POI francês lança carta aos abstencionistas por voto em Mélenchon

O Partido Operário Independente (POI), da França, lançou no dia 8 de dezembro, ao final de seu congresso, uma carta aos cidadãos que se abstiveram nas ultimas eleições francesas. Estes eleitores somaram milhões no segundo turno em 2017 e chegaram a cerca de 60% nas eleições regionais de 2020. Veja a carta abaixo:

Carta aos abstencionistas

A todos aqueles que resistem, que estão cansados e que querem que isso mude,

Em alguns meses ocorrerão as eleições presidenciais. O que escolher?

Há certezas, dúvidas, interrogações.

Que os Macron, Le Pen, Zemmour, Pécresse (¹), queiram prosseguir, cada um à sua maneira, a política nefasta atual, essa é uma certeza.

Que os Hidalgo, Jadot, Roussel, Montebourg (²) …, em contradição total com as ideias de “esquerda” da qual eles se reivindicam, acabem por sustentar a mesma política que seus partidos praticaram quando estiveram no poder, é uma certeza. Eles pouco disfarçam.

Vem daí a razão pela qual, de eleição em eleição, cansados dos reveses e das promessas não cumpridas, nós nos abstivemos massivamente. E o fizemos corretamente.

Por que continuar votando naqueles que, uma vez eleitos, fazem o inverso daquilo que eles prometeram para serem eleitos? Por que continuar a dar confiança àqueles que, “de esquerda”, fazem, uma vez eleitos, uma política “de direita” contra nós? Lembramos os apelos inflamados de um Hollande, “para mim, o inimigo é a finança”. Hollande, sustentado pelos dirigentes do Partido Socialista, do Partido Comunista, dos Verdes e de outros. Nós sabemos o que aconteceu com sua “luta” contra as finanças, presentes principescos para os mais ricos; sabemos também das políticas de seus vários governos, com a lei El Khomri, o uso do artigo 49-3 (³) e, para acabar, as declarações nauseantes de um Valls, a proposta de privação de nacionalidade contra os imigrantes, que o horror que os fez sofrer, hoje se vê.

Sem nenhuma dúvida, nós nos abstivemos com toda consciência e com todo conhecimento de causa.

Depois, em 2017, junto com milhões, nós votamos em Mélenchon. Nós fomos 7 milhões a votar por esta possibilidade de ruptura com este mundo de submissão aos poderosos, sempre partidários de “não tem como fazer diferente” e sempre contra os homens e mulheres, a população trabalhadora que não tem nada além de seu trabalho para viver. Ou que, sem trabalho, sobrevive com pouco e com cada vez menos. Depois, no 2o turno de 2017, novamente nos abstivemos. E isso, apesar da propaganda desenfreada, das pressões consideráveis de todos os lados vindas da quase totalidade dos partidos, do PC, do PS, dos Verdes… Visando a nos pegar na “armadilha da extrema direita” habilmente organizada. Ao contrário de todos eles, e em ruptura com aqueles que vieram de uma trágica tradição, a LFI (França Insubmissa), o PG (Partido de Esquerda) e Mélenchon, não nos chamaram a votar no Macron, o que seria votar contra nossos próprios interesses, já que Macron já havia mostrado, com sua participação no governo Hollande, seus objetivos antissociais e antioperários. Nós recusamos essa armadilha infernal, de modo que Macron só foi eleito com 18% do corpo eleitoral.

E, novamente, tivemos razão em fazê-lo.

E depois, o que aconteceu?

Juntos, homens e mulheres de todos os horizontes, militantes sindicais ou políticos, simples cidadãos, laicos, republicanos, deixamos de lado nossas diferenças ou mesmo nossas divergências, e nos reunimos para resistir e lutar.

Na ação, nas greves, nas manifestações, nos protestos e ações de rejeição de todo tipo, nesse movimento prático, concreto, a liberdade de consciência, a liberdade de escolha e de livre confrontação. Essa ação, no final das contas o principal vetor do combate para uma mudança radical.

Juntos com os Coletes Amarelos, com nossas organizações sindicais, contra a reforma da Previdência, para recusar a vergonhosa utilização da crise sanitária por Macron e seu governo para seus próprios fins, pela laicidade, contra as leis liberticidas, contra a utilização das religiões para nos jogar uns contra os outros, contra a destruição dos serviços públicos, das escolas e das universidades, contra as demissões e a destruição dos hospitais, contra a repressão do Estado, com os jovens manifestantes na crise do “Fim do mundo, fim do mês! A mesma luta contra Macron!” (4).

Em todas as situações importantes, a LFI, o Partido de Esquerda e Jean-Luc Mélenchon estiveram ao nosso lado. Cada vez, durante estes cinco anos, eles estiveram juntos conosco.

Inclusive, eles procuraram, com sua bancada na Assembleia Nacional, transmitir, propor, resistir. Sem grandes chances de sucesso. As instituições da 5a República foram modeladas de tal maneira que elas interditam o exercício real de democracia. A tal ponto que, após meses, estamos sendo “governados” por um Conselho de Defesa presidido pelo presidente Macron, cuja composição desconhecemos, que interdita a divulgação de suas deliberações, e que decide aquilo que nós devemos aceitar. Essas são as instituições da 5a República. Sem as varrer, sem nos desembaraçarmos delas, qualquer ruptura de fundo será impossível. Foi o povo mobilizado que, na Revolução de 1789, varreu o Antigo Regime e permitiu o advento de uma Assembleia Constituinte Soberana, única forma de avançar rumo a uma mudança radical e à democracia.

Em todas as ocasiões junto conosco, e também recusando o compromisso, LFI, PG e Jean-Luc Mélenchon permitiram algumas poucas forças políticas pudessem impedir a operação de Macron de utilizar sua polícia para obter o apoio à sua política. Já Hidalgo, Jadot, Roussel, Montebourg… se prestaram a isso…

O que ocorrerá de agora até as eleições?

Não sabemos. Constatemos, entretanto, que os acontecimentos de Guadalupe e da Martinica dão um sinal daquilo que amadurece no subterrâneo da sociedade. Ao mesmo tempo em que eles provocam reticências e inquietudes. Não da nossa parte.

Mas, quaisquer que sejam os acontecimentos, e nós estamos muito atentos, se desenha que novamente, como em 2017, a candidatura de Mélenchon é sentida como portadora de uma disposição de rejeição e de ruptura. Novamente, como em 2017, e posteriormente a todas as lutas travadas em comum, nós não nos absteremos e procuraremos nos agrupar. Nós votaremos Mélenchon.

O que sairá das eleições de abril de 2022?

Certamente, nós não sabemos, e ninguém pode prever, mas a resistência que fez Macron recuar em relação à sua reforma da Previdência torna a situação instável.

Gato escaldado tem medo de água fria; nós conhecemos bem esta famosa fórmula “as promessas só enganam aqueles que creem nela”. Se trata de concordar com tudo o que dizem e propõem a LFI, o PG, Mélenchon? Concordando ou não, nós temos a concepção da livre discussão e da capacidade de mútuo convencimento. Se trata de dar um cheque em branco a quem quer que seja? Não mais. Nós temos a concepção da Comuna de Paris, dos mandatos eletivos e revogáveis.

Mas nós temos uma certeza. Nós temos uma oportunidade, mesmo por meio das eleições, de nos agrupar para dizer: nós estamos aqui, nós resistimos, nós recusamos, nós procuraremos reagrupar nossas forças com toda a consciência, com toda a liberdade de crítica, para derrubá-los junto com suas instituições, para resistir, para viver. E mostrar, assim, a força e a potência dessa recusa que todos terão que considerar. No sentido contrário, eles também se reagruparão

Conosco, com disposição política de ofensiva, com o Partido Operário Independente, você também, vote Mélenchon.

8o Congresso Nacional do POI, aos 12 de dezembro de 2021.

Notas do Editor:

(1) Para as eleições presidenciais de abril: Emanuel Macron, candidato à reeleição do Em Marcha (direita); Marine Le Pen, candidata do Reagrupamento Nacional (extrema-direita); Eric Zemmour, candidato do Reconquista (extrema-direita); Valerie Pécresse, do Republicanos (direita).

(2) Anne Hidalgo, candidata do Partido Socialista; Yannick Jadot, candidato do EELV (verdes); Fabien Roussel, candidato do PCF; Arnaud Montebourg, ex-ministro do PS, candidato do La Remontada.

(3) Lei El Khomri, lei antitrabalhista; o artigo 49-3 da Constituição gaulista permite a adoção sem voto de uma lei.

(4) “Fim do mundo, fim do mês!”, alusão à palavra de ordem inicial dos Coletes Amarelos, movimento de contestação social contra o aumento dos combustíveis, pedágios e outros, para financiar a “transição ecológica”.

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