PSTU: Malabarismos para atacar o Plebiscito Constituinte sobre o sistema político

 Em um texto de 27 de novembro o dirigente do PSTU, Valério Arcary, busca responder à pergunta: “Por que a luta pelo plebiscito pela Constituinte exclusiva para a reforma política é uma tática equivocada?

É bastante provável que tal texto corresponda à necessidade de explicar a ausência do PSTU na campanha do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana Sobre o sistema Político que, entre 1º e 7 de setembro passado, recolheu quase 8 milhões de votos em todo o país. Desses, 97,5% votaram pelo SIM.

É preciso, inicialmente, recordar que para o PSTU o “centro da tática” em 2014 era a denúncia do governo Dilma por ocasião da Copa do Mundo. Primeiro flertando com o slogan “Não vai ter Copa” e depois lançando o “Na Copa vai ter luta!”, cujos fracos resultados são conhecidos.

Ausente do movimento que engajou dezenas de milhares de militantes, trabalhadores e jovens na campanha do Plebiscito Constituinte, não tendo obtido qualquer progresso em seu desempenho eleitoral ( Zé Maria, teve 91.209 votos para presidente) e tendo proposto o voto nulo no 2º turno – como se Dilma e Aécio tivessem por trás de si as mesmas forças e classes sociais – o PSTU agora se sente obrigado a se explicar sobre temas que até ontem fingia ignorar: reforma política e constituinte.

Mas, a explicação dada no texto de Valério está em aberta contradição com a tradição do marxismo e do trotskismo – que o PSTU diz reivindicar – sobre a questão da democracia em geral e da Constituinte em particular.

Quais são os argumentos esgrimidos?

Seriam duas as “razões principais” para “considerar perigosa a defesa da prioridade da reforma política”. A primeira é que “ilude, desvia da questão central da conjuntura: não se pode combater a burguesia sem fazer denúncias e exigências, ou seja, lutar contra o governo Dilma que colabora com a burguesia”.

Que o governo Dilma é de colaboração de classes com a burguesia ninguém duvida; nem a direção do PT e nem a própria presidente reeleita. Afinal, PMDB, PP e outros que tais fazem parte da “base aliada”. Mas em que a exigência de uma Constituinte sobre o sistema político “ilude” ou “desvia da questão central” e, afinal, qual é a “questão central” para o PSTU? Seria, o “lutar contra o governo Dilma”?

Depois de vários parágrafos para provar que o governo não quer romper com a burguesia apelando para idéias como: “Dilma não será Chávez” (na Venezuela os militantes ligados ao PSTU tampouco viram diferença entre Maduro e Capriles, é bom recordar); que a equipe econômica comandada por Levy é o que é; que há “ilusões” em reformas “indolores” e que essas ilusões seriam “majoritárias” na esquerda (a prova seria que setores do PSOL chamaram o voto “anti-Aécio”!?) chega-se à conclusão: “A campanha pela Constituinte é, portanto, uma tática equivocada, diversionista, estende uma mão a frações burguesas hipotéticas” (quais seriam elas?) e “já está dividindo a esquerda”. Este último argumento é uma inversão completa da realidade, pois foi o PSTU quem se negou a participar da campanha do Plebiscito prolongando a política divisionista que mantém diante de organizações de massa (como a CUT, a UNE e o MST) e que aplicou antes durante e depois das eleições gerais deste ano!

Qual deveria ser então a “campanha prioritária para uma esquerda que mereça ser socialista”, como diz Valério em seu texto? A resposta é uma lista de reivindicações econômicas; importantes sem dúvida, mas totalmente desligadas da questão política das instituições reacionárias herdadas em boa medida da ditadura, portanto, daquilo que os marxistas chamam de “questão do poder”: “o que é central é o salário mínimo de 2015, o direito ao trabalho, os 10% do PIB para a educação e a saúde, e um longo etc.”.

Assim, um “longo etc.” é oposto à luta pela democracia e pela Constituinte com o falso argumento de que o movimento é de “classe média” – a CUT e o MST passam a ser, num passe de mágica, a direção da “classe média”.

Para os revolucionários – e Outubro de 1917 o demonstrou de forma cabal – a classe operária, para ganhar a maioria oprimida da nação para o seu lado, deve abraçar as bandeiras da democracia e da constituinte em particular. Bandeira agitada pelos bolcheviques ao longo da revolução russa ao mesmo tempo em que eram constituídos os sovietes como órgãos de poder. Aos partidos de base operária ou popular com influência nas massas, os revolucionários faziam a exigência: “rompam com a burguesia e terão a nossa ajuda”. Embrião da política de frente única operária e frente única anti-imperialista que os quatro primeiros congressos da Internacional Comunista – antes de sua estalinização – consolidaram.

No próprio programa de fundação da 4ª Internacional redigido por Trotsky em 1938, pode-se ler:

“É impossível rejeitar pura e simplesmente o programa democrático: é necessário que as próprias massas ultrapassem este programa na luta. A palavra de ordem de ASSEMBLÉIA NACIONAL (OU CONSTITUINTE) conserva todo seu valor em países como a China ou a Índia. É necessário ligar, indissoluvelmente, esta palavra de ordem às tarefas de emancipação nacional e da reforma agrária. É necessário, antes de mais nada, armar os operários com esse programa democrático. Somente eles poderão sublevar e reunir os camponeses. Baseados no programa democrático e revolucionário é necessário opor os operários à burguesia ‘nacional’.

Em certa etapa da mobilização das massas sob as palavras de ordem da democracia revolucionária, os conselhos podem e devem aparecer. Seu papel histórico em determinado período, em particular suas relações com a Assembleia Constituinte, é definido pelo nível político do proletariado, pela união entre ele e a classe camponesa e pelo caráter da política do partido proletário. Cedo ou tarde os conselhos devem derrubar a democracia burguesa. Somente eles são capazes de levar a revolução democrática até o fim e, assim, abrir a era da revolução socialista.”

O PSTU, de um só golpe, vira as costas à frente única e “rejeita pura e simplesmente” a luta por uma constituinte sobre o sistema político em troca de reivindicações econômicas. Lênin, no início do século 20, em “Que fazer?” havia caracterizado tal tipo de posição como “economicista” e combateu para que o proletariado fosse o líder da luta pela democracia disputando com a burguesia liberal a influência sobre os setores explorados e oprimidos da nação.

Mais adiante, depois de criticar o “desperdício de energia” em uma batalha que estaria condenada ao fracasso – o que demonstra um desprezo pela ação das massas que pode sim obrigar parlamentos e inclusive governos a, sob pressão, atenderem reivindicações e até a irem “mais além do que pretendiam” (Programa de Transição) – o texto de Valério especula que “mesmo que houvesse esse plebiscito não há razão alguma para acreditar que a composição da Constituinte seria melhor ou menos ruim que o atual Congresso. O mais provável é que seria tão ou mais reacionário. Por outro lado, se tivéssemos força de choque para mobilizar e impor a este Congresso uma decisão como o plebiscito e a convocação de uma Constituinte, porque não impor decisões muito mais interessantes como os 10% do PIB para a educação, só que já? Ou o salário mínimo do DIEESE, já?”.

Um raciocínio que é de um esquematismo constrangedor (para seu autor).

Em primeiro lugar, o que a campanha do Plebiscito Constituinte coloca em discussão é a necessidade da eleição de uma assembleia unicameral (sem Senado), com proporcionalidade real, sem financiamento empresarial, exclusiva para a reforma do sistema político e soberana nas suas decisões. Com tais critérios, por que o mais provável é que “seria tão ou mais reacionária” que o atual Congresso”, como diz Valério? Ele sugere que fiquemos com “o atual Congresso” para fazer a reforma política?

Em seguida, o texto afirma que se houver “força de choque” para impor o Plebiscito Constituinte – vale dizer, o questionamento, pela ação das massas, das instituições apodrecidas do Estado burguês no Brasil – seria melhor usá-la para os 10% do PIB “já” e o salário mínimo do Dieese “já”! De novo, parece irrelevante para a luta por reivindicações econômicas que exista um Congresso reacionário, cujas regras perpetuam a dominação de oligarquias e capitalistas sobre as tomadas de decisões e a subordinação do país ao imperialismo. Palavra, aliás, ausente do longo texto de Valério, que fica prisioneiro do quadro nacional “priorizando” a luta contra o governo Dilma!

Ora, se o movimento operário e popular lograr reunir as forças necessárias para impor uma constituinte é porque se abriu uma nova situação política no país configurando uma nova relação de forças que, inclusive, abriria mais possibilidades ao atendimento de reivindicações pendentes, seja para as questões de salário, emprego e investimentos públicos, seja para a reforma agrária, a reforma tributária e outras que são travadas pelo funcionamento do atual sistema político.

Qual seria a segunda razão para ser contra a reforma política?

Para o autor do texto, “a campanha pela reforma política é errada porque o combustível social inflamável que potencializa a defesa da reforma política são as expectativas da classe média de que o problema do Brasil não é o capitalismo, mas a corrupção”.

Assim, uma campanha popular, apoiada por organizações de massa, sindicatos e movimentos de juventude lançada em 15 de novembro de 2013 como resposta ao grito vindo das ruas nas jornadas de junho daquele ano – “vocês não nos representam” – é tratada como fruto das “expectativas da classe média” de combate à corrupção!

A partir daí o texto se perde em conjecturas sobre “corrupção e capitalismo” e sobre a operação Lava Jato. Para concluir: “Evidentemente, exigir que as investigações venham a ser realizadas até ao fim é mais do que justo. É indispensável. Quem entre os trabalhadores e a juventude não se alegrou quando foi feita a prisão preventiva dos presidentes ou gerentes executivos de algumas das maiores empreiteiras de construção civil pesada no passado dia 14 de novembro?”.

Logo, o PSTU estaria a favor de investigar a corrupção das empreiteiras e altos funcionários da Petrobras, mas não da “errada campanha pela reforma política”. Valério diz que “reforçar a ilusão de que, por exemplo, uma reforma política que proíba o financiamento empresarial dos partidos durante uma campanha eleitoral, poderia impedir que a burguesia continuasse a entregar centenas de milhões para os representantes dos seus interesses é uma ingenuidade perigosa.”

Depois de alertar os “ingênuos”, o texto prossegue negando qualquer possibilidade do “PT e seus aliados” encabeçarem a luta contra a corrupção, pelo menos “desde o mensalão”, confirmando a posição do PSTU de fazer coro com a direita no julgamento de exceção contra dirigentes petistas na AP 470, para arrematar: “Pior ainda agora com a Lava Jato e a Petrobras”.

Em seguida se decreta como “improvável” que ocorra uma “mobilização importante de massas operárias e populares, ou mesmo da juventude estudantil, sobre um programa democrático anticorrupção pela defesa de um plebiscito por uma Constituinte exclusiva”.

Assim, para o dirigente do PSTU, a campanha que ao longo de 2014 envolveu dezenas de milhares de ativistas e militantes pelo Plebiscito Constituinte não merece ser considerada uma “mobilização importante”. Para Valério, essa “reivindicação não nasceu das ruas de junho de 2013, mas do Palácio do Planalto” e dos “oito milhões”, nem “uma minúscula parcela desses apoiadores pode ser mobilizada nas ruas”.

Mas, se por hipótese, diz o seu texto, “as classes médias saírem às ruas em massa, ou seja, na escala de dezenas de milhares, por sua própria conta por uma reforma política democrática e progressiva, a esquerda socialista deve, como é óbvio, apoiar” para “lutar pela direção deste combate democrático apresentando um programa independente dos trabalhadores”.

Então, se as “classes médias por sua própria conta” (seria o caso de perguntar: com que organizações e partidos de “classe média”?), saír às ruas em massa por uma reforma política democrática, a “esquerda socialista” (leia-se, o PSTU) vai apoiá-la e lutar pela direção do movimento (!?).

Assim, o círculo se fecha. O mesmo texto que condena as organizações dos trabalhadores e da juventude que fazem a campanha do Plebiscito Constituinte afirma em seguida que se a “classe média” – a mesma que, segundo Valério: avalia “o PT e o governo como corruptos” – se lançar à luta, aí sim o PSTU iria a reboque disputar a direção da mobilização.

É a lógica de uma linha “ultra esquerdista”, de costas para as organizações “majoritárias” da classe trabalhadora e da juventude; que despreza os oito milhões de votos no Plebiscito Popular, mas que se dispõe a engrossar a mobilização da “classe média” que destila o “antipetismo” – como no passado destilou o “anticomunismo” – para atacar o conjunto do movimento operário e popular (inclusive o PSTU, diga-se de passagem). Triste papel para quem se pretende “uma esquerda socialista”!

Júlio Turra

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