Lenin: Em memória da Comuna!

Neste ano se completam 147 anos da Comuna de Paris.

Durante 71 dias, Paris viveu o primeiro governo operário da história. A insurreição começou em 18 de março de 1871, quando operários e operárias parisienses, esfomeados por meses de cerco prussiano à cidade, confraternizam-se com os soldados enviados para lhes tomar os canhões, que eles tiveram que pagar do próprio bolso, em razão da incúria do governo provisório burguês.

Nem a população e nem os soldados sabiam que estavam em vias de constituir o primeiro governo operário da história. Um governo que iria durar pouco mais de dois meses até ser esmagado em sangue em condições tais que, até hoje, cento e quarenta anos depois, é impossível ler sem emoção e raiva, a descrição das execuções, linchamentos, fuzilamentos em massa – que atingiram o paroxismo criminoso na chamada Semana Sangrenta, de 21 a 28 de maio.

Desde o início, da eleição e da regra de revogabilidade dos mandatos para o Conselho da Comuna, desde a instituição dos delegados operários pelos próprios operários, todos se davam conta de que era uma revolução de um novo tipo. E que, pela primeira vez, os operários não iriam combater para depois a burguesia tirar proveito, como aconteceu em 1830, ou em fevereiro de 1848 ou ainda setembro de 1870. Tratava-se da instauração de uma nova ordem, pelo proletariado, para o proletariado.

Em homenagem a comuna, apresentamos abaixo o texto de Lênin, publicado pela primeira vez em 1911 “Em memória da Comuna”.


Em memória da Comuna – Lênin (1911)

Viva a comuna

Passaram-se 40 anos desde que se proclamou a Comuna de Paris. Seguindo o costume, o proletariado francês honrou com comícios e manifestações a memória dos homens da revolução de 18 de março de 1871. No final de maio voltará a levar coroas de flores às tumbas dos communards fuzilados durante a terrível semana de maio e a jurar diante daquelas tumbas que lutará com firmeza até lograr o triunfo completo de suas idéias, até dar por cumprida a obra por eles legada.

Por que, pois, não só o proletariado francês, senão o de todo o mundo rende homenagem aos homens da Comuna como a seus precursores? Qual é a herança da Comuna?

A Comuna surgiu de maneira espontânea, ninguém a preparou de modo consciente e sistemático. A funesta guerra com a Alemanha, os sofrimentos do assédio, o desemprego operário e a ruína da pequena burguesia; a indignação das massas contra as classes superiores e as autoridades que haviam demonstrado uma incapacidade absoluta; a surda efervescência no seio da classe operária, descontente de sua situação e ansiosa por um novo regime social; a composição reacionária da Assembléia Nacional, que fazia temer os destinos da república foram as causas que concorreram com outras muitas para impulsionar a população parisiense para a revolução do 18 de março, que pôs de improviso o poder nas mãos da Guarda Nacional, em mãos da classe operária e da pequena burguesia, que havia aderido aos operários.

Foi um acontecimento histórico sem precedentes. Até então, o poder estivera, em geral, nas mãos dos latifundiários e dos capitalistas, quer dizer, de seus mandatários, que constituíam o chamado governo. Depois da revolução de 18 de março, quando o governo do senhor Thiers fugiu de Paris com suas tropas, sua polícia e seus funcionários, o povo ficou dono da situação e o poder passou para as mãos do proletariado. Porém, na sociedade moderna, o proletariado, avassalado no econômico pelo capital, não pode dominar na política se não rompe as cadeias que o atam ao capital. Daí que o movimento da Comuna deveria adquirir inevitavelmente um matiz socialista, quer dizer, deveria tender ao aniquilamento do domínio da burguesia, da dominação do capital, à destruição das próprias bases do regime social contemporâneo.

Em seu início tratou-se de um movimento heterogêneo e confuso ao extremo.

A ele somaram-se também os patriotas com a esperança de que a Comuna renovasse a guerra contra os alemães e levasse a um desenlace venturoso. Apoiaram-no também os pequenos lojistas, em perigo de arruinamento se não se adiasse o pagamento das letras vencidas e dos aluguéis (adiamento que lhes era negado pelo governo, mas que a Comuna lhes concedeu). Por último, no começo, também simpatizaram em certo grau com ele os republicanos burgueses, temerosos de que a reacionária Assembléia Nacional (a vilanagem, os violentos latifundiários) restabelecesse a monarquia. Porém, o papel fundamental nesse movimento foi desempenhado, naturalmente, pelos operários (sobretudo os artesãos parisienses), entre os quais se havia espalhado, nos últimos anos do Segundo Império da França, uma intensa propaganda socialista, estando muitos deles inclusive filiados à I Internacional (Associação Internacional dos Trabalhadores).

Unicamente os operários guardaram fidelidade à Comuna até o fim. Os republicanos burgueses e a pequena burguesia não tardaram em afastar-se dela: uns assustaram- se com o caráter revolucionário socialista do movimento, com seu caráter proletário; outros se afastaram dela quando viram que estava condenada a uma derrota inevitável. Unicamente os proletários franceses apoiaram a seu governo sem temor nem desmaio, só eles lutaram e morreram por ele, quer dizer, pela emancipação da classe operária, por um futuro melhor para todos os trabalhadores.

Abandonada por seus aliados de ontem e sem contar com nenhum apoio, a Comuna tinha de ser derrotada inevitavelmente. Toda a burguesia francesa, todos os latifundiários, especuladores da bolsa e fabricantes, todos os grandes e pequenos ladrões, todos os exploradores uniram-se contra ela. Com a ajuda de Bismarck (que pôs em liberdade 100 mil soldados franceses, prisioneiros dos alemães, para esmagar a Paris revolucionária), essa coalizão burguesa logrou confrontar com o proletariado parisiense os camponeses atrasados e a pequena burguesia de províncias e cercar meia Paris com um anel de ferro (a outra metade havia sido cercada pelo exército alemão). Em algumas cidades importantes da França (Marselha, Lyon, Saint- Etienne, Dijon e outras), os operários também tentaram tomar o poder, proclamar a Comuna e acudir a Paris, porém tais intentos logo fracassaram. E Paris, que havia sido o primeiro local a desfraldar a bandeira da insurreição proletária, ficou abandonada a suas próprias forças e condenada a uma morte certa.

Para que uma revolução social triunfe são necessárias, pelo menos, duas condições: um alto desenvolvimento das forças produtivas e um proletariado preparado para ela. Contudo, em 1871, não se deu nenhuma dessas condições. O capitalismo francês encontrava-se ainda pouco desenvolvido, a França era, então, fundamentalmente um país de pequena burguesia (artesãos, camponeses, lojistas, etc.). Por outra parte, não existia um partido operário, a classe operária não tinha preparação nem havia passado por um largo treinamento e, em sua massa, sequer havia noção totalmente clara de quais eram seus objetivos nem como se poderia alcançá-los. Não havia uma organização política séria do proletariado nem grandes sindicatos e cooperativas…

Entretanto, o que faltou principalmente à Comuna foi tempo, desafogo para perceber bem como iam as coisas e empreender a realização de seu programa.Apenas ela pôs mão à obra, o governo, entrincheirado em Versalhes e apoiado por toda a burguesia, desencadeou as hostilidades contra Paris. A Comuna teve de pensar, antes de tudo, em sua própria defesa. E até o final mesmo, que ocorreu na semana de 21 a 28 de maio, não houve tempo para pensar seriamente em outra coisa.

Por certo, em que pese a essas condições tão desfavoráveis e à brevidade de sua existência, a Comuna teve tempo de aplicar algumas medidas que caracterizam bastante seus verdadeiros sentido e objetivo. Substituiu o exército permanente, instrumento cego em mãos das classes dominantes, pelo armamento de todo o povo; proclamou a separação da Igreja do Estado; suprimiu a subvenção ao culto (quer dizer, o soldo que o Estado pagava aos padres) e deu um caráter estritamente laico à instrução pública, com o que assestou um rude golpe aos soldados de batina. Pouco foi o tempo para se fazer algo no terreno puramente social, porém esse pouco mostra com suficiente clareza seu caráter de governo popular, de governo operário: foi suprimido o trabalho noturno nas tarefas; foi abolido o sistema das multas, consagrado pela lei, com que se vitimavam os operários; finalmente, foi promulgado o famoso decreto de entrega de todas as fábricas e oficinas abandonadas ou paralisadas por seus donos às cooperativas operárias com o fim de retomar a produção. E para sublinhar, como se disséssemos, seu caráter de governo autenticamente democrático, proletário, a Comuna dispôs que a remuneração de todos os funcionários administrativos e do governo não fosse superior ao salário normal de um operário, nem passasse em nenhum caso dos 6.000 francos anuais (menos de 200 rublos ao mês).

Todas essas medidas mostravam com farta eloqüência que a Comuna constituía uma ameaça de morte ao velho mundo, baseado no avassalamento e na exploração. Essa era a causa de a sociedade burguesa não poder dormir tranqüila enquanto o Ajuntamento de Paris ostentasse a bandeira vermelha do proletariado. E quando a força organizada do governo pôde, afinal, dominar a força mal organizada da revolução, os generais bonapartistas, esses generais batidos pelos alemães e garbosos frente a seus compatriotas vencidos, os Rennen-kampf e Méller-Zakomelski franceses fizeram uma matança como jamais se havia visto em Paris. Cerca de 30 mil parisienses foram mortos pela soldadesca enfurecida; uns 45 mil foram detidos, executados logo muitos e desterrados ou enviados a trabalhos forçados milhares deles. No total, Paris perdeu 100 mil filhos, entre os quais se encontravam os melhores operários de todos os ofícios. A burguesia estava satisfeita. ?Agora, acabou-se com o socialismo, por muito tempo!?, dizia seu sanguinário chefe, o diminuto Thiers, quando ele e seus generais afogaram em sangue a sublevação do proletariado de Paris. Mas de nada serviram os grunhidos desses corvos burgueses. Não passariam ainda seis anos da derrocada da Comuna, ainda se achavam muitos de seus lutadores em presídio ou no exílio, quando na França iniciou-se um novo movimento operário. A nova geração socialista, enriquecida com a experiência de seus predecessores e em absoluto desencorajada pela derrota que sofreram, recolheu a bandeira caída das mãos dos combatentes da Comuna e levou-a adiante com firmeza e valentia ao grito de Viva a revolução social! Viva a Comuna! E três ou quatro anos mais tarde, um novo partido operário e a agitação levantada por este no país obrigaram as classes dominantes a pôr em liberdade os communards que o governo ainda mantinha presos.

Honram a memória dos combatentes da Comuna não só os operários franceses, senão também o proletariado de todo o mundo, pois ela não lutou apenas por um objetivo local ou nacional estreito, mas pela emancipa ção de toda a humanidade trabalhadora, de todos os humilhados e ofendidos. Como combatente de vanguarda da revolução social, a Comuna granjeou a simpatia onde quer que sofra e lute o proletariado. O quadro de sua vida e de sua morte, o exemplo de um governo operário que conquistou e reteve em suas mãos durante mais de dois meses a capital do mundo e o espetáculo da heróica luta do proletariado e seus padecimentos depois da derrota têm levantado a moral de milhões de operários, têm alentado suas esperanças e têm ganho suas simpatias para o socialismo. O troar dos canhões de Paris despertou de seu profundo sono às camadas mais atrasadas do proletariado e deu em todas as partes um impulso à propaganda socialista revolucionária. Por isso não morreu a causa da Comuna, por isso segue vivendo até hoje em dia em cada um de nós.

A causa da Comuna é a causa da revolução social, é a causa da completa emancipação política e econômica dos trabalhadores, é a causa do proletariado mundial. E neste sentido é imortal.

 

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