Rezem e Atirem

Karl Liebknecht •

[ NOTA DO EDITOR: No ano que se completa 100 anos da carnificina imperialista da Primeira Guerra Mundial,  publicamos o discurso do militante revolucionário Karl Liebknecht pronunciado em 26 de março de 1912 no Landstag (parlamento regional) da Prússia, onde era deputado.   

Karl Liebknecht foi um dos principais dirigentes do partido social-democrata alemão até a I Guerra Mundial (1914-1918). Junto com Rosa Luxemburgo rompeu com os social-democratas quando estes votaram a favor dos créditos para a guerra imperialista promovida pela burguesia alemã. Este fato foi um divisor de águas no movimento operário do começo do século XX, do qual Lenin tirou como conclusão a falência da II Internacional. Liebknecht, Rosa Luxemburgo, Lenin, Trotski e outros revolucionários partiram então para o combate pela fundação da III Internacional. Nesse discurso Liebknecht ataca o militarismo chauvinista que prepara o jovem para a guerra imperialista, a exploração do trabalho infantil e das jovens mulheres, a perseguição às organizações da juventude.  

O presente texto,  foi extraído da brochura “Juventude e Socialismo”, editada em 1999 pela comissão nacional de formação da Corrente O Trabalho do PT, seção brasileira da 4ª Internacional. ]

Rezem e Atirem

[…] Para nós —que os vemos com diversão trabalharem pela nossa destruição, sob o pretexto de proteção da juventude—, é particularmente agradável observar a que ponto vocês estão desunidos. Assim, de uma parte, o Centro e as organizações confessionais em geral assinalam o papel predominante que deve ter a Igreja neste domínio; de outro lado, o sr. Von Kardoff, cuja influência, graças a seu partido e a suas relações, é considerável, afirma ao contrário e de modo enérgico que a Igreja não fez até agora o que deveria ter feito. De acordo com ele, seria preciso criar organizações interconfessionais porque a grande massa do povo, em virtude de seu afastamento da Igreja, não pode ser reunida pelas organizações confessionais. Mas a luta entre diferentes organizações se caracteriza antes de tudo pelo modo como disputam entre si a repartição de fundos, e disso tivemos a prova mais agradável na Conferência de Elberfeld1. O prefeito de Hagen em pessoa, Cuno, declara que ele ficou contrariado ao mais alto grau ao ver as diferentes organizações disputarem o melhor lugar à manjedoura e finalmente deplora que esses milhões tenham fornecido à social-democracia um excelente material de agitação. É incontestável que essa disputa em torno da subvenção governamental tem um caráter pouco atraente, e faz aparecer a proteção governamental à juventude como um fenômeno muito pouco resolvido do ponto de vista moral. De resto, o tipo de proteção à juventude que assegura essa subvenção do Estado é o que testemunha o Deutsche Tageszeitung2 de 2 de março último. Ele trata dos cuidados extremos, “em meio à vida prática”, graças aos quais a juventude rural é educada pela senhora Von Schwerin3 no senso do patriotismo e de todas as qualidades que vocês amariam, em seu próprio interesse, de inculcar à juventude do povo. Podemos citar igualmente todas as declarações de Mathias Claudius etc., todas as coisas que lhes parecem particularmente próprias para reforçar o “amor à pátria”. Vejam em seguida um hóspede estrangeiro, o pastor Schlegelmilch, que iniciou uma turnê de conferências na Pomerânia: ele fala de “bênção do solo natal” e da “maldição de ser privado da pátria” diante da juventude camponesa, diante de filhos de operários agrícolas, e naturalmente também da missão que cabe à cidade de Berlim. Essa foi, a se acreditar no Deutsche Tageszeitung, uma “noite verdadeiramente para ser exaltada”. Sim, senhores, é qualquer coisa de particular falar da “maldição de ser privado da pátria” e da “bênção do solo natal” perante pessoas que seu sistema econômico deixa de fora, que não podem usufruir dessa “bênção” porque não possuem solo natal e não poderão jamais possuir. (Interrupção.) Não tentem me contradizer. Eu vou lembrar apenas contratos de trabalho bem conhecidos, estes contratos de diaristas, que são ainda moeda corrente na Prússia, e que contêm uma cláusula segundo a qual se há crianças de mais de catorze ou quinze anos que não trabalham na fazenda, os pais são obrigados a expulsá-los da casa, expulsá-los do solo natal. (“Escutem! Escutem!”, ouve-se na bancada dos social-democratas.) Essas cláusulas estão ainda por toda a parte, porque os senhores proprietários rurais crêem ter o direito de obrigar as crianças dos diaristas a entrar como servos a seu dispor.

É de resto muito divertido ver como, graças à subvenção governamental, encorajados pela chuva de ouro que cai de cima, o clero, os militares etc. se encontram todos juntos. Muito divertido constatar como se educa os jovens em um espírito militarista, com a bênção do clero. (“Muito bem!”, na bancada dos social-democratas.) O pastor dá sua bênção, vai ao templo e reza. Depois ele vai e vem, por montanhas e vales, e adiante novamente faz-se a guerra – frisch, fromm, fröhlich, frei4 – de modo cristão, segundo o mandamento do amor ao próximo. Ah, Deus! Tudo isso é tão ridículo que não se pode de fato falar seriamente.

Ensina-se também às crianças: o tiro após a reza. Sim, senhores, isso não é um pouco perigoso? Vocês não têm um pouco de medo de ensinar as crianças do proletariado a atirar? Eu peço que vocês considerem se não seria preferível encontrar outras ocupações. Mas rezar e atirar, isso vai muito bem junto (“Tudo de modo cristão”, na bancada dos social-democratas.) Do modo como a religião é praticada aqui, é exatamente a mesma coisa, porque o modo como vocês a praticam não é nada mais, no fundo, que uma violência, exatamente como a guerra e outras violências humanas (“Muito bem!”, na bancada dos social-democratas).

Eu retorno a esse famoso número do Deutsche Tageszeitung de 2 de março. Ele trata da questão de um clube social-democrata de tiro, que se encontra, parece, em Dresde. O jornal se queixa que os social-democratas também têm clubes de tiro e mostra que existe, de fato, um grande perigo. Seria interessante saber o quanto. Propõe-se, manifestamente, mobilizar o governo e a polícia contra o grande perigo que representam os clubes de tiro social-democratas. Senhores, é inútil falar longamente do jogo guerreiro e “grandioso” de Essen, que provoca entusiasmo no próprio sr. Hackenberg, ainda que ele seja muito característico do modo como vocês educam a juventude. Conduzem-se 5.000 crianças, ministram-lhes abundantes exercícios de tiro e outros exercícios de patriotismo entusiasmado, e quando a juventude está suficientemente exaltada com a idéia de poder aniquilar vidas humanas, ou ao menos de haver aprendido como se pode fazer isso (“Muito bem!”), é então que o sentimento religioso é desenvolvido em seu mais alto ponto. Ah, Deus, que gênero de cristianismo, verdadeiramente, senhores!

[…] E agora, senhores, vejamos um pouco como se dá essa proteção da juventude? Fala-se da ação comum das autoridades do Estado e das municipalidades, das autoridades religiosas, das associações patrióticas de todo o tipo, de pessoas privadas pertencentes aos meios os mais diferentes, de conselheiros da indústria, de médicos, de inspetores de escola etc. Sábado, na Câmara dos Senhores, nós vimos muito se falar das magníficas realizações dos médicos e dos advogados nesse domínio, considerando-os como pessoas particularmente qualificadas. Coloca-se a questão de utilizar também as instituições criadas por outras administrações, principalmente as administrações de empresas, de minas, de ferrovias etc., assim como as que existem já relacionadas com as escolas profissionais. Assim, em consequência, os senhores professores, os senhores pastores, os senhores Landrat que tocam os primeiros violões, pois, como na canção:

E depois o senhor tenente, o tenente, o tenente,

E depois o senhor tenente,

a qual coloca sua marca registrada em todos os negócios: Trovão de Deus! Impecável! Assim, o senhor tenente, em companhia do senhor pastor e dos senhores Landrat, de não sei quem mais, serão encarregados do trabalho que consiste em reconciliar a juventude proletária com o regime social atual! (“Muito bem!”, na bancada dos social-democratas.) De fato, senhores, vocês não sabem quanta alegria nos dão quando continuam nessa via. (“Muito bem!”, na bancada dos social-democratas.) Enquanto um de vocês, senhores, pretende que o interesse a respeito desses assuntos pela social-democracia mostra que eles nos inquietam, ah, que vocês abram o olho! Com tais ações vocês só vão levar água ao nosso moinho e tornam-se a si mesmos ridículos. (“É verdade!”, na bancada dos social-democratas.)

Senhores, alguns dentre vocês têm uma conversa afetada e untuosa para descrever os objetivos altamente idealistas desta política de proteção da juventude. No decorrer dos debates do último sábado, ouvimos todo tipo de declarações retumbantes e até ameaçadoras sobre a fidelidade ao rei e o amor à pátria, a crença em Deus e outras belas coisas. O senhor Heckenroth nos disse: “Liberdade e amizade, natureza e arte cavam na fossa da ciência e do progresso das facilidades técnicas que encontram compreensão e proteção.” E ele glorificou o “alto e verdadeiro idealismo” no qual se inspiram os esforços do senhor ministro. Em seguida, nos falou do idealismo corajoso, da grande coragem com a qual o senhor ministro prossegue sua atividade nesse terreno. E as declarações podem ser entendidas assim: “Nós não podemos dar à nossa atividade um sentido político…” “Espírito patriótico em relação a nossa vida nacional…” “Fidelidade ao imperador e ao Reich e ao rei…” “Tomem as coisas como elas são, não procurem ler nas entrelinhas…” “Nacional”, “patriótico” e todas aquelas que são grandes palavras: “educação religiosa” etc.

Senhores, nós estamos cheios (“Muito bem!”, na bancada dos social-democratas) e vocês mesmos deveriam estar cheios de toda esta empáfia (“Muito bem!”), como no discurso do ministro dos Cultos, um modelo de banalidade… (manifestações à direita e no centro; o presidente toca a sineta.)

O vice-presidente Dr. Krause – Senhor deputado Liebknecht, o senhor não tem o direito de fazer ataques pessoais. Eu o chamo à ordem.

Senhores, após o decreto do ministro dos Cultos, é expressamente assinalado que não se deve esquecer de respeitar os direitos dos pais sobre seus filhos. É um princípio que o senhor deputado Kesternich também assinalou no ano passado. E, em seu decreto, o ministro dos Cultos lembra de novo o quanto é necessário colaborar com a casa, a família, os pais. Mas na realidade, senhores, vocês procuram alguma coisa muito diferente. Na medida em que a família, os pais, têm uma atitude política que vocês, assim como o senhor ministro dos Cultos, consideram justa, nessa medida, vocês nem sonham em dar uma proteção à juventude. Toda solicitude de vocês ocorre precisamente quando estão convencidos de que os pais educam seus filhos de forma diferente da que vocês desejam. (“Muito bem!”, na bancada dos social-democratas.) Aí, vocês querem se insinuar entre os pais e seus filhos para semear a discórdia nas famílias, vocês querem roubar dos pais as almas de seus filhos. Esse é o objetivo que vocês perseguem de um modo completamente consciente, refletido. (Aprovação à esquerda. Risos entre os deputados do centro.) Senhores, vocês sabem perfeitamente que eu lhes digo a verdade, e se vocês ousam rir, concedem a si próprios o mais triste dos diplomas.

Em seguida, senhores, o senhor deputado Von Kardoff ousa dizer que o jovem operário é o homem mais livre do mundo, mais livre que o jovem saído das camadas mais altas. Eu pergunto a vocês: o que significa isso? É verdade que o jovem operário tem a liberdade de ser jogado na rua com a idade de catorze anos; é verdade que tem a liberdade de ser exposto nessa idade a todas as tentações a todos os perigos (“É verdade!”, na bancada dos social-democratas.) da vida moderna; ele é livre a partir dos catorze anos para se deixar levar por seu chefe e explorador na usina – extraordinária liberdade para o jovem operário de catorze anos! (Muito bem!) Se é verdade que o jovem operário é, segundo o senhor Von Kardoff, o homem mais livre do mundo, deixem então seus filhos juntar-se também aos homens mais livres do mundo! (Aprovação à esquerda.)

O senhor deputado Kesternich declarou, em 14 de março de 1911, em seu discurso: “O espírito de ordem e de submissão que caracterizavam antes a juventude desapareceu em amplas camadas do povo, e nossa juventude atual manifesta às vezes uma inclinação quase doentia à independência.” Sim, senhores, a inclinação doentia à independência no seio da juventude trabalhadora! Uma palavra assim viria aos lábios de um homem que refletisse apenas um pouco (Risos e aprovação na bancada dos social-democratas.) Onde está, portanto, a liberdade dessas pessoas? O que é sua inclinação à independência? É a fome da jovem pele humana do regime econômico atual que se exprime aí – e não outra! (“Muito justo!”) São as necessidades dos jovens operários que põem à prova nossos capitalistas, nossos proprietários rurais. (“Muito justo!” na bancada dos social-democratas.) É por isso que essas jovens pessoas são arrancadas muito cedo de suas famílias! E é também porque seus pais são mal pagos que não podem dar a seus filhos uma formação escolar mais longa. (“É verdade!” na bancada dos social-democratas.) Que os que resmungam a esse respeito se coloquem de uma vez por todas a questão de saber que há centenas e centenas de milhares de operários e de operárias, de mães e pais que, com o coração triste, retirar seus filhos da escola com a idade de catorze anos. (“Muito justo!”); que há filhos de operários que se deixam, com o coração entristecido, retirar da escola e que gostariam muito de poder se beneficiar de uma formação mais longa, como a que beneficia as crianças das classes superiores. E aqui nos vêm falar de inclinação doentia à independência! Se há alguma coisa de doentia é a nossa ordem social, e isso vocês mesmos confirmam a que ponto nós temos razão quando dizemos que esta sociedade deve ser reformada de fio a pavio.

Senhores, a mortalidade infantil entre nós é absolutamente pavorosa. A Alemanha, a esse respeito, está próxima à Rússia (Gritos: “Escutem! Escutem!” na bancada dos social-democratas), é o país, depois da Rússia, mais desfavorecido. As cifras são pavorosas e vocês as conhecem também, sem dúvida. Recentemente, no Reichstag, o sr. Dr. Struve deu algumas cifras que mostram de uma forma assustadora a taxa de nossa mortalidade infantil e o grau diferente dessa mortalidade em função da situação social da população nas diferentes partes da Alemanha. Eu darei apenas um: em Berlim, a mortalidade infantil é em média de 18,1%. No bairro de Tiergarten, ela não passa de 5,2%; em Wedding, por outro lado, é de 42% (“Escutem! Escutem!” na bancada dos social-democratas), quer dizer, oito vezes mais elevada em Wedding, nos bairros operários, do que no bairro rico de Tiergarten!

Senhores, a crise de alojamentos que aflige as classes trabalhadoras é incontestavelmente uma das principais causas da miséria moral que se desenvolve na juventude dessas classes pobres. Sim, senhores, mas como vocês propõem resolver o problema dos alojamentos? No mesmo momento em que vocês se propõe a resolvê-lo, ocorre o mesmo que na questão da escola: seria preciso proceder a mudanças fundamentais de nosso regime político e social, e cada vez que vocês chegam a tais conclusões, vocês são levados a caminhar no sentido do socialismo. (“Muito justo!” na bancada dos social-democratas)

Senhores, tenho a necessidade de falar-lhes ainda da infeliz vida da família, destruída por nosso regime econômico, e das conseqüências que daí decorrem? São vocês, é o regime social atual que retira as mães de suas casas e deixa as crianças sem cuidados. (“Muito justo!”) E as mesmas causas são responsáveis pela criminalidade dos jovens, de sua debilitação física, das cifras enormes de doenças e da mortalidade entre os jovens (Aprovação na bancada dos social-democratas.) A miséria moral e a miséria fisiológica têm ambas as mesmas raízes.

[…] A estatística de abandonos de crianças não justifica de maneira nenhuma as conclusões que foram tiradas aqui. É um fato que, precisamente nas regiões altamente industrializadas onde a social-democracia não domina – isso vale particularmente para a Renânia e Westfália, onde nossa influência é mais fraca que a do centro e do partido nacional-liberal, e a Alta Silésia, onde a classe operária apóia ainda em maioria a bandeira do centro, do partido nacional-liberal e do partido polonês –, a criminalidade é muito mais elevada que em outras regiões, mais industrializadas igualmente, mas onde a social-democracia expandiu sua influência.

[…] Mas se vocês querem ver o que significa ainda a miséria dos filhos dos trabalhadores na Alemanha e em Berlim, leiam então – mesmo que tenha surgido de uma editora social-democrata – o relatório da Comissão da Proteção à Infância do Partido Social-Democrata e da Comissão Sindical de Berlim e arredores para o período de julho de 1910 a junho de 1911. Vocês verão em detalhes como, em Berlim, a despeito das leis sobre a proteção à infância, há ainda exploração de crianças. (“Muito justo!” na bancada dos social-democratas) Vocês verão que crianças de cinco anos são utilizadas o tempo todo, antes das cinco horas da manhã, para entregar cafés-da-manhã, jornais etc., aqui em Berlim, sob os olhos da polícia. (“Escutem! Escutem!” na bancada dos social-democratas) Para dizer a verdade, com essa idade, apenas quatro casos foram confirmados: uma menina e três meninos. Mas se trata apenas de uma pesquisa parcial. Cada caso desse tipo deveria no entanto levar a que nos ocupássemos da juventude de forma totalmente diferente da que fazemos; deveria nos levar a procurarmos outras vias diferentes das que temos seguido até aqui.

Com a idade de 6 anos, havia 8 meninos e 5 meninas; com a idade de 7 anos, 27 meninos e 23 meninas. A maioria das crianças têm entre 8 e 13 anos, e estão portanto numa tenra idade. E eu apelo a todos os que se lembram ainda da época em que tinham essa idade: o que diriam se as crianças dos meios mais favorecidos fossem exploradas dessa forma? Porque esse trabalho profissional é realizado além do trabalho escolar, sem contar que essas crianças, claro, quando voltam para casa, não podem ainda descansar, porque precisam ainda ajudar as mães a fazer os trabalhos domésticos. Por isso, a não ser por um pequeno período de sono, não há, de dia e à noite, nenhum repouso para essas crianças.

Nós encontramos ainda na estatística 23 meninas e 112 meninos com a idade de 8 anos; de 9 anos, 88 meninas e 175 meninos; de 10 anos, 163 meninas e 293 meninos. E também: 12 anos, 268 meninas e 566 meninos; 13 anos – 302 meninas e 612 meninos. A partir dos 14 anos, as cifras diminuem, o que prova que é precisamente a mais jovem idade que favorece esta exploração.

As cifras são uma acusação incômoda contra nossa ordem social atual e seu sentimento de obrigação quanto à futura geração. Senhores a juventude burguesa está mais bem cuidada, tanto em casa como na escola. Fomos muito ridicularizados aqui quando comparamos os orçamentos destinados à escola primária e os destinados aos liceus e colégios. Vocês consideraram que é algo completamente normal conceder mais créditos para o ensino secundário e instalar salões especiais e outras belas coisas desse tipo para os filhos das camadas mais favorecidas. Apesar disso, senhores, eu me pergunto se a desmoralização no seio da juventude burguesa, a bem da verdade, por outras razões, não é, no final das contas, maior do que antes. De um tempo para cá, lemos nos jornais artigos indignados sobre os filhos de Tauentzienstrasse etc.; ouvimos contar todo o tipo de coisas sobre os hábitos existentes na juventude das outras classes da sociedade, apesar de todos os cuidados de que ela é cercada. Uma Dolly Pincus não irá seguramente para uma casa de correção, ainda que o mereça amplamente. Isso não ocorre com as crianças das classes pobres.

Senhores, o objetivo que persegue, na realidade, nossa proteção do Estado da juventude e que o introduz com grande reforço de fanfarras e de clarins – nós não temos necessidade de nos colocar à frente nesse ponto –, a história o mostrará de forma muito clara. Primeiramente, nós vimos como as classes dirigentes estão ocupadas, a bem da verdade de uma maneira muito particular, da juventude proletária. Na escola, estão sempre empenhadas, diferentemente da difusão dos conhecimentos necessários, em formar as características e as opiniões no sentido que lhes convêm. O serviço militar é considerado uma escola que deve servir a desenvolver o espírito chauvinista e sobretudo a combater a social-democracia. A escola primária, o serviço militar devem ser instituições neutras do ponto de vista política? Ninguém crê nisso, e todos vocês sabem que isso não é verdade. (Aprovação na bancada dos social-democratas.) Eles são de fato instituições dirigidas de modo muito consciente pelo Estado, com a aprovação das classes dirigentes, com o objetivo de incutir ao jovens convicções políticas bem determinadas.

E há ainda as organizações cristãs, confessionais, que se empenham em fazer qualquer coisa pelos jovens retirados da escola, na medida em que eles não estão sob responsabilidade das escolas profissionais. Além disso, senhores, os batalhões escolares existem há muito tempo entre nós, na Alemanha. Eles não foram fundados apenas nos últimos anos, no momento em que os escoteiros apareceram; já nos anos 90, eu vi em Grünewald estes desfiles militares, ouvi esses rufares de tambores. Tudo isso foi feito com a intenção evidente de que vocês se apropriem da juventude operária. Particularmente, as organizações cristãs confessionais existem há muito tempo – os católicos há séculos, e os protestantes há várias gerações.

Essas organizações, que não são absolutamente neutras, são a pedra de toque da proteção da juventude das classes dirigentes como instrumentos de classe caracterizados (“É verdade!”), para impedir o desenvolvimento da consciência de classe das camadas inferiores do povo, do proletariado.

[…] Sim, vocês devem distinguir diferentes coisas. É certo que as organizações confessionais, a escola primária, o serviço militar já são utilizados contra a juventude (Aprovação na bancada dos social-democratas.) para impedir um desenvolvimento intelectual e moral verdadeiramente livre da juventude. Tudo isso já existia antes do aparecimento do movimento social-democrata. Mas agora existe alguma coisa nova: o Estado se esforça, utilizando as organizações criadas pelo movimento da juventude social-democrata, aparentemente apoiando os esforços desse movimento, para tomar as rédeas. É o que há de novo. E ainda isso: uma certa compreensão dos males sociais de que sofre nossa juventude. Essa compreensão pode já ter existido, do ponto de vista teórico, aqui e ali entre tal ou qual aderente dos seus partidos citados em estatísticas, mas a idéia de intervir nesse terreno, ou pelo menos de dar a aparência, com um grande barulho, de que algo está sendo feito, foi provocada pelo movimento que se chama social-democrata, ou seja, o movimento da juventude proletária. (“Muito justo!” na bancada dos social-democratas.) Não há dúvida de que o grande fogo bruscamente aceso – eu não sei quem falou, creio que o senhor ministro dos Cultos, de que é preciso que seja derramado o azeite suficiente para que o fogo possa pegar – foi pelo “fogo revolucionário” da social-democracia (“É verdade!” na bancada dos social-democratas); ele provém do nosso fogo, mesmo se foi transformado de uma maneira muito particular.

O objetivo que vocês perseguem é, como já dissemos, o de preparar a juventude proletária para a exploração econômica, para a ausência de qualquer direito político e para a sua formação como um instrumento para utilizar contra o proletariado rebelde e também em caso de guerra (“É verdade!” na bancada dos social-democratas), para que vocês possam defender no campo de batalha seus interesses econômicos e políticos. Compreende-se então porque vocês soltam grandes gritos cada vez que pensam: agora vão se desprender do militarismo e das idéias de treinamento militar. Com efeito, é todo um concerto de lamentos e de ranger de dentes que se levanta no seio das classes dirigentes quando eles tomam súbita consciência do perigo que representaria o movimento “social-democrata” da juventude. Mas é um erro grosseiro da parte de vocês pensar que é esse movimento que criou o antimilitarismo. O que é verdade é que, desde o primeiro dia de sua existência, a social-democracia foi um adversário feroz do militarismo (Aprovação entre os social-democratas: “É verdade!”) e que ela combateu esse sistema de todas as formas que dispõe.

[…] É certo que vocês também têm interesse em exercer a maior influência possível sobre as meninas, porque elas têm para vocês uma importância considerável como futuras mães e educadoras. Mas eu devo assinalar que, no decorrer dos debates, à medida que se tratava da juventude feminina, não foi dita uma única palavra sobre o capítulo mais triste do abandono ao qual está jogada nossa juventude, em particular a das camadas mais pobres da população: nem uma palavra sobre a prostituição infantil, sobre a prostituição feminina, que começa na adolescência e até mais cedo. Vocês se recordam ainda das cifras que eu me permiti submeter a vocês por ocasião da discussão a respeito do orçamento da Justiça? Esse é o capítulo mais doloroso de todos. Se se quer verdadeiramente levar em conta aqui do ponto de vista social, como vocês querem nos fazer crer, a proteção da juventude feminina não teria de estar atrás um único dia sobre a da juventude masculina. (“Muito justo!” na bancada dos social-democratas.)

Assim, senhores, vocês podem dar voltas e voltas como quiserem: a verdade é que o súbito espírito de sacrifício e todas as despesas são o produto do medo e não se devem a quaisquer motivações idealistas de vocês, mas a motivações muito pouco morais, que consistem em criar condições próprias para manter as deploráveis condições sociais e políticas atuais, que a social-democracia se deu como tarefa combater. Por que, então, se trata apenas de manter a juventude em bom estado para o exército e a pátria, por que nosso governo não fez nada ainda a respeito da questão mais urgente: a da proteção da mãe e da criança, da proteção dos recém-nascidos? (“Muito justo!” na bancada dos social-democratas.)

[…] O mesmo se aplica, senhores, no que diz respeito aos esforços para impedir a exploração das crianças. Aqui também nós constatamos a ausência de qualquer tentativa, por parte do governo, para proibir o trabalho infantil. Onde estão os arautos entusiastas da proteção da infância, quando se trata de agir energicamente, sem que seja possível fazê-lo junto com pequenos negócios confessionais ou políticos? (“Muito justo!” na bancada dos social-democratas.)

Além disso, senhores, a frouxidão moral, em si, não perturba a vocês realmente, não mais que a criminalidade. Enquanto esta não se manifesta, vocês não mexem um só dedinho (“É verdade!” na bancada dos social-democratas.) Foi apenas quando o proletariado começou a se ocupar de sua juventude que vocês começaram a se mexer. É nesse terreno que se pode ver melhor que em qualquer outro quais são as raízes de sua política em favor da juventude: não é a miséria social que assusta a vocês, são as medidas de autodefesa do povo contra ela. Não é a decadência moral nem o crime que lhes mete horror, é a autodefesa do povo contra as conseqüências de suas condições de vida atuais; não é contra a ausência de direitos, a miséria intelectual das massas que vocês se dirigem, é contra a luta que o povo começou para colocar um fim a elas. É, em conseqüência, a autodefesa do povo, sua luta, que assusta a vocês e os obriga a intervir, não as razões que vocês apresentam, com todo o tipo de frases grandiloquentes. E é por isso que vocês não têm pressa; se se trata de reformas sociais, não se pode atender até a Saint-Ginglin (“Muito justo!” na bancada dos social-democratas.) Que sejam covardes aqui também frente aos milhões, isso decorre de que o sol, por razões evidentes, deverá queimar sob seus pés.

Alguma coisa além dos fundos de corrupção poderia ser mais útil para a manutenção de nossa ordem social e política atual, mas levaria muito tempo. Até hoje, nós temos esperado que seja cumprida a promessa feita no discurso do trono a respeito do sufrágio universal. Isso seria, senhores, sem nenhuma dúvida um meio excelente de suprimir numerosas causas de descontentamento. (“Muito justo!” na bancada dos social-democratas.) Mas nem se sonha em cumprir essa promessa, é muito difícil. É com o objetivo de oprimir ainda mais o povo que vocês se colocam rapidamente em ação.

O trabalho de educação social-democrata que nós temos em alguma medida cumprido para vocês e que assusta a vocês não é, em todo caso, insignificante. Em particular, nós temos feito um trabalho de educação notável no que concerne ao sentido das cores das associações patrióticas. Até bem recentemente ainda, os membros dessas associações portavam lenços vermelhos. (“Escutem! Escutem!”) Mas a social-democracia conseguiu, por seu efeito intimidante, fazer com que esses lenços passassem a ser azuis. (Risos entre os social-democratas e gritos: “Amarelos seriam ainda mais certos!”) Por pouco, é a mesma coisa. Os amarelos são os protegidos, os azuis são os protetores. É preciso, claro, neste caso, elevar as cores dos senhores protetores.

[…] O que vocês querem não é a despolitização da juventude, mas que ela seja politizada no sentido que lhes convém. (“Muito justo!” na bancada dos social-democratas.) Vocês não lutam para que a juventude não seja atirada nas engrenagens dos partidos, mas para ter o privilégio exclusivo de incutir à juventude suas concepções políticas. (“É verdade!” na bancada dos social-democratas.) E como o movimento livre da juventude se opõe àquilo pelo qual vocês lutam, é que vocês lutam sob um disfarce, uma falsa bandeira. Sim, senhores, é um combate sob uma falsa bandeira que vocês desenvolvem, quando vocês vem nos falar da despolitização da juventude, e é uma hipocrisia da pior espécie quando vocês, que politizam a juventude, mas no sentido que lhes interessa, vêm nos dizer: ah, esta pobre juventude não está ainda em condições de fazer política sem colocar sua alma em perigo! Senhores, é preciso sempre e sempre denunciar suas enganações, e também a do sr. ministro dos Cultos e a do governo, nessa questão. Combatam então com o rosto descoberto, como era antes feito, ao que parece, entre os cavalheiros. Digam francamente: é uma luta pelo poder, uma luta pela conquista dos jovens; nós queremos precisamente politizar a juventude no sentido que nos convém, vocês querem politizá-la de outra maneira; é por isso que nós, que temos o poder nas mãos, a utilizamos em nosso interesse, para abater o proletariado. Reconheçam isso abertamente: é a verdade, e tudo o que é dito diferentemente não passa de mentira.

[…] Senhores, quando nos esforçamos para incutir na juventude a concepção de mundo que decorre naturalmente da situação do proletariado, não fazemos um pedacinho de política. Mas os jovens proletários são levados, por vocês, à política de uma maneira muito característica (“É verdade!” na bancada dos social-democratas.). Eu gostaria ainda de assinalar isso: quando vocês conseguem, graças à lei sobre as associações e às ilegalidades cometidas nas atribuições de autorizações de ensino, tornar quase impossível à juventude qualquer atividade política e até mesmo qualquer atividade científica, vocês cometem uma grande injustiça e contribuem para agravar os antagonismos, e não para superá-los. Vocês não tenham nenhuma ilusão sobre isso. Por que o que haveria de mais natural a não ser a juventude proletária experimentar a necessidade de se orientar politicamente e socialmente, essa juventude que é jogada desde cedo na existência e se encontra, em virtude dela e da multiplicidade dos fenômenos sociais, em estado de luta e de defesa permanentes? Que essa juventude tenha a necessidade de compreender a essência das coisas e procure, quando está mais constantemente oprimida e esmagada pela polícia, conhecer os defeitos de nossa legislação social e política, examinar também a situação cientificamente e formar uma concepção política, discutir as questões políticas, entender os discursos dos adultos a respeito desses assuntos, é a coisa mais normal que pode existir.

E, bem, senhores, é perfeito! Vocês não se contentam em perseguir a política do movimento livre da juventude, mas querem destruir completamente esse movimento. É o que mostra a luta que vocês levam contra as nossas organizações de jovens, nossas sociedades de ginástica, nossos grupos de ciclistas, nossos corais etc., da qual eu já tive oportunidade de falar. Não é necessário repetir.

[…] Eu não tenho necessidade de dizer a vocês o que realizam de positivo nossas organizações de juventude proletária: luta contra o lixo em palavras e em imagens, luta contra o alcoolismo, melhoria da cultura e da consciência de si da juventude, proteção social e desenvolvimento do sentimento humanitário. De outra parte, nossas organizações de juventude se colocam cada vez mais como objetivo disseminar as concepções altruístas que são as da social-democracia. Essas concepções têm naturalmente na juventude uma boa acolhida e uma enorme compreensão. Quanto aos esforços na direção de uma educação da juventude, eles se caracterizam especialmente pelos programas e catálogos editados pela Central de Jovens da Social-Democracia e dos Sindicatos. Esses catálogos e esses programas que são desconhecidos de vocês em sua maior parte, eu me permitiria, ao final de minha intervenção, remeter aos que, entre vocês, tenham interesse, a fim de que possam ter uma idéia por vocês mesmos daquilo que lhes falo sem parar mas vocês ignoram completamente. (Vivos protestos à direita e ao centro.)

O senhor deputado Kesternich lançou ultimamente contra Juventude Operária uma muito viva philippique. Nós estamos agradecidos pelos quinze minutos de sadio contentamento que nos valeram suas declarações. Apresentando Freiligrath e Heine como monstros que freqüentam Juventude Operária, o sr. deputado Kesternich mostrou de modo notável seu nível cultural, sobre o qual não é necessário dizer mais nada. O mais divertido é o modo como ele fala de uma poesia grosseira, enjoativa, de lamentável linguagem confusa da qual ele não ousa dar mais do que um pequeno fragmento e da qual ele não sabe de onde vem. (O deputado Kesternich: “Muito bem!”) E enquanto nós pensávamos que se tratava de Fürstengruft (A fossa aos príncipes), de Schubart5, e ele nos respondeu, indignado: “Que seja Schubart ou outro que tenha escrito essa poesia, isso nos é completamente indiferente”, sr. deputado Kesternich, não há nada demais em dizer aqui: você mostra, por meios dessas declarações, qual é seu diploma de atitude como educador da juventude (Interrupção dos social-democratas: “E também professor!”). E essa declaração dada pelo senhor é de tal maneira característica dos objetivos que vocês perseguem que nós só podemos desejar que ela seja largamente difundida entre o povo, a fim de que ele saiba quais os objetivos obscurantistas se perseguem na Alemanha e na Prússia no que se refere à formação e à proteção da juventude. Eis portanto como vocês e seus amigos concebem a formação da juventude! Tal é a cultura que vocês se propõem a disseminar! É bom que vocês tenham mostrado seus objetivos e os meios de alcançá-los; é a escravidão do espírito, o obscurantismo, a falsidade (“Bravo!” à direita), a hipocrisia que se manifestam neles. E se o sr. Kesternich conclui suas declarações com estas palavras patéticas: “O espírito de incroyance levanta a cabeça de uma maneira cada vez mais insolente e se esforça para romper todos os laços”(Aprovações à direita e ao centro: “Muito justo!”), eu lhe respondo: o espírito da ignorância, do obscurantismo e da falsidade levanta cada vez mais a cabeça nesta casa (“Muito justo!” na bancada dos social-democratas), particularmente nas fileiras do centro. Sim, vocês não podem desembaraçar-se disso.

De resto, o sr. Kesternich está particularmente chocado com a violência dos poemas que foram publicados, com o caráter combativo dos artigos. Sim, senhores, é preciso tomar o partido de vocês: nós não podemos fazer a classe operária cantar nenhuma “Eia popeia”6, nós não podemos fazê-la cantar: “Dorme, meu pequeno filho, dorme”, enquanto vocês preferem sem dúvida (Interrupções à direita) que nós lhes demos poemas encorajadores e textos vigorosos (Muitos risos à direita e no centro), uma alimentação fortificante, uma alimentação de combate. O destino da juventude proletária não é o sonho e o delírio, mas a luta, a qual está sempre oprimida pelo seu regime social, por vocês e suas brutais intervenções policiais. O proletariado, como categoria, nasceu para o combate, o combate é seu destino, é preciso formá-lo em função do combate. Não se pode evitar isso. Vocês gostariam que o educássemos para o sonho, a docilidade da exploração, para o hilotisme. (O deputado barão von Reitzenstein: “Não, para a satisfação!”) Essa é a diferença que há entre vocês e nós. Nós queremos educá-lo em um espírito guerreiro, seguramente em um sentido mais nobre que vocês, não em um espírito chauvinista, para deixá-lo pronto a atirar sobre pai e mãe, mas guerrear no sentido da luta contra todos os atrasos de nossa vida social e todos os perigos que ameaçam a juventude proletária, contra toda a reação que tem livre curso na Prússia e na Alemanha e que levanta a cabeça cada vez mais intrepidamente.

Nos recriminam por falarmos muito da história das revoluções. É possível, com efeito, que em Juventude Operária fale-se mais da revolução do que nas revistas de vocês dedicadas à juventude. A razão é que, nas escolas, procura-se tanto quanto possível escondê-la, ou, quando se fala nela, é apenas num tom de zombaria, a menos que não se trate de uma revolução em alta e que, além disso, se coloque de um modo bizantino ad usum delphini. Então, para nós é preciso falar da história das revoluções, no interesse de uma boa formação da juventude. E vocês poderão negar que os períodos revolucionários são os mais interessantes, aqueles em que a natureza da sociedade humana e sua estrutura são em alguma medida colocadas a nu e que, em conseqüência, são precisamente aqueles em que se reconhece em primeiro lugar as forças motrizes de toda a evolução humana? Além disso, é o caráter heróico que ressalta nestas revoluções e que suscita o interesse da juventude do proletariado para essa parte da história. Heroísmo não de assassínio, mas de devoção aos grandes ideais da humanidade, pelo desenvolvimento do gênero humano, e neste sentido há na história das revoluções algo de grandioso, de ideal, a que justamente aspira a juventude proletária. Apesar de todas as tentativas feitas para tiranizar intelectualmente sua própria juventude no seu ser mais profundo, ela se entusiasma ainda, como há cem anos, com os grandes cantos revolucionários que lhes canta um Schiller, e a palavra impetuosa: in tyrannos, que o poeta empregou em sua grande obra de juventude faz também fremir os corações dos seus jovens. Está na natureza dos jovens sentir um vivo entusiasmo por tal fogo revolucionário e vocês deixam sua própria juventude ler Schiller e se dissipar nestas “doenças infantis” porque ela volta rapidamente ao curral. Mas se a juventude proletária faz a menor tentativa de adquirir a mesma dose de formação política e de liberdade de movimento que a de vocês, eis que a polícia, o ministro dos Cultos a ameaçam duramente; eles querem colocar a corda em seu pescoço. Mas isso não será fácil para vocês.

[…] As perseguições que as organizações da juventude proletária sofrem sem parar e sem que haja uma razão são particularmente dolorosas e lamentáveis, porque elas têm um caráter unilateral e partidário. Em contraposição, as organizações da burguesia, da Igreja, que têm um caráter inteiramente político, são toleradas, e ninguém sonha em importuná-las. As do proletariado poderiam também ser apolíticas que se iria querer destruí-las, ainda que elas perseguissem os objetivos mais elevados. (“É verdade!” na bancada dos social-democratas) Ao destruir-se as associações de juventude, dissolver-se os comitês de jovens, faz-se uma interpretação elástica da lei sobre as associações, a fim de nos privar de nossa liberdade de movimento, e o ministro dos Cultos fala do azeite sobre o fogo. (“É verdade!” na bancada dos social-democratas) Se se compara essa atitude em relação às organizações proletárias à verdadeira pouponnage a que o Estado procede, precisamente à ajuda de fundos que está em questão aqui, com as organizações burguesas, essas crianças gâtés e particularmente protegidas pela burguesia; enquanto se vê, por exemplo, a exposição “A mulher em sua casa e em sua profissão”, essas seções bem cuidadas, bem mimadas das organizações burguesas de juventude, então, senhores, se experimenta um vivo sentimento de amargura. (“É verdade!” na bancada dos social-democratas) Não apenas de amargura, mas também de indignação diante dessa ausência de qualquer sentido de justiça e da legalidade que ali se manifesta.

Senhores, existem, de diferentes lados, e mesmo dos meios burgueses, julgamentos os mais favoráveis sobre o movimento da juventude proletária e sobre os objetivos elevados que ele persegue. Mas para vocês é completamente indiferente que valores de uma importância enorme sejam destruídos por essa intervenção brutal. Vocês não querem de fato criar nenhum valor moral, mas apenas destruir o que o proletariado criou por seus próprios meios, a fim de poder submetê-lo à vontade de vocês e continuar a explorá-los. Vocês só conhecem uma reza e ela diz: “Meu Deus, livre-nos da social-democracia!” (À direita e ao centro: “Muito justo!”) Todas as outras rezas retornam a essa.

[…] Eu reconheço tudo abertamente: nós sabíamos que vocês recusariam nossas propostas, mas nós as apresentamos nem que fosse para que, em caso de recusa de sua parte, a opinião pública soubesse do verdadeiro caráter de sua proteção da juventude e que seja arrancado o véu que cobre todas essas declarações hipócritas com as quais vocês apresentam essa proteção da juventude, que não passa de uma provocação à juventude. (“É verdade!” na bancada dos social-democratas) Vocês podem dizer o que quiserem, a raposa está presa pelos pés: a partir do momento em que vocês recusaram nossas propostas, vocês estarão marcados com ferro quente perante o mundo inteiro (Risos à direita e ao centro), marcados perante o mundo inteiro, e o objetivo de seus esforços será claramente demonstrado pelo voto de vocês.

O sr. ministro dos Cultos, assim como o sr. Hackenberg, declarou que a social-democracia não poderia nunca satisfazer a juventude porque ela apenas semeia o ódio e não o amor, que ela não dá nada para a alma das crianças. Isso, senhores, mostra um desconhecimento completo a respeito da social-democracia. O fato é que ela suscita na juventude proletária um imenso e puro amor, um imenso e puro amor por tudo o que é grande, nobre e generoso, a coletividade, o orgulho do povo, os grandes ideais da humanidade. E o ódio que existe, na verdade, na juventude, é aquele do qual Friedrich Schiller estava inflamado quando escreveu in tyrannos, e que fala de seu talismã, que deveria destruir os tiranos. É o ódio a tudo o que há de nocivo e de hostil ao povo em nossa ordem social. Assim, execrando tudo o que há de hostil ao povo, o povo exprime seu amor pelo povo (“Muito justo!” na bancada dos social-democratas), e é no fim das contas unicamente disso que se trata. Devemos portanto educar o povo para fazê-lo amar o chicote que lhe aplica uma surra? Não, é preciso odiar o chicote, é preciso odiar a opressão que vocês propagam, assim como odiar a falta de igualdade de direitos. Odiar a exploração e odiar a nossa ordem social, responsável pela miséria do povo. Mas é preciso amar todos os que contribuem para o orgulho do povo. Para vocês não é possível espalhar o amor, porque ao contrário vocês só têm acordo quanto ao chicote que surra o povo (“Muito justo!” na bancada dos social-democratas), às botas dos soldados que pisoteiam o povo, aos fuzis que, durante as greves e em outras ocasiões semelhantes, devem atirar sobre pai e mãe, aos sabres que devem cortá-los. E vocês, senhores (vira-se para a direita), vocês odeiam o povo em sua totalidade. Vocês o consideram como inimigo de sua legislação e de sua administração. Como o ódio de vocês se dirige ao povo em seu conjunto, e vosso amor ao que lhe prejudicam. Vocês odeiam a social-democracia e todos os movimentos livres do proletariado. E a cada um de vocês eu coloco a questão: o que é melhor, prosseguir o ódio à massa do povo e amar a opressão, ou odiar a opressão e amar a massa do povo? (“Muito bem!” na bancada dos social-democratas) Eu creio que a resposta não é difícil. E é o grande ideal que a juventude proletária recebe precisamente da social-democracia. Ela seguramente perdeu o paraíso pela falha de nossa ordem social, mas recebe em retorno outro paraíso: a concepção de mundo que lhe dá a social-democracia suscita nela o entusiasmo para os grandes objetivos a atingir e para tudo o que a humanidade fez de grande. Senhores, do subterrâneo de nossa ordem social atual se levanta, luminoso, o movimento da juventude proletária (Aprovação por parte dos social-democratas.) Contra ela vocês podem lançar todos os seus cães, os da polícia e os outros, vocês não se livrarão! (“Muito justo!” na bancada dos social-democratas)

Vocês pensam, senhores, que nós temos medo de vocês? Se sim, vocês se enganam. Estejam certos de uma coisa: nada precipitou tanto o resultado do qual se lamenta o sr. ministro dos Cultos —este encorajamento trazido pelo Partido Social-democrata e os sindicatos ao movimento da juventude proletária— quanto a luta implacável e em parte ilegal levada contra ela pelo governo. Esse movimento nunca teria tido tão rápido progresso se ele não tivesse agido dessa maneira com vocês. Nossa juventude não se deixará certamente – estejam certos – arrastar seus ideais pela violência.

[…] Senhores, eu não falo para vocês, vocês sabem muito bem. Que vocês não representam mais nenhum grande ideal, que o que vocês procuram incutir no povo no movimento da juventude não passam de falsos ideais, vocês têm perfeita consciência. Mas se vocês acreditam, com semelhantes ideais e tais métodos de violência, impressionar o movimento da juventude proletária, vocês se enganam: todos os esforços serão vãos. A luta de vocês será chicotear o mar, como fazia o rei persa… (Movimentos prolongados. Gritos: “Três horas, já basta!” O presidente toca a sineta.) Eu vi com grande alegria que o sr. presidente me protege contra o barulho que faz esta assembléia. Mas, senhores, continuem a fazer barulho, entretenham-se tranqüilamente com o orçamento dos haras e outros temas semelhantes. Não serei eu a desviá-los dessas coisas de interesse mundial que apaixonam vocês! (À direita: “Muito justo!”)

Senhores, deixem-me dizer-lhes uma coisa: é um trabalho de Sísifo o que vocês fazem aqui. Vocês podem consagrar muito dinheiro a esse tipo de proteção da juventude, é um tonel das Danaïdes no qual vocês derramarão. Saber que vocês trarão finalmente à juventude isso que depende dela, será utilizado por nós graças ao espírito são que anima a juventude e ao fato de que não é por meio da “educação social-democrata da juventude” que ela vem até nós, mas pela continuidade de seu desenvolvimento político, assim como do desenvolvimento do Partido Social-democrata, e que ela, assim como este último, está inseparavelmente ligada à experiência pessoal de cada um, ao desenvolvimento de toda a nossa vida social.

Vocês poderão, certamente, em sua luta contra o movimento socialista da juventude, contra o embrutecimento da juventude e de numerosas derrotas de nosso regime social, obter alguns resultados. Mas somente se vocês decidirem levar, do modo mais enérgico e com toda a imparcialidade política, uma ação social de grande envergadura, dar ao povo a liberdade política e a liberá-lo da exploração econômica, dos danos causados pelo capitalismo. (“Muito bem!” na bancada dos social-democratas) Em breve, senhores, vocês poderão obter resultados, mas apenas se seguirem em seu trabalho a via que segue a social-democracia. A única possibilidade que se oferece a vocês para combater é acompanhar as tarefas que estão fixadas (Aprovação na bancada dos social-democratas: “É verdade!”) Mas seria ir muito longe esperar isso de vocês. Vocês continuarão a levar sua luta com os métodos que são os de vocês, os da brutalidade, da mentira e da violência. Nós os felicitamos desde já pelos resultados que vocês obterão: nós podemos, desde o presente, assegurar a vocês que será um novo reforço considerável para o movimento da juventude proletária, que é tão indestrutível quanto o conjunto do movimento proletário, quanto a social-democracia, a qual será um dia seu coveiro, sem que vocês possam fazer nada para impedi-la. (Aplausos na bancada dos social-democratas.)

Karl Liebknecht
(Discurso no Landstag –Parlamento regional–
da Prússia, em 26 de março de 1912)

Tradução: Paulo Zocchi

NOTAS

(1) Conferência da juventude da instância central da Saúde Pública que ocorrei em Elberfeld em 1911.

(2) Deutsche Tageszeitung: jornal agrário cristão nacional fundado em 1893.

(3) A sra. Von Schwerin era a esposa do presidente da República.

(4) Literalmente: frescos, devotos, alegres, livres! Era assim que designavam a si próprios os membros de organizações da juventude cristã na Alemanha.

(5) Christian Friedrich Schubart (1739-1791), poeta e jornalista que foi também diretor de música em Stuttgart. Preso durante dez anos por sua atividade jornalística, ele escreveu uma poesia política e popular que influenciaria Schiller.

(6) Eia popeia: expressão tradicional de canções de ninar alemãs.

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