin, e a burocracia por ele dirigida, se mantivessem no poder”.



Trotsky e a defesa da URSS

Antes de ser assassinado por um agente de Stálin em seu exílio mexicano em agosto de 1940, Trotsky orientou a 4a Internacional a defender a URSS em caso de agressão militar de Hitler. Seu livro “Em defesa do marxismo” (setembro de 1939) é dedicado a polemizar contra os que traçavam um sinal de igual entre Stálin e Hitler (trechos abaixo):

“O que defendemos na URSS? Não são aquelas coisas nas quais a URSS se parece com os países capitalistas, mais precisamente aquilo em que ela se diferencia destes – a propriedade estatal. (…)

Suponhamos que Hitler aponte seus canhões para o Leste e invada os territórios ocupados pelo Exército Vermelho. Sob estas condições, os partidários da 4a Internacional, sem modificar de forma alguma sua atitude frente à oligarquia do Kremlin, colocarão como a mais urgente tarefa do movimento, a resistência militar contra Hitler. Os operários dirão: ‘Não podemos deixar que Hitler derrote Stálin; isso é tarefa nossa’. Durante a luta militar contra Hitler, os operários revolucionários devem se esforçar para manter as relações, as mais fraternas possíveis, com a base dos lutadores do Exército Vermelho. Enquanto isso com as armas nas mãos, lutam contra Hitler, os bolcheviques deverão ao mesmo tempo, fazer propaganda revolucionária contra Stalin, preparando sua derrota para a próxima, e talvez muito próxima, etapa.

Este tipo de ‘defesa da URSS’, naturalmente será diferente – tanto quanto o céu é diferente da terra – da defesa oficial que agora é levada a cabo sob o lema: ‘Pela Pátria! Por Stálin! ’. Nossa defesa da URSS é colocada sob o lema: ‘Pelo socialismo! Pela Revolução Mundial! Contra Stálin’. ”

artigo originamente publicado na edição nº 766 de 21 de maio de 2015 do jornal O Trabalho.

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