Ninguém aprende com fome

Numa escola técnica da Vila Leopoldina em São Paulo (SP) estudantes se manifestavam com cartazes denunciando a ameaça do corte da alimentação escolar em julho. No mês de agosto o presidente Jair Bolsonaro vetou o reajuste das verbas para alimentação escolar e não previu no projeto de lei orçamentária de 2023 a recomposição dos valores para o próximo ano.

Segundo reportagem do jornal Estado de São Paulo (16/9) o “valor diário enviado a estados e municípios para cada aluno é definido conforme a etapa e a modalidade de ensino. É de R$ 1,07 na creche; R$ 0,53 na pré-escola e R$ 0,36 para o fundamental e o médio”. Apenas entre maio de 2021 e maio de 2022 a inflação dos alimentos da cesta básica foi de 26,75%.

O jornal O Trabalho foi ouvir trabalhadores da educação em diversas partes do país sobre os impactos do congelamento da alimentação escolar pelo governo.

Chegam na escola com fome
“As filas estão maiores. Alguns alunos já passaram mal por terem ido à escola sem comer. Precisamos oferecer algum alimento para aqueles que não conseguem esperar o horário da merenda. As frutas que são ofertadas por unidade, nem sempre acompanham a quantidade de alunos. Tivemos que reduzir a quantidade de carne nos preparos”, relata uma merendeira, servidora da rede municipal de Maceió (AL). Ela também explica que “são apenas eu e mais uma merendeira para cerca de 400 alunos. A demanda é grande e não fazem concurso público para contratação de novos merendeiros.”

Não é muito diferente da situação no sul do país. Como relata o professor Luiz Henrique, dirigente do sindicato dos professores (Cpers) que leciona na rede estadual gaúcha em Portão (RS), região metropolitana de Porto Alegre. “O governo estadual aumentou alguns centavos o valor para a merenda por aluno. Mas isso não é o suficiente para atender a demanda. Com a crise econômica há alunos nas escolas pedindo o que sobra, a banana, a bolacha para levar para casa. Trabalho numa escola de Ensino Médio e faltam recursos humanos para produzir a alimentação. Aí ficam dando apenas bolacha e achocolatado né? Um problema enorme. Os alunos do noturno chegam direto do trabalho, alguns trabalhando longe de casa e pedem: ‘senhor eu não comi nada, eu preciso comer alguma coisa’”.

Diversidade alimentar prejudicada
Numa escola municipal de Guarulhos (SP), segunda maior cidade do estado o relato de uma coordenadora pedagógica mostra que a alimentação ainda chega, mas seu valor nutricional não é mais o mesmo. “Não houve ainda falta de merenda, mas uma queda na diversidade de frutas e nos lanches”.

Na Vila Maria, bairro da cidade de São Paulo (SP) com muitas comunidades pobres e ocupações o drama é destacado por uma professora da rede municipal: “onde leciono os alunos não podem repetir a merenda e há uma contagem do número de alunos para o controle da alimentação. Eles ficam famintos. O serviço de alimentação assim como o de limpeza é terceirizado e precário. Os alunos só podem repetir o almoço, mas os pratos já vêm montados sem opção de escolha dos alimentos”. Ela registra uma cena que está acontecendo em diversas partes do país: “já houve casos de desmaio em virtude da fome”.

Numa escola estadual do Butantã um professor nos conta que “antes da pandemia eram servidas 80 a 90 refeições. Agora são servidas 160 refeições por turno de aula. 8 refeições servidas por minuto de intervalo.”. Ele conta que os alunos fogem da aula do intervalo para entrar na fila e poderem comer com mais calma. A escola solicitou para Secretaria da Educação ampliação do tempo de intervalo para alimentação em 10 minutos, mas a proposta foi indeferida. Ele denuncia: “cobram nossa coordenação pedagógica de resultados nos índices das avaliações institucionais, mas alunos estão famintos e são obrigados a engolir a comida em poucos minutos”.

Suco com bolacha
Em Fortaleza (CE) uma professora de uma escola estadual de tempo integral nos explica: “A verba de certa forma diminuiu, mas o número de alunos também, houve maior evasão escolar. Podemos ver uma piora na qualidade dos alimentos, a falta de alguns itens diferenciados que tornam a alimentação mais balanceada”. E observa para nossa reportagem “quanto aos funcionários não houve diminuição, porém não se pode fazer contratação, caso haja baixa por motivo de doenças ou outros o funcionamento deve ocorrer com os que existem.” Ainda em Fortaleza, uma professora da rede municipal nos conta “Desde 2013 que há certa escassez na merenda, no que diz respeito a quantidades de alimento no prato. Até 2012, tínhamos em Fortaleza um governo do PT. Sentimos uma brusca redução na quantidade dos alimentos ofertados desde que o PDT de Ciro se instalou no governo. Há uma redução da proteína substituída por suco e bolacha, que tem se repetido muito. As crianças rejeitam o suco com bolacha”.

Congelamento atinge agricultura familiar
“A alimentação escolar é fundamental. O corte de verbas afeta a nutrição dos alunos e afeta o aprendizado. Com a crise econômica as crianças vão com fome para escola e precisam de uma nutrição adequada, pois estão em fase de crescimento e desenvolvimento do aprendizado. O número de famílias que está em insegurança nutricional tem aumentado. É na escola que as crianças e jovens estão tendo, muitas vezes, a principal refeição. Essa alimentação precisa ser saudável”. É o que explica a nutricionista Sheila Costa, dirigente do Sindicato dos Servidores Municipais de SP (Sindsep). Ela também demonstra outro impacto “com a falta de recursos, isso impacta a agricultura familiar. Hoje no programa nacional de alimentação escolar, 30% dos alimentos devem vir da agricultura familiar. Com o congelamento das verbas, essas famílias também são prejudicadas. E com isso ganham terreno os alimentos ultra processados, que são a origem de diferentes doenças crônicas”.

Alexandre Linares

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