Venezuela, a confrontação inevitável

Entrevista com Alberto Salcedo, do Coletivo Trabalho e Juventude.

Ouvimos Alberto Salcedo, militante da 4ª Internacional e membro do Coletivo Trabalho e Juventude, agrupamento de sindicalistas, militantes políticos e jovens em Maracaibo (capital do Estado Zúlia), sobre a situação crítica que atravessa a Venezuela após as eleições para a Assembleia Nacional de 6 de dezembro.

No fechamento desta edição a Assembleia estava paralisada por um conflito entre sua maioria oposicionista, que deu posse a três deputados da MUD (bloco de oposição) contra a decisão do Tribunal Supremo (TSJ) de invalidar quatro dos 167 parlamentares eleitos (três da MUD e um do chavismo).

O Trabalho – Qual é a situação no país com a posse da nova Assembleia?

Alberto Salcedo – É extremamente complexa. De um lado, há a necessidade de defender as conquistas sociais obtidas nesses anos contra a investida do capital e de outro, a recomposição da direita. O que passa por uma frente única com o governo Maduro que, apesar da profunda crise econômica, subscreve formalmente a manutenção dessas conquistas. Por outro, temos que lutar contra uma burocracia estatal corrupta e ineficaz, um setor antagônico aos interesses dos trabalhadores que obstruí as conquistas e engrena-se com a burguesia agente do imperialismo.

A partir de 5 de janeiro entramos num ponto de inflexão com a posse da Assembleia de maioria da direita que segue ao pé da letra o que diz a Embaixada dos EUA. Onde o encarregado de negócios, Lee Mc Leny, veio “prestigiar” a sua instalação. A direita vai usar sua maioria em favor de uma agenda de restauração: lei de anistia para criminosos, medidas econômicas pró-mercado que incluem a revisão da lei de “Preços Justos” e a Lott (Lei Orgânica do Trabalho) que estipula, dentre outras garantias, a estabilidade no emprego. Ao mesmo tempo, sua estratégia é aprofundar o “desabastecimento”, que gerando ingovernabilidade, para convocar um referendo revogatório do mandato de Maduro a partir de 19 de abril como admite a Constituição. Uma confrontação inevitável vem aí, aquecida pelo desacato à decisão do TSJ no caso dos três deputados da MUD.

OT – Como reage o governo Maduro?

AS – O presidente adotou reformas na Lei de imposto de renda, que vai na linha de peitar os ricos, e no regime cambial através de um decreto de emergência econômica que será enviado à Assembleia Nacional para sanção. Em 6 de janeiro, ele anunciou um novo gabinete, combinando novos com antigos ministros e vice-presidentes (há vários, nomeados pelo presidente).

Luís Salas, novo vice-presidente econômico, é alvo de campanha da direita que o tacha de “radical” por sua postura contrária à visão monetarista de combate à inflação. Ele vai se chocar com a própria equipe que deveria coordenar com ministros como Medina Rios (Bancos e Finanças) e o presidente do Banco Central, Nelson Merentes, alinhados com a banca internacional.

OT – Nesta difícil situação, o que fazer?

AS – É vital entender que o avanço da direita na América Latina expressa a necessidade do imperialismo dos EUA de retomar terreno e avançar na política de desagregação das nações visando apagar as conquistas dos povos, o que passa por eliminar governos que apoiem qualquer política social contrária aos seus ditados.

Estamos num momento histórico em que é preciso a unidade das forças populares e da classe trabalhadora contra a burguesia e o imperialismo, mas também contra aqueles que, dentro do governo, buscam um pacto com os inimigos do povo trabalhador.

Somente a mobilização unitária e autônoma com uma agenda própria e dirigindo-se a setores do governo e a Maduro pode resistir à brutal ofensiva do capital. Estamos a favor de uma grande frente única das organizações do povo trabalhador baseada: na defesa e cumprimento das conquistas sociais e políticas, na defesa e aplicação da Lott (proibição da terceirização, por exemplo), pela repatriação de capitais, nacionalização dos bancos e controle das importações, intervenção nas cadeias de produção e distribuição de alimentos e remédios, que combata a burocracia mafiosa alojada nos vários níveis de governo e, nesse quadro, defender o mandato democrático de Maduro contra os ataques da direita.

Para construir essa frente propomos um encontro nacional da classe trabalhadora no qual a CSBT (central sindical chavista) deveria assumir, com a participação de outras organizações sindicais, coletivos, organizações camponesas, de moradores e de jovens.


Nota do Brasil é munição para a direita venezuelana

Em 5 de janeiro, uma nota do governo brasileiro endereçada a Caracas afirmou: “Não há lugar, na América do Sul do século 21, para soluções políticas fora da institucionalidade e do mais absoluto respeito à democracia e ao Estado de Direito”.

Ela foi comemorada em editoriais de grandes jornais, como o Estadão, e por jornalistas como Clóvis Rossi (Folha de São Paulo, 05/01) como um “basta ao bolivarianismo”. A nota ainda afirma que (o governo brasileiro) “confia que serão preservadas e respeitadas as atribuições e prerrogativas constitucionais da nova Assembleia Nacional venezuelana e de seus membros, eleitos naquele pleito”.

Ocorre que o Tribunal Supremo de Justiça suspendeu a posse de quatro deputados, três do bloco opositor MUD e um do Polo Patriótico (chavista), acatando recurso do PSUV por compra de votos no Estado Amazonas. O presidente da Assembleia, Ramos Allup, deu posse aos três da MUD ignorando a decisão judicial. Quem está agredindo a “institucionalidade”?

A nota do governo Dilma acaba dando munição à direita pró-imperialista na Venezuela. Mais um tiro no pé!

Entrevista publicada na edição nº 779 do jornal O Trabalho de 14 de janeiro de 2015;

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