Palestina: campanha por um Estado democrático único

Publicamos abaixo um apelo lançado por 90 subscritores e publicado simultaneamente em árabe, hebreu e inglês, agora disponível em português.


No decorrer dos dois últimos anos, nós, grupo de cerca de noventa palestinos e judeus israelenses nos reunimos pela necessidade de uma campanha pública para a criação de um único Estado democrático na Palestina histórica. Tendo em conta a natureza do colonialismo israelense e o reforço de seu regime de apartheid, acreditamos que uma campanha de descolonização é urgentemente necessária. Nós escrevemos a vocês para pedir o apoio a nossa campanha: a Campanha Por Um Só Estado Democrático (CPUSED).

Desenvolvemos um programa político, abaixo, que responde, em nossa opinião, às preocupações fundamentais dos palestinos e israelenses e que representa, nesse sentido, um avanço decisivo: um programa que pode efetivamente ser colocado em prática no cenário político. Ele reflete o nosso empenho em sermos atores políticos nesta questão e não meros comentadores ou manifestantes. Acreditamos firmemente que não podemos nos envolver numa luta política sem um objetivo político. Então, chamamos os palestinos em todo o mundo, as forças democráticas do mundo árabe, os judeus israelenses e os judeus no exterior e toda a sociedade civil internacional a apoiar nosso apelo por um Estado democrático na Palestina histórica. Este é o momento.

Estamos lançando a Campanha por um só Estado democrático e pedimos seu apoio pessoal. Se pudermos apresentar os nomes de várias centenas de pessoas de todas as circunscrições interessadas que apoiam nosso programa (se não literalmente, mas ao menos em termos gerais nesta fase) então nós podemos nos constituir como uma voz política real com um programa justo, inclusivo e viável.

Leia nosso programa, abaixo, e junte-se a nós. À medida em que a campanha cresce nós faremos discussões coletivas a fim de detalhar e refinar nosso programa político e elaborar estratégias. Nós o convidamos a participar ativamente neste processo.

Se estiver pronto a apoiar publicamente nossa iniciativa, por favor, nos envie: 1) nome, 2) profissão 3) a cidade onde reside, 4) endereço eletrônico e 5) a organização ou instituição à qual é filiado (somente se desejar). Também agradeceríamos qualquer comentário sobre a iniciativa e o programa. Se quiser desempenhar um papel ativo conosco, não hesite em nos contatar.

PREÂMBULO

Nos últimos anos, a ideia de um único estado democrático em toda a Palestina histórica ressurgiu como a melhor solução para o conflito. Ela começou a ganhar o apoio da opinião pública. Esta não é uma ideia nova. O movimento de libertação palestino, inclusive a Organização de Libertação da Palestina (OLP), adotou essa visão, antes da catástrofe de 1948 (a Nakba) e depois dela. A OLP abandonou essa ideia no contexto das negociações diplomáticas do final dos anos 80 e que resultaram nos acordos de Oslo de 1993. Os dirigentes palestinos esperavam que esse acordo permitisse a construção de um Estado palestino independente nos territórios ocupados por Israel em 1967. Porém, Israel reforçou seu controle territorial fragmentando a Cisjordânia, Jerusalém oriental e Gaza em distritos isolados, separados uns dos outros por colônias, postos de controle, bases militares e cercas.

A solução de dois estados, que é essencialmente uma solução injusta, está claramente morta. Israel a enterrou profundamente sob suas políticas de colonização nos territórios que deveriam se tornar o Estado palestino independente. Israel impôs um regime repressivo único que se estende a todos os palestinos que vivem na Palestina histórica, inclusive aqueles com cidadania israelense.

Diante desses avanços perigosos e, mais importante, considerando os valores de justiça, de liberdade e de democracia nos quais nos baseamos, afirmamos que a única maneira de alcançar justiça e paz duradoura consiste em desmantelar o regime de apartheid colonial em vigor na Palestina histórica e em estabelecer um novo sistema político baseado na estrita igualdade cívica, na plena aplicação do direito de retorno dos refugiados palestinos e na adoção de mecanismos necessários para reparar as injustiças históricas ao povo palestino em consequência do projeto colonialista sionista.

Nesse contexto, muitos militantes e grupos, palestinos e israelenses, recentemente relançaram a ideia de um Estado único, propondo diferentes modelos para esse Estado, como um Estado binacional, um Estado democrático liberal e um Estado socialista. Eles estão, no entanto, unidos no seu engajamento a favor de um único estado democrático em toda a Palestina histórica, como solução ao regime colonialista de apartheid imposto por Israel ao conjunto do país, do mar Mediterrâneo ao Jordão. Um regime similar foi revertido pela luta comum dos Negros e dos Brancos sul-africanos sob a direção da ANC em 1994.

O objetivo deste programa político, desenvolvido pela Campanha por um só Estado democrático (CPUSED), é ampliar o apoio a essa proposta junto às populações locais, palestinas e israelenses, e também junto à opinião pública internacional. Conclamamos a todos que lutam pela liberdade e a justiça no mundo a associar-se e apoiar nossa luta contra esse regime de apartheid e pelo estabelecimento de um Estado democrático livre de qualquer ocupação e do colonialismo, baseado na justiça e na igualdade, que garanta um futuro melhor às gerações futuras e uma paz verdadeira em toda a Palestina histórica.

PROGRAMA POLÍTICO

1.Uma única democracia constitucional

Um único Estado democrático será estabelecido entre o Mediterrâneo e o Jordão como Estado pertencente a todos os seus cidadãos, inclusive os refugiados palestinos. Todos os cidadãos gozarão de igualdade de direitos, de liberdade e de segurança. O Estado será uma democracia constitucional e a autoridade de governar e de legislar será emanada da vontade do povo. Todos os cidadãos terão igualdade de direito de voto, de propor candidatos a todos os postos e de fazer parte do governo do país.

  1. Direito ao retorno, à restituição e à reintegração na sociedade

O Estado único e democrático aplicará totalmente o direito ao retorno de todos os refugiados palestinos e de seus descendentes, aqueles que foram expulsos em 1948 e posteriormente, que vivem no exílio no exterior ou que estejam atualmente na Palestina histórica, inclusive aqueles de nacionalidade israelense. O Estado os ajudará a retornar ao seu país e aos lugares de onde foram expulsos, a reconstruir suas vidas pessoais e a se integrar plenamente à sociedade e à vida econômica e política do país. O Estado fará tudo em seu poder para a restituição e/ou a indenização dos bens privados ou coletivos dos refugiados.

  1. Direitos individuais

Nenhuma lei, instituição ou prática emanada do Estado poderá discriminar seus cidadãos por critérios de identidade étnica, pertença nacional ou cultural, de cor, gênero, língua, religião, opinião política, propriedade ou orientação sexual. O Estado concederá a todos os seus cidadãos o direito de circular livremente e de residir onde quiserem. O Estado garantirá a igualdade de direitos em todos os níveis de administração e a liberdade de pensamento e opinião a todos os cidadãos. O Estado vai instituir o casamento civil, em paralelo com o casamento religioso.

  1. Direitos coletivos

Em um Estado democrático único, a Constituição protegerá igualmente os direitos coletivos e a liberdade de associação, sejam elas nacionais, étnicas, religiosas, relativas à classe social ou gênero. Garantias constitucionais permitirão a todas as línguas, artes e culturas que possam florescer e se desenvolver livremente. Nenhum grupo ou comunidade terá privilégios, controle, ou poder sobre nenhum outro. A Constituição recusará qualquer autoridade ao Parlamento a promulgar qualquer lei que estabeleça discriminação contra qualquer grupo, seja étnico, nacional, religioso,  cultural ou de classe.

  1. Imigração

Os procedimentos normais de naturalização serão aplicados àqueles que desejam imigrar para o país.

  1. Construir juntos a sociedade civil

O Estado incentivará uma sociedade civil dinâmica composta de instituições cívicas não exclusivas, especialmente as instituições escolares, culturais e econômicas.

  1. Economia e justiça econômica

Nossa concepção visa a realizar a justiça econômica e social. A política econômica deve corrigir as décadas de exploração e de discriminação que criaram um fosso socioeconômico entre as pessoas que vivem neste país. A distribuição de renda entre Israel e a Palestina é mais desigual que em qualquer lugar no mundo. Um Estado que busca a justiça deve desenvolver uma política econômica de redistribuição original e duradoura para garantir que todos os cidadãos tenham oportunidades iguais de estudar, encontrar um emprego produtivo, segurança econômica e nível de vida digno.

  1. Compromisso com o respeito pela justiça, paz e direitos humanos

O Estado deverá respeitar o direito internacional e buscar uma resolução pacífica dos conflitos pela negociação e a segurança coletiva de acordo com a Carta das Nações Unidas. O Estado assinará e ratificará todos os tratados internacionais sobre os direitos humanos e seu povo deverá rejeitar o racismo e promover os direitos sociais, culturais e políticos tal como estão previstos nas convenções das Nações Unidas.

  1. Nosso papel na região

A campanha pelo Estado único e democrático se unirá com todas as forças progressistas do mundo árabe que lutam pela democracia, justiça social e sociedades igualitárias livres da tirania e da dominação estrangeira. O Estado deverá buscar a democracia e a liberdade no Oriente Médio, de modo que os direitos do povo e dos cidadãos da região sejam garantidos e que seus numerosos grupos com suas religiões, tradições e ideologias sejam respeitados. Isso deve incluir o respeito do direito povo de lutar por igualdade e liberdade de consciência. O fato de se alcançar a justiça na Palestina contribuirá significativamente para que o povo da região continue a busca desses objetivos e aspirações.

  1. Responsabilidade Internacional

Em âmbito mundial, a campanha pelo Estado único e democrático se coloca como uma das forças progressistas e democráticas que visam a estabelecer uma ordem mundial diferente, que será pluralista e duradoura, mais justa, igualitária e humanista, livre de exploração, de racismo, de intolerância, de opressão, das guerras, do colonialismo e do imperialismo. Essa nova ordem do mundo será estabelecida sobre a dignidade humana e o respeito do direito à liberdade e da justa distribuição dos recursos e proporcionará um ambiente são e sustentável.

Iniciadores: Awad Abdel Fattah, ex-secretário geral do partido Balad; Rachel Giora, professor de linguística; Suhair Khoury, prof. de literatura inglesa; Ilan Pappé, prof. de História, escritor e militante; George Bisharat, prof. de direito; Hatem al-Muhtaseb, militante; Siwar Asleh, estudante pós-graduação e militante; Mansour Nasasra, prof. de política do Oriente Médio e relações internacionais; Dan Owen, estudante; Mahmoud Miari, prof. de sociologia; Sohad Kabha, estudante pós-graduação; Ibrahim Ghattas, farmacêutico; Diana Buttu, advogada e jornalista; Ronnie Barkan, militante político; Suhail Hajouj, enfermeira; Jeff Halper, Comitê israelense contra a demolição das casas (Icahd); Johnny Mansour, historiador e militante; Yosif Dallashe, militante jovem; Umar al-Ghubari, prof. na ONG Zochot; Bana Shughry, advogado; Jumana Ashqar, militante jovem; Dareen Tatour, poetisa e militante; Fathi Dakka, médico; Ismail Naameh, ex-prisioneiro político; Mazim Qumsiyen, diretor do Museu de História Natural da Palestina; Alon Shachar, estudante pós-graduação; Muhammad Grifat, militante comunitário; Eitan Bronstein, co-diretor do Centro Descolonizar; Sanaa Hamoud, estudante pós-graduação; Weaam Balaom, advogado; Ramzy Baroud, redator chefe no Crônica Palestina; Nizar Hawwari, militante político; Samah Kateeb, estudante pós-graduação; Haidar Eid, prof. agregado de literatura inglesa; Khalid Anabtawi, estudante curso superior e militante; Aya Manna, diretora de centro sociocultural; Rafah Anabtawi, coordenadora da organização feminista Kayan; Ihsan Abu Ghosh, poeta; Muhammad Qaada, militante estudantil; Einat Weizman, atriz; Rula Hardal, prof. universitário; Dima Sarsour, cidade de Uppsala (Suécia); Mutaz M. Qafisheh, prof. agregado de direito internacional; Yossi Schwartz, advogado e militante; Areen Hawari, estudante pós-graduação; Shir Hever, jornalista político e econômico; Raja Deeb, coordenador; Ziad Khaylileyeh, médico; Yoav Haifawi, programador e militante; Shadi Omer, militante estudante; Amro Ighbareyya, prof. de instrução cívica; Mohamed Kabha, comerciante militante; Dergham Najami, militante comunitário; Basil Abo Saadi, militante estudante; Taghreed Younis, prof. de estudos da mulher e da diferença sexual; Revital Sefa, militante político; Amir Marshi, responsável de trabalhos dirigidos em sociologia; Ramez Eid, prof. de antropologia e direito; Morad Haddad, militante comunitário e político; Wehbeh Badarni, jurista e sindicalista; David Sheen, jornalista; Nadav Frankovich, tradutor para árabe e militante; Dahesh Akari, ex-prisioneiro político; Radi Jarai, professor universitário de ciências políticas; Qassim Ahmad, psicólogo; Muayyad Meaari, advogado; Karl Sabbagh, escritor e jornalista; Aadi Shosberger, bióloga; Tareq Khateeb, advogado; Muhammad Younis, técnico de informática e militante; Qassim Maghamseh, delegado palestino na Finlândia, Feras Khalayleh, dentista; Avner Dinur, prof. de estudos judeus; Iris Bar, militante comunitário; Ashraf Abdelfattah, contabilista; Adel Manna, historiador e professor; Abdalla Grifat, militante estudante; Shoshana Halper, historiadora; Daphna Baram, diretora do Icahd no Reino Unido; Alaa Odeh, biólogo; Atheer Safa, romancista e tradutora; Hatim Kanaaneh, médico; Rashid Haj Abed, engenheiro de software e poeta; Rula Mazzavi, refugiado, militante; Rabeea Eid, coordenadora de mídia; Itamar Shapira, guia turístico; Rawda Ghanayem, pesquisadora; Zaher Salah, prefeito de Kowab; Yonatan Shapira, piloto e militante político; Jamal Ighbareyya, advogado; Neve Gordon, prof. de política e governo; Danielle Ravitzki, atriz; Hassan Asleh, ex-prisioneiro político; Jacob Katriel, prof. de química; Ali Hassouni, militante comunitário; Zachariah Barghouti, Movimento de Juventude Palestina; Susan Abulhawa, escritora e militante; Suhail Kewan, escritora e jornalista; Moneeb Tarabea, prefeito adjunto de Sahknin; Ammar Abo Qandeel, pesquisador, saúde pública; Blake Alcott, militante CPUSED; Majd Nasrallah, militante jovem; Hamada Jaber, estatístico; Tel Shapira, politicólogo; Ali Mowasi, poeta e escritor; Sami Miaari, prof. de economia e estudos do trabalho; Khaled Abu Ali, militante; Osama Ighbareyya, técnico de informática; Debi Farber, curador da ONG Zochrot; Mahasen Rabus, pesquisador e militante; Mohammad Mahmeed, professor; Bilal Yousef, diretor de cinema; Hadas Kedar, atriz; Iyad Khalyleh, advogado; Jonathan Cook, jornalista e escritor; Bader Abu Rukh, militante estudante; Nadeem Nashef, publicitário; Ali Haider, advogado; Zuhdi Zeidan, prof. universitário; Ali Habeeballa, pesquisador; Bilha Golan, ilustrador independente; Mahmoud Hawwari, universitário e militante; Naji al-Khatib, professor universitário; Baker Awawdeh, militante comunitário; Ameer Mahameed, prof. de árabe; Sultan Abo Obayyad, militante comunitário; Hadas Leonov, técnico de informática; Suhair Asaad, advogada e militante; Fouzi Mahameed, professor; Khalid Teeti, advogado; Safwat Odeh, médico; Mia Tamarin, doutoranda; Yonatan Pollack, gráfico; Adnan Sabah, advogado; Nasreen Masarwi, advogada; Ronen Bem-Arie, prof. de ciências politicas; Albert Andrea, engenheiro de obras públicas; Samah Bsoul, coordenadora de mídia; Ofer Neiman, militante político; Meriam Farah, jornalista; Samir Thyab, médico; Ibraheem Abu Ammar, poeta e militante

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