Com os sintomas da crise dando novos alarmes no Brasil, as quatro perguntas e quatro respostas aqui publicadas visam ajudar a compreensão de alguns mecanismos que sustentam a especulação financeira, cujo predomínio é a característica da fase imperialista do capitalismo. Eles estão na base da crise mundial do sistema que, para sobreviver, aprofunda a especulação, avança contra a soberania nacional, o emprego e os direitos dos trabalhadores.
1 – O QUE É A GUERRA CAMBIAL?
A imprensa no mundo todo anuncia o acirramento das disputas comerciais através da “guerra cambial”. Governos de países imperialistas, EUA, de países da Europa e Japão desvalorizam suas moedas para baratear exportações e tentar ganhar na competição internacional, num mercado limitado pela própria natureza do capitalismo.
Já o Brasil, subordinado ao imperialismo, é vitima de tal guerra e tem ficado, como nunca, com um real caro frente às moedas estrangeiras.
Há uma enxurrada de dólares chegando ao país. Trata-se de maciça entrada de capital especulativo, atraído pela taxa de juros, que continua alta. Só em fevereiro último, cerca de sete bilhões de dólares entraram a mais do que saíram. Mais de dois terços disso são aplicações financeiras – títulos de dívida, boa parte de curto prazo.
O outro terço são investimentos diretos de multinacionais. Mas, mesmo elas estão especulando ao invés de investir na produção. O diretor-financeiro da Coca-Cola disse que 30% do caixa mundial da empresa está aplicado no Brasil, pois “os juros que estamos coletando no Brasil são bem altos” (Valor Econômico, 23/02/12).
Ou seja, especuladores tomam dólares emprestado nos EUA, Europa e Japão, onde a taxa de juros é de cerca de 1% e vem ao Brasil reemprestar ao governo daqui, que paga juros dez vezes maior! E quem paga a conta é o povo – (quase metade do orçamento da união vai para pagar juros e dívida). Pior, são capitais de curto prazo que, com qualquer marola, podem fugir tão rápido quanto entraram.
Além disso, desde a crise de 2008, os bancos centrais daqueles países estão despejando dinheiro para ajudar bancos privados e, em tese, incentivá-los a emprestar às empresas de lá. Estas, contudo, não se interessam em investir na produção em meio à recessão. O resultado, portanto é que as autoridades lá aumentam a oferta de suas moedas à especulação e, de quebra, desvalorizam-nas. Assim declaram “guerra cambial” elevando artificialmente a competitividade de suas exportações.
Há duas semanas o Banco Central Europeu emprestou mais 530 bilhões de euros a 800 bancos do continente. Boa parte está vindo ao Brasil.
2. Como tal “guerra” atinge a indústria brasileira?
Com tanto dólar barato entrando no Brasil, fica bem mais barato importar do que produzir no país. Não por acaso, o PIB, tudo aquilo que se produz no Brasil em um ano, desacelerou em 2011, crescendo apenas 2,7%. Isso é bem menos que os 4,5% de crescimento médio dos sete anos anteriores.
Esse desaquecimento da atividade é, sobretudo, causado pela queda da produção industrial: entre 2010 e 2011, a fatia da indústria no PIB recuou de 16,2% para 14,6% — veja a curva (cheia) no gráfico.
Não porque os brasileiros consumiram menos produtos industriais – – as vendas no varejo cresceram mais de 7%. Mas por que uma parte bem maior das manufaturas (produtos industrializados) aqui consumidas veio de fora.
Ou seja, o que os brasileiros consomem a mais não está gerando emprego no Brasil.
O país continua a exportar enormes montantes de produtos agrícolas e minérios, as chamadas commodities, com baixo valor agregado. Isso garante que a balança comercial (exportação menos importação) e o próprio crescimento do PIB mantenham- se positivos. Mas as importações de bens de consumo, similares ao que se produz (ou que se poderia produzir) no Brasil, está em disparada – veja a curva (pontilhada) no gráfico.
Os investimentos também não crescem, mantendo-se em cerca de 19% do PIB – na China hoje eles são mais de 40% (e no próprio Brasil eles já tinham atingido os 28% nos anos 1970). Desde quando a indústria apanha das importações? Até os anos 80, cerca de 95% das manufaturas que consumíamos era produto brasileiro.
3. Desde quando a indústria apanha das importações?
No início dos anos 90, a “abertura comercial” de Collor quebrou a proteção tarifária à indústria nacional — existente desde os anos 50. Já FHC, com o Plano Real, manteve por anos juros altíssimos, atraindo investimentos especulativos de fora. Encharcou o país com dólares, o qual ficou barato frente ao real. Isso tornava bens importados uma pechincha, impossibilitando ao equivalente produzido no país de competir.
Dados da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) mostram que entre o final dos anos 80 até 1998 a parcela (“penetração”) de importados na demanda interna total de manufaturas quase dobrou, ultrapassando os 12%.
No governo Lula, e também Dilma, o dólar voltou a ficar muito barato. Em 2009, tal “penetração” saltou para 15% e em 2011 atingimos os 21%, um recorde jamais atingido desde que o pais se industrializou!
4. Como lutar na “guerra cambial”?
Tentando conter o barateamento excessivo do dólar, o governo brasileiro elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para empréstimos externos com prazos de até cinco anos. Isso inibiria as entradas de capital especulativo. Além disso, o Banco Central tem comprado mais dólares e começou a lentamente baixar os juros. Evita porém uma queda mais rápida com medo de afugentar capitais e impedir o governo de rolar sua dívida.
Mas são passos muito tímidos que mal surtiram efeito. Afinal trata-se de uma guerra que está quebrando a indústria brasileira – e os milhões de trabalhadores nela empregados. Trata-se, portanto de defender a nação e, assim, a soberania sobre sua moeda.
Isso exige no mínimo aprovar uma lei que estabeleça o controle cambial e do fluxo de capitais estrangeiros. Aliás, nenhuma novidade. O próprio Brasil já o fez por décadas – durante o processo de industrialização. Mas agora implica bater de frente com os grandes bancos privados, que defendem o “livre” mercado do câmbio – no qual eles podem especular e manipular.
Por exemplo, o Banco Central fixaria taxas de câmbio diferenciadas. Se é para exportar, usa-se um certo preço do dólar. Se é para importar artigos que o Brasil já produz ou pode produzir, utiliza-se um dólar extremamente alto e, assim, protegese a indústria e o emprego doméstico. Se é para trazer capital externo, faz-se uma triagem: se for financeiro (títulos de dívida), proíbe-se sua saída antes de um longo prazo. Isso impediria a especulação e a fuga de capitais quando a onda de liquidez passar. Se vier para investimento direto, impõe-se que seja peremptoriamente aplicado na produção sob controle da nação: garantia de criação de empregos, acesso à tecnologia, ao controle proprietário, obedecendo a estratégia de desenvolvimento e distribuição de renda etc.
Escrito por Alberto Handfas