Numa vitória parcial, mas considerável, trabalhadores da indústria automobilística dos EUA estão fechando acordos com importantes conquistas arrancadas. Foram mais de seis semanas de greve nas “três grandes” empresas – Ford, GM e Stellantins (Chrysler, Jeep, Fiat etc.) – agitando o movimento dos trabalhadores de todo o país. A direção do sindicato adotou uma estratégia de greve cumulativa por fábricas (“Stand Up Strike”), parando na primeira semana apenas 3 plantas e incorporando nas semanas seguintes novas unidades. No auge, 46 mil trabalhadores (dos 146 mil filiados nas três empresas) cruzaram os braços parando fábricas e unidades de distribuição em quase 40 estados. Parte das perdas das últimas décadas – benefícios e salários que dirigentes antigos do sindicato abriram mão em nome da “ajuda às empresas” – puderam ser reconquistadas. Mas há ainda muita luta pela frente.
Os acordos acertados entre a direção sindical e as empresas durarão quatro anos e oito meses e incluirão aumento salarial total de 25% (a ser parcelados em cada ano, a primeira dela já neste ano de 11%) mais reposição de inflação em cada ano. O injusto e divisionista sistema níveis salariais (para a mesma função) deve ser progressivamente abolido nos próximos 3 anos – com elevação dos salários de início de carreira e crescimento escalonado dos salários de níveis inferiores até alcançarem os dos superiores (das linhas de montagem).
Os acordos da Ford e Stellantis incluem o direito de greve em caso de ameaça empresarial de fechamento de fábricas. Na Stellantis, tal direito inclui ameaças de redução de investimentos na produção (dispositivo que o UAW tenta incluir no acordo da GM também) – algo importante a que trabalhadores impeçam o sindicato de deslocar recursos para fora, a pagamento de dividendos a acionistas ou à especulação. A Stellantis se comprometeu no acordo a reabrir a sua fábrica de montagem de Belvidere, Illinois (parada desde março, ameaçando desempregar seus 1,2 mil operários).
Veículos Elétricos e direito de greve e fundos de pensão
As três grandes planejavam montar suas fábricas de veículos elétricos – que exigem menos mão de obra e são mais mecanizadas – com trabalhadores não-sindicalizados (informais, sem cobertura do contrato coletivo sindical, como permite a legislação nos EUA). Esse modelo anti-sindical foi adotado pelo bilionário Elon Musk em suas instalações da Tesla. Reverter tal situação era prioridade da UAW. Os acordos incluirão a garantia que as unidades produtoras de baterias (aos carros elétricos) da Stellantis e Ford devam ser cobertas pelos contratos coletivos do UAW. O mesmo deve ocorrer com os novos trabalhadores da fábrica de baterias Ultium Cells da GM.
Os contratos comprometem a Stellantis e a Ford a realizarem respectivamente 19 e 8 bilhões de dólares em novos investimentos. Em todas as Três Grandes, imediatamente após a ratificação, os trabalhadores temporários com pelo menos noventa dias de emprego serão convertidos em tempo integral, pondo fim à prática de eternização de temporários, tão utilizada pelas empresas nos últimos anos.
Os acordos, contudo não incluíram uma reivindicação importante de recuperar as pensões para todos, um benefício que foi abandonado pela antiga direção sindical em acordos no pós crise de 2008 (para “salvar as empresas”). A desepeito disso, houve conquistas aos trabalhadores antigos (que já tinham planos de pensão) e aos atuais aposentados – com a recuperaram bônus anuais e elevação da contribuição patronal.
Aprovação dos acordos e reconstrução sindical
Os representantes da Ford dos sindicatos locais de todo o país já aprovaram unanimemente o contrato acordado. Os representantes da Stellantis devem faze-lo nesta semana também. A GM foi a última empresa a aceitar o acordo e só o fez quando o sindicato adicionou os 4 mil operários de sua lucrativa fábrica no Tennessee à lista de greve no final da semana passada para aumentar a pressão. Eles produzem motores que são distribuídos a várias outras montadoras nos EUA e no exterior.
Após a greve, o sindicato terá de manter a mobilização contra as tentativas das empresas de flexibilizar os direitos – sobretudo nas fábricas de veículos eléctricos. E deverá realizar um esforço para retomar a sindicalização de novos trabalhadores.
Apesar da desindustrialização de parte do país – fruto das políticas das multinacionais de deslocarem suas produções à países com mão de obra mais barata – o número de trabalhadores da indústria automobilística nos EUA recuperou-se consideravelmente nas últimas décadas, atingindo cerca de 1,1 milhão, uma retorno aos patamares dos anos 1980. O problema é a forte queda do percentual dos operários que se mantém sindicalizados: de 586 mil em 1983, hoje apenas 225 mil são do UAW. A despeito das fragilidades políticas ainda existentes no sindicato, a animada e politizada campanha salarial e as conquistas que dela decorreram, podem servir de impulso a retomada da sindicalização no setor, servindo de exemplo a todos os outros ramos industriais do país.