O estado israelense fraturado

Centenas de milhares de israelenses (mais de 500 mil, segundo os organizadores) se manifestaram novamente no fim de semana 22 e 23 de julho contra a reforma do sistema judiciário preparada pelo governo de Netanyahu, tendo como pano de fundo a recusa da crescente da influência dos religiosos sobre o conjunto da sociedade israelense.

A reforma, cuja principal medida visa colocar os juízes israelenses sob controle político, destruiria, segundo seus opositores, a separação de poderes e legalizaria de fato a corrupção e os atos criminosos dos membros do governo.

Apesar da profunda crise política que seu anúncio provocou, a reforma do sistema judiciário foi finalmente aprovada no parlamento israelense em 24 de julho, por 64 votos a favor (a oposição abandonou a sessão), provocando novas manifestações, que foram reprimidas pela polícia, com dezenas de prisões. Pela primeira vez, foram ouvidos tiros.

Antigos militares e oficiais da inteligência de alto nível se manifestaram contra a quebra violenta do seu modelo democrático. Milhares de reservistas do exército, inclusive das tropas de elite, anunciaram que deixarão de servir se a lei for adotada. Na noite do dia 24, o ex-primeiro-ministro Olmert declarou que “Israel acabou de entrar em uma guerra civil”.

Quebra do “contrato social”
O papel dos militares na contestação deve-se ao fato de que seus porta-vozes oficiais, todos dirigentes trabalhistas, incluindo vários ex-primeiros-ministros, são eles próprios chefes militares. Eles consideram que Netanyahu e os colonos mais radicais estão indo longe demais ao colocar em questão o “contrato social israelense”. Eles estão preocupados com o “desvio” do Estado e de seu exército, e querem voltar ao período anterior.

Eles também se preocupam com a deterioração das relações entre o Estado israelense e os Estados Unidos, e com a maioria das comunidades judaicas naquele país, cada vez mais críticas, até mesmo afirmando a sua rejeição da política de assentamentos de Israel na Cisjordânia.

O Fórum Empresarial Israelense, que reúne 150 grandes empresas, declarou uma greve para protestar contra o “bombardeio legislativo” de Netanyahu. A Histadrout, a “organização geral dos trabalhadores em Israel”, está considerando convocar uma greve geral. O presidente Joe Biden, expressando a consternação dos líderes dos EUA com a fratura da sociedade israelense, pediu expressamente a Netanyahu que recue em seu projeto de reforma.

O New York Times, em 22 de julho, transmitiu essa pressão em um artigo retumbante intitulado “With Israel, it’s time to start discussing the unmentionable” (Com Israel, é hora de começar a discutir o tabu), que levanta a questão, embora com distanciamento e cautela, de uma “eliminação gradual da ajuda americana a Israel”, ou seja, quase quatro bilhões de dólares por ano, usados principalmente para a indústria de armas.

Ao mesmo tempo, dois ex-embaixadores dos Estados Unidos em Israel, Dan Kurtzer e Martin Indyk, destacaram que essa ajuda “não oferece aos Estados Unidos nenhum meio de pressão (…), somos vistos como ‘facilitadores’ da ocupação israelense”. Um editorial do Washington Post considera que “a maior ameaça à segurança de Israel é Benjamin Netanyahu”.

Os direitos do povo palestino
Para os palestinos, o Estado de Israel nunca foi uma democracia, e os principais organizadores das manifestações anti-Netanyahu estão fazendo o máximo para não misturar as demandas relacionadas aos direitos do povo palestino, que eles mesmos contestaram e combateram, em todos os sentidos da palavra, quando estavam no poder.

No entanto, a ruptura aberta na sociedade israelense leva, há vários meses, as organizações democráticas que se opõem à colonização da Cisjordânia e exigem igualdade de direitos com os palestinos, a participar de manifestações, às vezes com bandeiras palestinas. Várias dessas organizações afirmam que não pode haver democracia para os judeus quando os palestinos estão sujeitos aos abusos – cada vez maiores – dos colonos, com o apoio do exército israelense.

Por sua vez, o grupo de militantes judeus israelenses “Looking the Occupation in the eye” (Olhando no olho da ocupação) convocou manifestações “pela democracia real, sem apartheid, sem ocupação, sem supremacia judaica e sem leis racistas”. Não pode haver perspectiva democrática para ninguém sem a afirmação dessas palavras de ordem.

Na semana passada, o jornal “Informações Operárias” publicou um pedido de apoio internacional da Campanha por um só Estado Democrático”. Os eventos que se seguiram apenas reforçam a sua relevância.

François Lazar
Publicado no jornal Informations Ouvrières
Tradução de Adaias Muniz

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