Não à pejotização! Em defesa do registro em carteira!

STF ameaça o vínculo empregatício e os direitos trabalhistas

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu em 14 de abril suspender todos os processos em curso no Brasil que tratam de reclamações trabalhistas exigindo vínculo empregatício em situações chamadas de “pejotização”. A suspensão não tem prazo, e quem espera anos para ver seus direitos ressarcidos pela Justiça vai esperar mais, ou até ver tudo ir para o ralo. Os processos vão parar até que o STF julgue um caso cuja decisão valerá como de “repercussão geral” – ou seja, decisão a ser seguida por todas as instâncias judiciais. É uma enorme ameaça aos direitos trabalhistas no Brasil, que exige uma resposta firme do movimento operário e de suas organizações!

A nova palavra “pejotização” descreve a seguinte situação: em vez de fazer o registro em carteira do funcionário, o empregador o obriga a abrir uma empresa no papel – chamada de “pessoa jurídica” (PJ) – e faz um contrato de prestação de serviços com a pessoa. É uma fraude contra o trabalhador.

Essa situação já existe em pequena escala há uns 30 anos, em categorias como jornalistas e médicos. Começou com profissionais que recebiam altos salários (como forma irregular de sonegar imposto de renda) e, aos poucos, foi se espalhando para os salários mais baixos. A Lei da Terceirização, de 2017, uma das contrarreformas do golpista Temer, abriu uma brecha pela qual a “pejotização” ganhou força. Isso porque, com ela, os patrões passaram a poder contratar “terceiros” para as “atividades fins” das empresas. Em outras palavras, a lei passou a permitir que hospitais contratem uma empresa prestadora de serviços médicos, e uma revista, de serviços jornalísticos.

Há, porém, um detalhe importante: no caso da terceirização, o profissional prestador de serviço tem de ser registrado em carteira – no caso, pela empresa que presta o serviço. O pulo do gato (ou do gatuno) no caso da “pejotização” é que o PJ é uma empresa de uma pessoa só. O objetivo é driblar o vínculo empregatício.

Pelas leis no Brasil, qualquer empregador tem que registrar em carteira de trabalho a contratação de um funcionário. Não é opcional, é obrigatório. As leis determinam de forma precisa que um trabalhador é considerado empregado quando existem quatro condições: habitualidade no trabalho (o mais comum é diário, mas não é a única forma), subordinação a um chefe ou ao patrão, pessoalidade (é a pessoa quem presta aquele serviço) e remuneração.

Quando uma empresa não faz o registro e a pessoa entra com uma ação na Justiça do Trabalho, precisa apresentar provas das irregularidades. A Justiça do Trabalho tem de decidir com base na situação concreta apurada, na vida real. A existência de um contrato entre as partes, no caso da “pejotização”, não muda a realidade das condições do vínculo, nem anula a necessidade de registro em carteira do empregado. O patrão é o lado forte na relação de trabalho, e pode impor, pela força econômica, condições degradantes ao trabalhador. E o assalariado, independentemente de remuneração ou grau de instrução, vive do salário mensal e precisa do trabalho.

Pleno do STF

Por isso, tem sido comum trabalhadores pejotizados conseguirem provar o vínculo empregatício na Justiça. Nos últimos meses, porém, empresas derrotadas judicialmente fizeram “reclamações constitucionais” no Supremo Tribunal Federal (STF) e conseguiram anular sentenças da Justiça do Trabalho. Ministros como Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Luiz Fux e André Mendonça anularam de forma sumária decisões argumentando simplesmente que a terceirização é lícita (jogando no lixo o processo inteiro, as provas colhidas e o mérito julgado). Se esse entendimento prevalecer na decisão do STF de “repercussão geral”, a “pejotização” legalizada passa a ameaçar o registro em carteira em todo o país, e a contratação formal de trabalhadores pode virar letra morta.

A ameaça é gravíssima: sem o registro em carteira, um contrato de “prestação de serviços” individualizado pode acabar com a jornada de trabalho, o descanso semanal, férias, o 13º, o FGTS e o recolhimento para a Previdência. Nem o salário mínimo precisaria ser respeitado, pois se trata de um contrato entre duas “empresas”.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que agrupa sindicatos que lutam contra a “pejotização” há décadas, enviou em 28 de abril uma mensagem à CUT e às demais entidades do movimento sindical alertando para o perigo dessa situação e propondo uma mobilização nacional em defesa do vínculo empregatício. Sugere também que a bandeira “Não à pejotização” seja incorporada no conjunto das mobilizações sindicais.

A experiência mostra a importância de manter organizados nos sindicatos os trabalhadores “pejotizados”. Sem poder representar legalmente esses trabalhadores (a não ser com ações por vínculo empregatício), as entidades sindicais podem continuar a representá-los na luta direta, sempre exigindo das empresas a sua contratação. Há diversos exemplos de organização coletiva de “pejotizados”, de negociações sindicais em nome deles com as empresas e até de greves desses trabalhadores contra atraso em seus pagamentos.

A batalha, porém, só pode ser ganha com a mobilização nacional das entidades sindicais. Aqui, o papel da CUT é fundamental para divulgar a amplitude dessa ameaça, sensibilizar as entidades e, ao mesmo tempo, pressionar diretamente o STF. O governo Lula também precisa se posicionar.

É necessário dizer claramente para a cúpula do Judiciário brasileiro: “Não aceitamos a pejotização! Não aceitaremos qualquer decisão que ameace a existência do vínculo empregatício, ao qual estão vinculados todos os direitos dos trabalhadores brasileiros!”

Paulo Zocchi

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