O povo da Colômbia se levanta

Desde 28 de abril, a revolta contra o governo de Iván Duque não para e mostra o caminho

Hoje é na Colômbia que se expressa o ponto mais avançado da resistência dos povos da América Latina aos governos que, a serviço do imperialismo e do capital, exploram a pandemia para intensificar ataques à classe trabalhadora e ao povo oprimido.

O país é sacudido há mais de 15 dias por uma mobilização profunda das massas que enfrenta dura repressão policial-militar do governo direitista de Iván Duque – homem do “uribismo” (de Álvaro Uribe, ex-presidente e mentor do atual) – que continuou a política de seus antecessores transformando a Colômbia numa base de operações do imperialismo dos EUA, seja para agredir a vizinha Venezuela, seja como modelo para outros governos reacionários da região, como o de Bolsonaro no Brasil.

O estopim do levante popular foi a convocação da paralisação nacional (“paro nacional”) em 28 de abril por três centrais sindicais – CUT, CTC e CGT – e pela Federação de Docentes (Fecode), à qual se somaram organizações estudantis, a Minga indígena e outras entidades populares, contra a proposta de “reforma tributária” do governo que pretendia aumentar impostos (19% no IVA) sobre a cesta básica, tarifas de serviços públicos, combustíveis, descarregando nas costas do povo os custos da crise econômica (queda do PIB de 6,8% em 2020), com um desemprego de 16,8% e metade da população na informalidade e pobreza.

O “paro nacional”, com protestos, bloqueios e marchas em todo o país, prolongou-se, marcou o dia 1º de Maio, obrigando Duque a retirar o seu projeto de reforma, junto com a demissão do ministro da Fazenda em 3 de maio, que disse não querer ser obstáculo a uma “solução consensual”. Mas as ruas seguiram fervendo contra a violenta repressão que causou mais de 30 mortos, milhares de feridos, 79 prisões e 200 pessoas desaparecidas.

“Vencido o pânico, volta o protesto nas ruas”
Desde Maracaibo (Venezuela) estabelecemos um diálogo com militantes colombianos. José Arnulfo Bayona, da Rede Socialista, nos enviou um artigo que diz:

“O povo entendeu que a reforma de Uribe-Duque era um assalto (…); por esse motivo e contra todo prognóstico, saiu maciçamente no ‘paro’ nacional de 28 de abril. O desespero de saber que tal reforma aumentaria o seu sofrimento, o levou a superar o pânico à pandemia, a não dar ouvidos à propaganda suja da mídia, botando a culpa nos convocadores pelos contágios que viriam, desacatou a ‘sentença’ autoritária de uma magistrada do tribunal de Cudinamarca ordenando os governos nacional, regionais e locais a proibirem as manifestações, e saiu em multidões às ruas, estradas, praças públicas de todo o país. (…)

Segundo balanco do comando do ‘paro’ , mais de sete milhões de trabalhadores, camponeses, mulheres, aposentados, jovens, taxistas, caminhoneiros, mineiros, estudantes, médicos e médicas, enfermeiras e enfermeiros, negros, indígenas, ambientalistas, feministas, defensores de Direitos Humanos, comerciantes, pequenos e médios empresários, levantaram a sua voz contra a reforma tributária e o regime inepto, incapaz, injusto e corrupto de Uribe e seu subpresidente (…). Disseram basta de genocídios e terrorismo de Estado, de extermínio de indígenas, camponeses, excombatentes das Farc, basta de pilhagem dos recursos públicos da saúde, não ao projeto de lei 010, não à reformas trabalhista e das pensões, renda básica para as milhões de famílias jogadas na pobreza, vacinas gratuitas para todo o povo já.”

Já Ricardo Sánchez Angel, professor da Universidade Nacional, escreveu em 5 de maio: “Todos e cada um, a maioria jovens, afirmaram a sua dignidade e têm a solidariedade dos adultos em suas famílias, que também vão às marchas. ‘Só a luta nos fará livres e felizes’ é a convicção de uma juventude que carece de futuro, sem oportunidades, sem educação de qualidade e gratuita para todos, sem saúde garantida. Apanhada, sem saída, no desastre da civilização capitalista.”

A luta continua e exige solidariedade
Em Cali, segunda cidade do país, delegados dos “pontos de concentração e bloqueios do Paro Nacional” reuniram-se em assembleia em 6 de maio na Universidade del Valle. Após constatar que “não existe uma direção unificada do ‘paro’”, decidiu-se, dentre outros pontos: “denunciar a campanha de desinformação contra as causas e atores do paro nacional, que a ditadura Uribe-duquista e a cúpula militar atribuem a frentes de guerrilha, a vândalos e bandos criminosos (…); convocar assembleias populares em todos os pontos de concentração e bloqueios que culminem numa grande assembleia municipal que construa um roteiro unitário, programático e democrático.”

Em 9 de maio o Comitê Nacional do “Paro” (CNP) reuniu-se na capital, Bogotá, com delegados dos comités regionais e decidiu convocar uma nova mobilização nacional em 12 de maio “para rechaçar a militarização, mortos, presos e desaparecidos pela violência policial e exigir garantias do governo para o desenvolvimento de nossa luta e um processo de negociação das reivindicações dos setores mobilizados”. Também se decidiu “assembleias populares, sindicais e de grêmios para informar, ajudar a dirigir e fortalecer o ‘paro’ nacional”.

Em 10 de maio, o governo recebeu, sem que a mobilização fosse interrompida, uma delegação do CNP. Nada de concreto saiu dessa reunião, a não ser a tardia declaração de que o governo estaria disposto à negociação. No dia 11, Duque viajou a Cali onde, no domingo 9 de maio, a polícia protegeu civis armados que atiraram sobre indígenas que bloqueavam ruas em bairros ricos da cidade.

Toda a solidariedade à luta do povo colombiano, exigindo o respeito ao direito de manifestação e o fim da repressão. Atos e manifestações nesse sentido já vêm sendo feitos em vários países e devem intensificar-se, pois a luta do povo colombiano é a de todos nós.

11 de maio de 2021
Alberto Salcedo de Maracaibo

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