Sobre o filme “Libelu – Abaixo a Ditadura”

Tendência estudantil jogou papel decisivo e teve impacto nacional 

O filme de Diógenes Muniz estreou em 30 de setembro na Internet e em 4 de outubro foi premiado como melhor documentário nacional no 25º Festival “É Tudo Verdade”. Na sua apresentação, o diretor defendeu a Cinemateca Brasileira contra Bolsonaro.

Seu lançamento foi acompanhado por artigos na imprensa, em blogs e sites. Contrastando com textos simpáticos – como os de Gaspari (FSP), Merten (OESP) e Álvaro Caldas (Ultrajano) – outros exalaram hostilidade e preconceitos, não ao filme, mas à tendência estudantil que o motivou.

Até no “The Intercept”, que entrevistou o diretor, numa das perguntas feitas por Tatiana Dias ela solta: “O documentário mostra que, embora tivesse orientação trotskista, a Libelu era um movimento burguês, puxado por uma elite intelectual”.  Diógenes saiu pela tangente, dizendo que a OSI – organização antecessora de OT – “fornece quadros políticos da maior importância na formação do PT”.

Não, o filme não mostra “um movimento burguês”, mas o movimento estudantil (ME) de meados dos anos 70 ao início dos 80 em luta contra a ditadura militar. A extração social dos milhares que passaram pela Liberdade e Luta em todo o país era a mesma dos que foram das outras duas maiores tendências estudantis à época, Refazendo (sob influência da AP, MR-8 e outros grupos) e Caminhando (PCdoB).

Reconstrução do ME leva às passeatas de 1977
Em 1975, a greve da ECA (Escola de Comunicação e Arte da USP), contra a gestão autoritária do diretor Manuel Nunes Dias, que se transformou em greve geral da USP, além de abrir a via para a construção do DCE-Livre, selou a ação comum de duas tendências, cujas organizações clandestinas que as animavam estavam em processo de fusão: a Frente Estudantil Socialista (FES), ligada à Organização Comunista 1º de Maio (OC 1º Maio), e a Tendência Aliança Operário-Estudantil (Taoe), ligada à Organização Marxista Brasileira (OMB).

Assim, alguns meses antes da unificação da OMB com 1º de Maio, que dá origem à Organização Socialista Internacionalista (OSI), em meados de 1976 as duas tendências fundiram-se, criando a Liberdade e Luta (LL), de início como chapa para as primeiras eleições do DCE-USP.

A LL dedicou-se à reconstrução das entidades – CAs, DCEs e UNE – por ela vistas como sindicatos estudantis. Seus dirigentes eram militantes da OSI, educados na crítica ao stalinismo – seja na versão “etapista”, seja na versão “foquista” – e na permanente busca de laços com o movimento dos trabalhadores. O filme destaca o cartaz “Nem todos os gatos são pardos”, como exemplo de criatividade, lembremos que ele trazia como palavra de ordem: “Liberdade para os sindicalistas presos”.

A LL estabeleceu relações com oposições sindicais – como a dos bancários (muitos eram jovens e vários se assumiam “libelus”) e metalúrgicos de São Paulo – e movimentos de professores (como o MUP). Dirigentes combativos, ligados ou não à OSI, eram trazidos ao campus para debates e vários militantes do ME foram “transferidos” para o movimento sindical (que foi o meu próprio caso em 1978). Um aspecto que o filme passa ao largo.

A vida militante era dura e perigosa. É um insulto reduzir os libelus a “festeiros”, “irresponsáveis” ou “liberalóides”, como fizeram alguns na mídia e nas redes. Eram rapazes e moças ao redor de 20 anos que também faziam música, teatro e festas, o que não impedia a sua militância.

O filme corresponde à visão de um jovem diretor (35 anos), baseada na consulta de arquivos – inclusive o do nosso jornal – entrevistas e teses acadêmicas. Ele dá a palavra aos que militaram na LL, mas o resultado final parece valorizar mais os “costumes” do que a política.

Mas foi a política que destacou a LL: a luta pelas liberdades democráticas (outros se limitavam a agitar contra a política educacional do governo, a “PEG”), traduzida em 1977 no “Abaixo a Ditadura”. E isso sem ilusão em “poder jovem” ou ME substituto da luta de classes. Como vários destacaram em suas falas no filme, as greves operárias a partir de 1978 devolveram o ME ao seu devido lugar.

Foi a análise da situação mundial e no Brasil – no quadro da luta pela 4ª Internacional e transmitida pelos jovens trotskistas à LL – que explica a sua ousadia de propor passeatas e enfrentar a repressão.  Todas as falas no filme revelam orgulho de ter contribuído para o fim da ditadura militar.

Mesmo os “vira casaca” não devem ter o seu passado apagado, são os stalinistas que falsificam a história. Palocci, ao ler o poema de Leminsky, acaba fazendo uma homenagem do vício à virtude: “sim, enquanto trotskistas não se corromperam”.
A escolha das pessoas e o tempo atribuído a cada uma delas no filme, poderiam ter sido melhor balanceados. Mas é um documentário do Diógenes Muniz, e não da corrente O Trabalho, e como tal merece ser visto.

Julio Turra

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