Em 15 de janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht foram levados pela polícia do governo do SPD (partido socialdemocrata) de Friedrich Ebert (1), a um interrogatório no hotel Eden em Berlim.
Os dois dirigentes do jovem partido comunista alemão (KPD) foram retirados do hotel por um grupo paramilitar, o “Freikorps”, veteranos inconformados com a derrota alemã na 1ª Guerra Mundial (1914-18), sob as vistas grossas do chefe de polícia Noske (também do SPD). Foram espancados e levados em dois jipes para a morte: Liebknecht, baleado pelas costas no parque Tiergarten, Rosa, baleada e jogada num canal do rio Spree. As notas policiais registraram “tentativa de fuga” de Liebknecht e que Rosa teria sido “linchada pelas massas”.
O governo socialdemocrata havia decretado estado de sítio, diante da revolução operária que havia eclodido em novembro de 1918, e sistematicamente incitava o ódio a Rosa e Liebknecht através da imprensa burguesa.
Uma revolucionária internacionalista
Assim acabou a trajetória da militante marxista, que unia a teoria à prática, de Rosa Luxemburgo (1871-1919). Nascida em Zamosc na Polônia, onde ainda estudante entrou na socialdemocracia, foi para a Alemanha em busca de horizontes mais amplos, pois o SPD era o partido mais forte da 2ª Internacional.
A importância de Rosa – que desde 1900 polemizou com a ala reformista do SPD e da Internacional (2) – cresceu às vésperas da 1ª Guerra Mundial, quando fez parte, com Lênin, Trotsky e outros, da ala que denunciava seu caráter imperialista e defendia que os socialistas chamassem os trabalhadores a recusar-se a dela participar e que, uma vez inevitável, deveria ser transformado em revolução proletária. Em 4 de agosto de 1914, o grupo parlamentar do SPD votou a favor dos créditos de guerra pedidos pelo governo alemão, contra o solitário voto do então deputado Karl Liebknecht.
A Revolução Russa de 1917 concretizou a linha da ala revolucionária que romperia com a 2ª Internacional e iniciaria a construção da Internacional Comunista, com a transformação da guerra imperialista em revolução social. Ela foi acompanhada com paixão por Rosa e seus camaradas que formaram em 1915 a Liga Espartaquista3, que dará origem ao KPD (partido comunista) em janeiro de 1919.
Sobre seus camaradas russos, Rosa disse: “Os bolcheviques representaram toda a honra e a capacidade revolucionária de que carecia a socialdemocracia ocidental. Sua insurreição de outubro não só salvou a revolução russa; também salvou a honra do socialismo internacional”.
O lugar da revolução alemã de 1918
Rosa e Liebknecht foram mortos por sua participação na revolução alemã iniciada em 9 de novembro de 1918. Não entraremos nos detalhes dessa revolução, que mereceria todo um artigo. Apenas diremos que Trotsky a comparou às “jornadas de julho” da Revolução Russa: uma ação prematura dos operários que foi acompanhada pelos revolucionários, no caso pela Liga Espartaquista, que tentaram dar-lhe uma direção política.
O jornal “Die Rohte Fahne” (“A bandeira vermelha”) expressou as posições de Rosa, Liebnekcht e seus camaradas, nos dois meses de crise revolucionária que sacudiram a Alemanha, com a linha de construir “conselhos operários”, oposta à política da socialdemocracia de canalizar o movimento para uma Assembleia Nacional que salvasse o estado burguês. A direção do SPD, ao mesmo tempo, denunciava os bolcheviques como “violentos” e buscava isolar a revolução russa.
Os assassinatos de 15 de janeiro ocorreram dois dias após a liquidação dos últimos núcleos revolucionários pela repressão do governo Ebert. Essa vitória da contrarrevolução custou muito ao povo alemão, pois ela lançou as sementes para o nazismo, para uma nova guerra mundial (1939-45) que deixou o país em ruínas e dividido em dois estados.
O sufocamento da revolução alemã foi também central para o isolamento da Rússia revolucionária, portanto para o posterior advento do stalinismo e sua falácia de “socialismo num só país”. Stálin bloqueou a instrução deixada por Lênin em 1921 de publicação das obras completas de Rosa Luxemburgo. Em 1933, a política do stalinismo facilitou a chegada de Hitler ao poder, ao dividir as fileiras operárias elegendo a socialdemocracia como “inimigo principal”.
Assim, não é casual que tanto a socialdemocracia, quanto o stalinismo se calem, ou falsifiquem o legado da revolucionária marxista e internacionalista que foi Rosa Luxemburgo. Sua célebre frase “Socialismo ou Barbárie” continua de marcante atualidade.
Lauro Fagundes
Notas
- Friedrich Ebert (1871-1925): entrou no SPD como sindicalista, foi líder da ala revisionista do partido e seu secretário geral. Ao final da 1ª Guerra Mundial assume os cargos de chanceler e presidente da Alemanha. Dá nome a uma Fundação (FES), bastante ativa no mundo sindical até hoje.
- “Reforma ou Revolução” (1900) é o livro em que Rosa polemiza contra o reformismo de E. Bernstein. Autora de inúmeras obras, dentre elas: “Acumulação do Capital”, “Greve de Massas, Partidos e Sindicatos”, “A Revolução Russa” e “O Que Quer a Liga Spartacus?”.
- Liga Espartaquista ou Liga Spartakus, nome inspirado no líder da revolta de escravos contra Roma (século I A.C.), Espártaco, foi a organização criada por Rosa, Liebknecht, Franz Mehring (biógrafo de Karl Marx) e Léo Jogiches, que dará origem ao partido comunista.