Para onde vai o Novo Partido Anticapitalista

Entrevista com Lucien Gauthier, da Corrente Comunista Internacionalista (CCI), seção francesa da Quarta Internacional.

Você conhece bem o NPA (Novo Partido Anticapitalista) e sua política. O que acha da posição dele sobre a guerra na Ucrânia?
Lucien Gauthier:
Conheço há muito tempo a corrente política que deu origem ao NPA. Há muito tempo temos discordâncias. Mas agora devo admitir que estou perplexo com a atual política do NPA em relação à Ucrânia.

O que você quer dizer?
Eu conheci os militantes da LCR (Liga Comunista Revolucionária), e depois do NPA, denunciando o imperialismo, especialmente dos Estados Unidos, por isso estou surpreso com a mudança de tom. Em um de seus panfletos, pode-se ler que “a resistência ucraniana armada e desarmada merece o apoio da esquerda e dos anticapitalistas do mundo, apesar do que se pode pensar do governo ucraniano, apesar das segundas intenções das potências ocidentais a quem Zelensky continua pedindo ajuda militar para repelir os ataques do exército de Putin”. Apesar das segundas intenções das potências ocidentais? Como se a política dos EUA fosse secundária. Como se os Estados Unidos e a Otan não estivessem instrumentalizando a questão ucraniana! Como se os EUA e a Otan pudessem apoiar o povo ucraniano, ou qualquer outro povo. Eles foram ao Afeganistão para “defender” o povo afegão e sabemos o resultado. Eles foram ao Iraque para “defender” o povo e as populações curdas e o resultado é a desagregação do Iraque. A França interveio no Sahel (faixa superior da África abaixo do Saara – NdT) para “defender” os povos do Sahel e sabemos o resultado.

O NPA denuncia a agressão da Rússia
Evidentemente, há que exigir a retirada das tropas russas, mas também da Otan. O NPA, em um longo artigo intitulado “Por uma bifurcação internacionalista”, escreve: “Há de fato diferenças muito concretas entre o neoliberalismo de Zelensky e o fascismo do regime russo (…). Consideramos que esse “mundo multipolar” corresponde ao poder crescente de regimes neofascistas e que há urgência na derrota militar e política de Putin, ponta avançada do fascismo no século 21. Negar isso é apagar as diferenças entre a democracia burguesa liberal e o regime autoritário fascista”. Então, a marca da situação mundial é a escalada dos regimes neofascistas, dos quais a Rússia é a ponta avançada, e não o fato de que os EUA querem ser a polícia do mundo! Diante do fascismo de Putin, como diz o NPA, devemos apoiar a democracia burguesa liberal dos Estados Unidos?

É por isso que o NPA apóia o fornecimento de armas dos EUA e da OTAN para a Ucrânia?
Em uma entrevista de Olivier Besancenot (ex-candidato presidencial a LCR) ao site Mediapart, este explica: “Achamos compreensível que os ucranianos exijam armas, especialmente armas defensivas, que lhes permitam ter controle do espaço aéreo. (…) Quanto à questão das sanções econômicas, nós defendemos sancionar os oligarcas”. Já vimos Olivier Besancenot melhor inspirado! Apoio ao fornecimento de armas e apoio às sanções contra o povo russo; os oligarcas zombam das sanções, eles continuam a enriquecer, como a imprensa revelou, mas o povo russo sofre.

O NPA critica as organizações de esquerda que não apoiam Zelensky
Com efeito, ele escreve: “Entre os movimentos de esquerda no mundo, ainda há muitos que, embora condenem a política de Putin, tentam justificar essa invasão por ‘provocações’ da Otan e dos Estados Unidos”. E, mais uma vez, é preciso isentar a Otan e os Estados Unidos para fazer recair a responsabilidade apenas sobre Putin. Putin é um ditador horrível que massacra os ucranianos e esmaga o povo russo. Mas quem pode acreditar por um momento que os Estados Unidos e a Otan têm a mínima consideração pelos direitos nacionais do povo ucraniano? Sua intervenção na Ucrânia tem por base o lugar que o imperialismo dos EUA pretende ocupar no mundo contra a Rússia, mas também, na sua mira, contra a China.

O NPA escreve: “Devíamos exigir o desarmamento do povo argelino para pôr fim mais rapidamente à guerra da Argélia devido à colonização francesa? Era necessário impedir o armamento do povo vietnamita para pôr fim à guerra do Vietnã provocada pela intervenção dos EUA? Seria justo negar aviões e armas à República Espanhola contra Franco? Em nome da paz, devemos exigir que os povos curdo e palestino parem de lutar contra as agressões que estão sofrendo?” O que você acha disso?
É inacreditável! O povo argelino se levantou contra o imperialismo francês e não com seu apoio! E para a sua vitória, o povo argelino contou um milhão e quinhentos mil mártires, que morreram para que a Argélia pudesse viver.

Milhões de vietnamitas morreram na luta, primeiro contra o imperialismo francês, derrotado em Dien Bien Phu, depois contra o imperialismo estadunidense, derrotado em Saigon. O povo palestino foi expropriado de suas terras por decisão das potências imperialistas, tendo à frente os EUA, e com a concordância da burocracia de Stalin para organizar a divisão da Palestina em 1948. Conheci os militantes da corrente que deu origem ao NPA, que na época lutavam para apoiar o povo argelino, o povo vietnamita contra o imperialismo e também o povo palestino. O que esses militantes pensam sobre as posições atuais do NPA?

Como ousar comparar a guerra por procuração conduzida pelos Estados Unidos na Ucrânia com as lutas dos povos vietnamita e argelino? Onde vai parar o NPA?

Ele diz que devemos ajudar a Ucrânia
Claro que devemos ajudar os ucranianos. Mas como? Em 12 de maio de 2022, em um artigo no L’Anticapitaliste, o jornal do NPA, lê-se: “Enormes somas de ajuda de organizações financeiras internacionais e países ocidentais serão necessárias nos próximos anos. Numa reunião convocada pelo FMI e pelo Banco Mundial, o primeiro-ministro ucraniano estimou que a reconstrução de seu país exigiria 600 bilhões de dólares e que ele precisaria de 5 bilhões de dólares por mês nos próximos 5 meses apenas para manter o seu orçamento. Ambas as organizações já entraram em ação. No início de março, o FMI aprovou um empréstimo emergencial de 1,4 bilhão de dólares e o Banco Mundial, de outros 723 milhões, e isso certamente é apenas o início de um fluxo de longo prazo para a Ucrânia por parte desses dois credores, enquanto os governos ocidentais e a União Europeia, sem dúvida, fornecerão seus próprios empréstimos e subsídios”. E isso foi publicado no L’Anticapitaliste! Conheci os militantes do NPA, e os da LCR antes deles, lutando contra o FMI e o Banco Mundial, declarando que a dívida não é dos povos e que deve ser cancelada! Denunciavam a interferência imperialista sob o pretexto de “ajuda financeira”! E hoje eles a aprovam e aplaudem!

O NPA participa de uma campanha de solidariedade com a Ucrânia
Em 25 de fevereiro, o presidente da União dos Ucranianos na França, Jean-Pierre Pasternak, apelou a manifestações, um ano após a invasão russa na Ucrânia. A AFP (20 de fevereiro) relata: “Representantes de diferentes partidos – PS, EELV (verdes), NPA, Renaissance (Macron) anunciaram sua presença. Esperam-se também o embaixador ucraniano na França, Vadym Omelschenko, e representantes de diferentes comunidades, principalmente georgianos, bálticos e poloneses.”

Assim, o NPA se manifesta junto com o partido de Macron em plena “reforma da previdência”! O governo Macron anuncia um orçamento militar de 413 bilhões de euros. O que o NPA escreve sobre isso: “Combater o aumento dos orçamentos militares e a militarização da sociedade é necessário e condiz com o apoio à resistência ucraniana armada e desarmada. Vamos exigir que a França, em vez de vender armas para ditaduras, ajude seriamente a resistência ucraniana sem aumentar seus próprios gastos militares.” É isso que faz o governo Macron, que está aprovando na Assembleia centenas de milhões de euros de “ajuda à Ucrânia” (em detrimento da saúde, da educação etc.) e entregando armas à Ucrânia. E o NPA, cuja tradição é o antimilitarismo, pede a Macron que entregue armas!

Como é possível combater a política de Macron na França aprovando sua política em relação à guerra na Ucrânia?

Muitos militantes do NPA, militantes próximos e ex-membros da LCR, estão chocados com o curso atual que o NPA está tomando, em relação à Ucrânia. Eu os entendo. Ninguém pode congratular-se com esse desvio que afasta centenas de jovens militantes da luta clara e direta contra o imperialismo. A campanha “Parem a guerra”, conduzida em toda a Europa, reúne militantes de todas as tendências, inclusive militantes próximos ao NPA, antigos militantes da LCR, e nós saudamos isso. Parem a guerra! Cessar-fogo! Nem Putin, nem Otan! Nem Zelensky, nem Macron! Abaixo a guerra! Esta é a base do internacionalismo e da independência de classe.


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