O que significa o fim da ultratividade?

“Parte dos metalúrgicos que trabalham em Osasco (SP) e nos municípios da região têm direito a gozar de estabilidade quando se encontram, por exemplo, a 24 meses de se aposentar, ou em caso de acidente ou doença que os incapacite a exercer suas funções anteriores. Mas outra parte, não”, explica Marcelo Mendes, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos (SindMetal) local.

Isso porque cerca de um terço da categoria trabalha em empresas nas quais não vigora nenhum tipo de norma coletiva negociada entre empregadores e empregados.

Os patrões se negam a renovar acordos, deixam de aplicar conquistas da categoria, “e deixam o pau quebrar!”, afirma Marcelo.
Um dos fatores para chegar a isso foi o fim da ultratividade das normas coletivas desde o início de 2017, por decisão liminar de Gilmar Mendes, depois reafirmada pela Reforma Trabalhista em novembro do mesmo ano. Agora, em 27 de maio, o Supremo Tribunal Federal corroborou, considerando que o princípio da ultratividade nesses casos é inconstitucional.

Mas, afinal: o que é a ultratividade?
Negociações coletivas realizadas pelas entidades sindicais podem levar a Acordos ou Convenções Coletivas de Trabalho, que são instrumentos legais assinados por um sindicato de trabalhadores com uma empresa (Acordo Coletivo) ou com um sindicato patronal de empresas de determinado setor econômico (Convenção, a qual todos os estabelecimentos daquele setor são obrigados a cumprir), e têm prazo determinado, por exemplo, um ou dois anos.

Esses instrumentos podem estabelecer cláusulas econômicas como reajuste e piso salarial da categoria, ou sociais, como a estabilidade pré-aposentadoria.

Até 2017, a justiça trabalhista reconhecia que, ao final da validade expressa em um acordo coletivo ou convenção, as cláusulas contidas nesse documento continuavam valendo até que novo acordo fosse celebrado ou por mais 4 anos.
Sem a ultratividade, os patrões podem usar o prazo de vencimento para impor, nas negociações, reajustes baixos ou cláusulas prejudiciais. Ou podem simplesmente se negar a assinar novo acordo – como estão fazendo parte das empresas metalúrgicas de Osasco e região.

Marcelo lembra que se soma a isso a exigência, desde o início dos anos 2000, de acordo mútuo entre empregados e empregadores para acionar a Justiça em caso de impasse nas negociações, o dissídio coletivo. “Como um sindicato patronal, sabendo que pode perder na Justiça, vai aceitar o mútuo acordo?” A única saída numa situação como essa é a greve.

Defesa de conquistas históricas
Na prática, trata-se da tentativa dos patrões de reduzir o custo da força de trabalho, retirando direitos que cada categoria conquistou e acumulou ao longo de décadas de luta, pois em geral cada acordo reproduz em grande parte aquilo que vinha dos anos anteriores, a depender da dinâmica de cada campanha salarial.

Para enfrentar essa situação, vários sindicatos no país passaram a assinar acordos nos quais as cláusulas sociais valem por dois anos. Outros, como o Sindicato dos Professores de Juiz de Fora, inscreveram na própria CCT dispositivos que simulam a ultratividade por um período de 90 dias após o fim da vigência.

Na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), estatal federal cuja direção está subordinada ao Ministério das Comunicações do governo Bolsonaro, já são quase dois anos sem Acordo Coletivo vigente. A direção da EBC quer retirar direitos, mas os trabalhadores não aceitam e entraram em greve, o que levou a um dissídio coletivo ainda não julgado. Enquanto isso, a empresa deixou de praticar as cláusulas que ela não quer manter, como a gratificação natalina e a liberação de dirigentes sindicais. Os funcionários resistem junto aos seus sindicatos, para garantir os direitos através da luta.

Priscilla Chandretti

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