Manaus: um testemunho

Mônica Portugal, moradora de Manaus e membro dos Auditores pela Democracia, nos manda o depoimento abaixo acerca da tragédia do Amazonas e de Manaus, em particular.

“O colapso da saúde em Manaus era “pedra cantada”, expressão muito usada no jogo de dominó, apreciado na cidade dos manauaras. Mas não se trata de um jogo, estamos falando de vidas, e o Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em visista a Manaus, no começo desta semana (11 de janeiro), já sabia que, no ápice da pandemia no ano passado, o sistema já estava funcionando à exaustão, não havia insumos suficientes, não havia profissionais suficientes, lembrando que os estrangeiros vinculados ao programa Mais Médicos foram praticamente expulsos da região.

O ministro já sabia que em 2020, houve um aumento de 38% de mortes em casa, segundo dados da Associação Nacional dos Cartórios, o ministro já conhecia sobre os enterros coletivos em valas comuns, sem identificação, conforme cenas que correram o mundo no ano passado. Contudo, ele não quis saber ou desdenhou as “pedras cantadas”. Fez ouvidos de “mercador”, não era com ele ou não se interessou pelo tema, acompanhando, com fidelidade canina, o presidente, e esquecendo que conduz o Ministério da Saúde, peça chave nas políticas públicas no combate à pandemia. Mostrou total incapacidade para resolver qualquer pleito apresentado pelos profissionais da área de saúde, os quais sinalizavam o iminente colapso, e só sugeriu o “tratamento precoce”, ou seja, o general ministro que deveria apresentar um planejamento, uma solução para evitar a morte por asfixia do sistema, foi além, ao permitir que as pessoas morressem por asfixia.

O governador deve ter dito que tentou fechar o comércio, mas precisou retroceder por pressão dos empresários, e a contaminação correu solta; o prefeito deve ter dito que o sistema já não vem funcionando há tempos e que herdou o caos nas unidades vinculadas à estratégia básica de saúde, com o sistema das “casinhas da saúde” (o PSF de Manaus), funcionando precariamente, já que o ex-prefeito, Arthur Virgílio Neto, nos oito anos de sua gestão, atuou basicamente para destruir a ponte direta entre a comundiade e a saúde da família, ao tirar a autonomia do sistema de casinhas. Enfim, cada um com uma desculpa bem esculpida, cada um se desfazendo de suas responsabilidades.

Há muito se sabe que o sistema de saúde no Amazonas, vem funcionando de modo precário, com a gestão terceirizada nas unidades de saúde do estado, reservando uma parcela majoritária dos recursos para as cooperativas de trabalho, muitas das quais funcionam efetivamente como empresas de mão-de-obra. Os remédios que deveriam atender a demanda pelo período de um mês, não chegam a 15 dias, filas intermináveis para consultas e tratamentos fazem parte da rotina. A distância, as dificuldades de transportes, a incipiente rede hospitalar no interior do estado, nas comunidades indígenas e ribeirinhas compõem o quadro cruel de abandono dessas comunidades. Apenas no período da vigência do programa Mais Médicos é que houve uma relativa melhora dessa situação. Sendo que, mesmo depois do rompimento do contrato com esses profissionais, com a chancela do presidente, muitos ainda tentaram se apresentar para ajudar durante o pico da pandemia no ano passado, mas foram rejeitados pelo sistema de saúde no estado. Há ainda o agravante ideológico, pois em Manaus o poder de comunicação e persuasão de determinadas igrejas evangélicas, aliadas ao discurso bolsonarista é forte, o que amplia atos e palavras do presidente, em suas encenações contra a ciência, e contra os apelos de profissionais da área de saúde.”

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