Volkov faleceu nesta sexta-feira, 16, aos 97 anos de idade. Publicamos a seguir a nota da Casa-Museu Leon Trotsky, insitituição da qual foi fundador e diretor.
Abaixo, republicamos a entrevista que Esteban concedeu à revista A Verdade edição 103, no final de 2019.
Nota da Casa-Museu Leon Trotsky
A sua morte deixará um profundo vazio que será muito difícil de preencher. O seu humor, sorriso e olhar eram parte desse semblante amável e firme com o qual se apresentava diante da gente no museu, nas centenas ou milhares de conferências que deu, nos documentários e na sua vida diária.
Desde o assassinato de seu avô, o dirigente revolucionário Leon Trotsky, assumiu a tarefa mais importante da sua vida, a defesa das ideias e da trajetória de seu avô.
Apesar de ser um pai e profissional bem sucedido, a sua maior atenção sempre foi manter essa memória vida, a bandeira limpa de Leon Trotsky.
Na sua luta, fundou a Casa Museu Leon Trotsky a qual dirigiu até há poucos anos atrás. Don Estevan, como lhe chamávamos no Museu, era a alma deste espaço, sem esse ímpeto e caráter, o museu teria fracassado na sua tarefa, devemos-lhe tudo que somos hoje como instituição.
Esta tristeza que nos embarga será convertida em energia, a qual nos servirá para manter o seu legado à tona.
A sua família biológica, seus amigos e companheiros do Museu Casa León agradecem profundamente as manifestações de carinho recebidas até ao momento. Nas próximas horas anunciaremos os próximos eventos que organizaremos em homenagem a Don Estevan, para lembrá-lo sempre.
Agora o seu corpo descansa ao lado dos seus pais e avôs, todos eles grandes mártires da luta por um mundo melhor. Esse sonho continuará a guiar as tarefas deste espaço.
Entrevista de Esteban Volkov para a revista A Verdade, concedida em 2019
Na ocasião do aniversário do assassinato de Leon Trotsky pelo agente do stalinismo Ramón Mercader, publicamos a entrevista que nos concedeu Estéban Volkov, neto de Trotsky. Em 28 de março de 2019, nosso camarada Xabier Arrizabalo apresentou seu livro “Lições da Revolução Russa” na Casa-Museu Léon Trotsky, em Coyocan, no México. E, em nome de “A Verdade”, revista teórica da 4ª Internacional, entrevistou, em 30 de março, Estéban Volkov, neto de Trotsky. Participou também da entrevista a diretora do museu, Gabriela Perez Noriega.
O objetivo da entrevista: combater, por meio de seu testemunho direto, o caráter de provocação grosseira que é a série “Trotsky”, produzida pelo canal estatal russo RT, e transmitida internacionalmente pela Netflix. Sua manipulação dos fatos é comprovada particularmente pela maneira com que trata o assassinato de Leon Trotsky, como explica em detalhes Volkov em sua entrevista, revelando a base falaciosa sobre a qual toda a série se baseia: uma falsificação histórica que só pode obedecer ao medo de Trotsky, e, com ele, da revolução, que permanecem como uma referência na luta dos explorados por sua emancipação. Agradecemos ao camarada Álvaro Laine pela transcrição da entrevista, da qual publicamos extratos.
A Verdade – Antes de tudo, agradecemos por nos conceder essa entrevista de forma tão acolhedora e hospitaleira. É uma honra estar aqui com você. Pensamos que fazer certo número de questões sobre o que eu não sei exatamente como chamar – “série”, “filme” ou se o melhor seria “provocação direta” –, em razão do que foi explicado na declaração que você divulgou e da qual eu também sou signatário. Uma provocação cuja origem tem de ser procurada no círculo próximo a Putin (presidente da Rússia, NdT), relacionada à tentativa histórica de querer silenciar Trotsky, depois de não tê-lo conseguido nem com seu assassinato. É por isso que, novamente, temos diante de nós manipulações e calúnias.
Minha primeira pergunta: como e quando vocês foram informados sobre o projeto? Porque, ao que eu sei, os responsáveis fizeram contato com vocês, mas negando o acesso ao cenário e depois recusando cada uma das considerações que vocês enviaram em nome da Casa-Museu Leon Trotsky, considerações que não se baseavam em opiniões, mas em fatos comprovados. Isso está correto?
Gabriela Pérez Noriega – Sim. Sobre esta questão da edição da série da Netflix, a ideia deles era justamente fazer um filme aqui, dentro de um projeto sobre o centenário da Revolução Russa. De início, solicitamos que fosse um projeto complemente sem fins lucrativos, o que foi o primeiro obstáculo, porque esse não era o propósito deles. Facilitamos as coisas, não fazendo disso um problema, mas apontamos que o projeto não estava absolutamente de acordo com a verdade histórica. Foi então que se retiraram e entraram em contato com uma empresa mexicana de produção, que veio nos procurar com os mesmos argumentos, e mais uma vez insistimos que era necessário mudar o cenário. Não foi possível nenhum acordo, e o fato é que, logo em seguida, essa mesma empresa mexicana voltou a nos procurar para pedir apoio num processo que a empresa moveria contra a Netflix. Obviamente, não intervimos nesse processo. Nesse momento, temos boas relações com o embaixador russo, que fez para nós a tradução do guia oficial do museu que agora temos em russo. Não conhecemos os termos do contrato desse projeto, mas é um fato que o canal RT está por trás de tudo isso.
Na série, a questão do assassinato é uma monstruosa falsificaçãosomente da questão do conteúdo, mas podemos dizer que a forma de agir é, sem exagerar, mafiosa, porque vai contra as práticas mais honestas no terreno jornalístico, seja em documentários para TV ou cinematográficos. Quais seriam os aspectos mais relevantes nesta manipulação histórica que é feita do personagem de Trotsky na série?
Estéban Volkov – Bem, mal vi o primeiro capítulo e percebi que o personagem inofensivo e vulgar que representa Trotsky na série está a milhões de anos-luz do meu avô, a quem conheci pessoalmente. Um dos fatos que é realmente uma falsificação monstruosa é o assassinato. Um famoso inspetor da polícia secreta do México, Jesús Vásquez, sentou-se em uma cadeira, fazendo o papel de Trotsky, e o próprio assassino, codinome Jackson (Ramón Mercader), segurando um jornal enrolado na mão, mostrou ao inspetor como golpeou Trotsky por trás da cabeça. Esta série, por outro lado, apresenta a versão que Stálin tanto desejou que o governo mexicano adotasse: que o assassinato decorre de um conflito face a face com um partidário de Trotsky decepcionado e desencorajado. Finalmente, esses dois russos (Alexander Kotts e Konstantin Statsky, diretores da série, NdE) conseguem satisfazer o que Stálin desejava. Além de tudo, adicionaram um emaranhado de monstruosidades e coisas absurdas. O que é difícil de conceber é como uma empresa como a Netflix possa difundir semelhantes falsificações e aberrações históricas, uma irresponsabilidade absoluta.
A Verdade – Tenho um caso pessoal que data de 1993, quando estava em Moscou e tive de ir ao consulado espanhol. Conheci uma “filha da guerra”, Josefina Iturrarán, daquelas que foram enviadas para a Rússia em 1937, antes do cerco franquista de Bilbao. Pude conversar por um longo período com ela, e me contou um episódio terrível: a dirigente histórica mais importante do Partido Comunista da Espanha, Dolores Ibárruri, “a Pasionaria”, ficou doente e foi conduzida a uma clínica em Moscou. A senhora Josefina estava na mesma clínica, e, um dia, ouviu uma batida na porta, e sua surpresa foi ver Ibárruri. A surpresa foi mútua, porque, na realidade, não era ela que Ibárruri queria visitar. O fato é Ibárruri havia perguntado na recepção onde estava “a espanhola”, e lhe indicaram o quarto de Josefina. Na realidade, ela queria visitar outra espanhola, Caridad Mercader, a mãe do assassino de Trotsky, que a nomenklatura continuava agradecendo pelo trabalho criminoso realizado. Na Espanha, habitualmente usamos a expressão: “Ladran, luego cabalgamos” (“Os cães ladram, e a caravana passa”).
Estéban Volkov – É o que disse Dom Quixote, um dito conhecido.
A Verdade – O que há por trás do fato de o aparelho de estado russo falsificar o personagem de Trotsky (e sabendo que Putin vem da KGB, o antigo serviço secreto soviético)? Incluindo o que você me explicou antes, que paradoxalmente a série pode ser um serviço prestado no sentido de que, nos apoiando na verdade histórica, ela nos leva a reforçar a reivindicação do personagem de Trotsky e toda a sua herança diante desta provocação. Qual pode ser a intenção desa provocação?
Estéban Volkov – Bem, é que eles têm medo das ideias de Trotsky. No momento em que elas entrem em vigor, podem ser o farol que oriente um retorno ao socialismo. Então, como um país capitalista, querem evitá-las a todo custo, obviamente.
A Verdade – Quando se verifica ainda com mais intensidade o velho dilema socialismo ou barbárie…
Estéban Volkov – Sem dúvida, podemos inverter: barbárie ou socialismo. Quer dizer, para sairmos da barbárie na qual nos encontramos, devemos nos dirigir ao socialismo. Já estamos na barbárie.
Trotsky estava sempre disposto a explicar o marxismo
A Verdade – Sou professor de economia e, para explicar a economia mundial atual, me apoio nas categorias teóricas formuladas por Trotsky, como a do desenvolvimento desigual e combinado, por exemplo. Não podemos compreender e caracterizar uma realidade mundial que se apresenta de maneira convulsiva e contraditória sem esse conceito. A mesma coisa sobre o imperialismo, de Lênin, etc. Mas há outra dimensão de Trotsky que me toca: sua sensibilidade para tudo que é humano. Ele era alguém que conhecia a psicanálise (que dava seus primeiros passos), que tinha um conhecimento enciclopédico da literatura universal – apenas para dar alguns exemplos. Outra coisa muito interessante para mim era sua elegância: em nenhuma foto ele aparece desarrumado ou mal vestido. Ele explicava bem as questões da vida cotidiana na experiência soviética (no texto “Problemas da Vida Cotidiana” e em outros), o que é muito importante para o que eu chamaria de civilização, mostrando a importância de não cuspir na rua, de que cidades e ferramentas sejam mantidas organizadas e limpas, contra o uso abusivo de palavras grosseiras etc. Então, finalmente sobre um terreno pessoal, você gostaria de abordar alguma questão de seus avós, particularmente de Trotsky?
Estéban Volkov – Sim, claro. O Trotsky que eu conheci era um personagem de uma inteligência excepcional e uma pessoa de uma incrível simplicidade. Muito caloroso, muito próximo de seus camaradas, sempre bastante solidário com aqueles que estavam ao seu redor, sempre disposto a lhes mostrar, a explicar todos os aspectos políticos do marxismo. E, além disso, também tinha um grande senso de humor, que criava um ambiente sempre muito caloroso, muito agradável ao seu redor. Ele era um grande admirador do trabalho humano, sobre o qual não admitia nenhum tipo de distinção ou privilégios. Sobre essa questão, aqui mesmo em casa, sempre que havia algum trabalho desagradável a ser realizado, quando havia coisas desagradáveis a fazer, por exemplo, consertar um tubo de drenagem ou limpar a fossa séptica, ele, pessoalmente, realizava esses serviços.
A Verdade – Imagino que ele falava bem diversas línguas…
Estéban Volkov – De fato. Ele dominou bem o alemão, o francês com perfeição, e mais ou menos bem o inglês. Também aprendeu muito rapidamente o espanhol. Gostava muito de conversar as pessoas do povo e com os camponeses: conhecer seus problemas e seu modo de vida, entrar nas questões de sua existência cotidiana.
A Verdade – Penso em outra coisa, que é conhecida, mas talvez menos… E que estilo! De fato, sua primeira vocação, como ele mesmo disse em “Minha Vida”, era a de ser escritor. A vida colocou diante dele a necessidade da revolução, mas ele escrevia muito bem. O prólogo de “A História da Revolução Russa”, comparado aos escritos de história, é, por assim dizer, tanto do ponto de vista literário quanto metodológico, uma verdadeira obra-prima. Não digo isso por uma paixão militante trotsquista, mas porque isto se confirma com fatos objetivos, não é verdade?
Estéban Volkov – Sim, “A História da Revolução Russa” é uma obra-prima de reconhecimento internacional. Cheguei aqui em agosto de 1939, vindo da França com o casal Rosmer, grandes e velhos amigos intimamente ligados a meus avós, que me trouxeram. E é verdade, foi uma grande mudança. A vida em Paris não era agradável. Eu vivia com Jeanne, a viúva de Leon Sedov (seu tio, NdE): ele havia sido havia sido morto, provavelmente envenenado, em uma clínica infestada de agentes soviéticos, e sua viúva tornou-se uma mulher muito deprimida, devastada pela perda do companheiro, o que não facilitava a convivência. Jeanne me manteve escondido em Vosges, perto da fronteira alemã, com um amigo dela…
A Verdade – Você também deveria estar marcado…
“Eles vão trocar a caneta pela metralhadora”
Estéban Volkov – Não. O que ela queria evitar, acima de tudo, é que meu avô viesse me buscar e fizesse valer a autoridade parental. Mas finalmente eles conseguiram me localizar e, com um mandato judicial, me buscaram. É foi então que eu soube que iria para o México. De fato, a creche na qual fui encontrado, uma espécie de abrigo para crianças, chamava-se Raios de Sol… e de fato ali, naquele momento, eu vi um verdadeiro raio de sol, ao saber que iria partir de lá e que uma nova vida me esperava no México. Eu tive muita sorte, sim… muita sorte. Nós chegamos aqui em agosto de 1939, em uma grande família, com os meus avós. The old man (“o velho” em inglês, NdT), como os camaradas lhe chamavam, estava cercado de jovens, na sua maioria, estranhos. Ele não se importava com isso. Leon Trotsky e seus camaradas escolheram ter estranhos como seus secretários e auxiliares em razão de não serem acusados de influenciar na política mexicana, o que era um pré-requisito para o asilo político que lhe concedeu Lázaro Cárdenas: como todo estranho que entra no México, ele não tinha o direito de se meter na política mexicana, e Trotsky seguiu escrupulosamente esta norma.
Em 1940, toda a imprensa stalinista, que agredia continuamente, caluniando e difamando o meu avô, com Lombardo Toledano (líder stalinista sindical mexicano) à frente, decide intensificar esta campanha caluniadora o máximo possível. Logo que meu avô observa esse fato, seu comentário foi: “Obviamente, os jornalistas estão prestes a trocar a caneta por metralhadoras”. Foi o que aconteceu em 24 de maio, quando o pintor David Alfaros Siqueiros, com cerca de 20 stalinistas, invadiu a casa no início da manhã e metralhou profusamente o quarto no qual dormiam meus avós. É um milagre que não tenham sido assassinados, graças aos rápidos reflexos de Natália que, ao primeiro tiro, jogou meu avô no chão e o empurrou para o canto mais protegido do quarto. Eu estava naquele lado, e eu também me joguei no chão e fiquei abaixado em um canto. Também atiraram sobre a cama na qual eu dormia com uma pistola automática carregada, e recebi um impacto de bala no polegar do pé direito, que ficou aberto.
É dificil de descrever o grau de alegria e euforia de meu avô, pouco tempo depois dos assassinos terem partido, por ter sobrevivido a este ataque de Stálin. Ao ponto que, logo que, no decorrer do dia, chegou um dos chefes da polícia de Leandro Salazar (chefe dos serviços secretos mexicanos, NdE), ele não pôde acreditar que Trotsky havia sofrido esse atentado. O que facilitou muito a vida dos stalinistas para em seguida lançar a versão de que tudo teria sido uma farsa, um “auto-atentado”, uma cena teatral organizada por Trotsky. Eles subornaram duas cozinheiras que trabalhavam na casa e o oficial responsável pela segurança externa: havia um pavilhão no exterior da casa com os policiais mexicanos, e o oficial Casas e as duas cozinheiras, comprados pelos stalinistas, declararam, contra a família, que estavam reunidos na noite anterior até tarde e que estavam todos muito nervosos… enfim, qualquer coisa para sustentar a versão do “auto-ataque”. Mas meu avô sabia que eles haviam nos concedido apenas uma trégua. A questão agora era: por onde viria o próximo ataque?
“Não o mate, ele deve falar (…) Mantenha a criança longe”
Isso é tão verdade que, quando finalmente sofreu o ataque do catalão, Mercader, ele parou na abertura da porta que vai do escritório à sala de jantar, Natalia rapidamente se aproximou dele, e ele apenas indicou com uma mão o assassino, imobilizado em um canto por certo número de guardas. Disse somente “Jackson”, como se dissesse: “É dele que veio o que nós esperávamos”.
Há dois fatos interessantes: logo antes de eu chegar em casa, ele havia dito aos guardas que ouviam o assassino: “Não o matem, ele deve falar”, e, posteriormente, assim que entrei na biblioteca que se unia à sala de jantar, pela porta entreaberta, onde ele estava deitado no chão, igualmente disse aos guardas: “Mantenha a criança longe, Sieva, meu neto, não deve ver esta cena”. Esse detalhe retrata totalmente a humanidade desse personagem, que à beira da morte, ainda se preocupou de não causar um trauma no neto.
Em seguida, foi conduzido ao hospital da Cruz Verde, chamado Rubén Leñero, na rua Victória, onde foi operado na presença de Gustavo Braz, um dos médicos mais renomados que, em seguida, foi reitor da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), ministro da Saúde e governador do Estado. Mas, no dia seguinte, meu avô teve um ataque cardíaco e morreu ao meio-dia de 21 de agosto de 1940. Joe Hansen conta que, mesmo antes de morrer, ele lhe disse: “Eu tenho certeza da vitória da 4ª Internacional, em frente!”. E talvez esta seja uma tarefa a ser realizada por aqueles que defendem as suas idéias.
“Nossa mais alta missão é reestabelecer a verdade histórica, tão falsificada”
Estamos aqui em um lugar histórico e de grande valor. Por isso, precisamente, nossa mais alta missão é reestabelecer a verdade histórica, em um dos capítulos em que ela foi mais alterada e falsificada. Sim, vivemos no período em que as “fake news” e a “fake history” (as notícias fabricadas, a história falsificada) são a coisa mais comum, mais usual, mais continuamente empregada para ganhar eleições fraudulentamente (provável alusão à eleição no Brasil? – NdE), simulando a imagem da democracia, da democracia burguesa.
A Verdade – Realmente, vocês cumprem uma tarefa muito importante, pois Stálin queria apagar Trotsky, e acreditava que com uma espécie de antecessor dos atuais programasde manipulação fotográfica e digital, como o famoso photoshop, quer dizer, retirando Trotsky das fotografias, isso seria suficiente.
Estéban Volkov – Não apenas apagar Trotsky, mas destruir o seu lugar histórico. Foram inúmeras tentativas de destruir este local. Durante a presidência de Manuel Avila Camacho (de 1940 a 1946, NdT) e daqueles que o sucederam, houve numerosas tentativas por parte dos stalinistas infiltrados no governo de transformar esse espaço em uma biblioteca, em um jardim de infância, em um escritório do governo. Qualquer coisa, contanto que o museu fosse destruído. Mas, felizmente, não conseguiram fazer isso. Muito tempo depois, em 24 de setembro de 1982, o então presidente do México, Lopez Portillo, declara esse lugar monumento histórico e me nomina como seu guardião.
Aconteceu um fato curioso em 1965, quando eu estava aqui com a família: um belo dia, chegou um advogado do governo, do departamento central, com um mandato de expulsão da família, e com 15 caminhões aguardando do lado de fora. Ao que parece, o então presidente Díaz Ordaz, em um de seus ataques de fúria provocados pelo ativismo político de estudantes e professores universitários, quis dar um golpe às cegas e sua ideia foi a de fechar o museu. E sim, ele fez isso, mas, curiosamente, três meses depois, fomos convidados a retornar. Ele não sabia o que fazer com esse lugar. Destruí-lo, impossível! Era um lugar de reconhecimento internacional! Então o menor dano para o governo era que voltássemos e permanecéssemos na casa.
A primeira ocasião em que recebemos uma visita de russos foi na Copa do Mundo de futebol, no México, em 1986: nesta ocasião, a seleção russa de futebol visitou o museu.
A Verdade – Era a época de Gorbachov. É interessante, porque Trotsky, ao contrário de Bukárin, jamais foi reabilitado.
Estéban Volkov – Jamais! E nós não queremos que eles o reabilitem. A única coisa que sempre pedimos é que sejam anuladas as falsas acusações existentes nos processos. Isso é tudo.
A Verdade – O próprio texto da comissão Dewey, disponível aqui, documenta isso de maneira indiscutível. Devo dizer que foi um verdadeiro prazer te ouvir, e poderia passar dias escutando você. Muito obrigado pela hospitalidade e por suas contribuições, que foram de grande valor. Nós nos correspondemos por e-mail em 8 de março. Por acaso, no dia anterior, eu tinha visto “O Eleito” (“The Chosen”, filme centrado no personagem de Ramon Mercader, NdE), que aliás não é um grande filme. Eu te vi lá, e algumas horas depois, de maneira casual, graças ao historiador peruano Gabriel Garcia Higueras, correspondemos por correio eletrônico. Um muitíssimo obrigado.
Estéban Volkov – Nesse filme também há muitas alucinações. Silvia Ageloff jamais foi secretária do meu avô, jamais, jamais. Ela era uma jovem trotsquista, próxima dos guardas, dos secretários da casa, mas jamais foi secretária. A verdadeira secretária era Ruth, sua irmã, Ruth Ageloff. Ele tinha feito um ótimo trabalho nos contraprocessos da Comissão Dewey. E vovô tinha uma ótima impressão dela. Ter escolhido sua irmã para ser a parceira do agente GPU foi uma coisa muito inteligente, muito bem feita, pertinente, muito perversa é claro, mas… Vale ressaltar que, quando o vovô começou a trabalhar na biografia de Stálin, esse trabalho não lhe interessava muito. Ele tinha um grande interesse pela realização da biografia de Lênin, da qual já tinha feito a parte sobre a juventude. Mas, por razões financeiras, de precariedade e de falta de recursos da família, teve que aceitar essa oferta, esse pedido da editora Harper & Brothers, que iria pagar uma quantia bastante razoável por este trabalho. Então, ele embarcou nessa tarefa. E, sem dúvida, a realização deste último trabalho apressou seu assassinato. Mais precisamente, três meses antes do atentado dirigido por Siqueiros, um jovem guarda entrou na casa, Sheldon Hart, e não era nada além de um infiltrado da GPU. E, segundo o que contou a secretária Fanny Yanovich, perguntou onde estava a biografia, se estava avançando bem.
A Verdade – Além disso, o momento era crucial, porque em 1938 foi criada a 4ª Internacional, e em 1943 Stálin dissolveu a 3ª Internacional, já completamente desencaminhada, degenerada, burocratizada, contrarrevolucionária. Esta dissolução corrobora a justeza do pensamento de Trotsky, a pertinência da criação da 4ª Internacional, porque, de fato, a 3ª já estava falida, para usar a expressão que usou tantas vezes Lênin, por exemplo, para se referir à traição da direção da 2ª Internacional, especialmente em 1914, com suas seções se reunindo em cada país à sua burguesia imperialista.
É por isso que, para Stálin, era necessário que a pessoa de Trotsky desaparecesse do panorama, pelo fato de que havia uma continuidade do ano 1919 (fundação da 3ª Internacional, NdT) mais assegurada, obviamente não pela Internacional stalinizada, mas pela 4ª Internacional, que havia sido criada em setembro de 1938, na França.
Muito obrigado, Estéban. Estou muito honrado.
Estéban Volkov – Aqui estou para ser útil, camaradas.