Artigo de Benoit Lahouze de 15 de setembro de 2015.
No sábado, 12 de setembro, Jeremy Corbyn foi oficialmente eleito presidente do Labor Party (LP) – o Partido Trabalhista Britânico – ao obter 60% dos votos, ao fim de três meses de eleições primárias no partido.
Em seguida à derrota histórica do LP nas eleições gerais de 7 de maio de 2015, Ed Miliband, então presidente do partido, renunciou e abriu caminho para que fosse renovada a direção em eleição interna. Essa eleição marca, de um lado, a vontade de resistência da classe operária britânica, que se agarrou a seu partido tradicional, em particular por meio dos sindicatos, membros plenos do LP (uma tradição britânica, permitida pela legislação do país – Nota do Editor), para exprimir essa resistência. Mas é também a marca da crise considerável que o imperialismo britânico enfrenta.
Foi um verdadeiro tsunami que levou Jeremy Corbyn à direção do LP no último sábado. Com 60% dos votos, esmagou seus três adversários, entre os quais Liz Kendall, representante dos “blairistas” (a ala direita do partido, que recebe o nome do ex-dirigente e primeiro-ministro Tony Blair), que obteve 4,5% dos votos. Para lembrar: durante a sua primeira eleição, em 1994, Blair colheu mais de 50% dos votos. O jornal “The Guardian” de 13/9 escreveu: “O blairismo está morto e enterrado”.
Um novo Tsipras?
Movimento da esquerda anti-austeridade com o Podemos (organização política criada a partir do movimento dos indignados – Nota do Editor.) na Espanha e Bernie Sanders (senador estadunidense pelo Estado de Vermont e candidato à indicação pelo Partido Democrata na eleição presidencial de 2016 – Nota do Editor) nos Estados Unidos, como escreve toda a mídia? Jeremy Corbyn é um deputado do norte de Londres desde 1983 e membro do sindicato Unison de Islington. Pertence ao Grupo de Campanha Socialista, a ala de esquerda reformista do LP. É particularmente conhecido por sua postura contra a Otan, as armas nucleares e a guerra (no Parlamento, votou contra todas as intervenções militares), ou ainda em apoio aos republicanos irlandeses. É também dirigente da coalizão “Stop the War” (Pare a Guerra), apoiada por muitos sindicatos, que organizou várias manifestações de centenas de milhares em Londres durante a invasão do Iraque ou, no ano passado, durante a última ofensiva de Israel contra Gaza. Jeremy Corbyn assinou ainda o apelo pelo fim do bloqueio a Gaza, lançado pelo PT (Partido dos Trabalhadores) da Argélia e pela UGTA (União Geral dos Trabalhadores Argelinos) e apoiou uma delegação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre essa questão.
Corbyn pronunciou-se a favor do cancelamento dos cortes orçamentários impostos pelo governo, da tributação dos bancos e dos mais ricos, da reestatização das ferrovias (privatizadas por Margaret Thatcher), contra a privatização dos correios, da previdência social (NHS) e pelo cancelamento do aumento na taxa de inscrição na universidade, que mobilizou estudantes ingleses em 2010. Ele também se opôs, assim como a maioria dos sindicatos, ao novo projeto de lei antissindical apresentado ao Parlamento pelo governo. Um projeto que impõe inúmeros requisitos legais para organizar uma greve, proíbe piquetes e caminha no sentido de destruir a relação entre os sindicatos e o Labor Party.
O complexo sistema eleitoral do LP, agravado pelo fato de que a reforma interna de 2010, apoiada por Tony Blair, exige o apoio de 35 deputados do partido para que se possa apresentar nas eleições primárias, havia impedido a inscrição de candidatos da ala esquerda do partido durante anos. Mas a crise na cúpula do LP, em seguida à derrota eleitoral, empurrou alguns deputados próximos à antiga direção a “emprestar” seu voto a Corbyn para “ampliar o debate no LP”, explica o site da BBC (10/9). John McDonnell, deputado do partido e dirigente da campanha de Corbyn, relata que os dois últimos apoios chegaram poucos segundos antes do final da votação, o que permitiu apenas um apoio a mais que os 35 necessários para sua inscrição (“The Mirror”, 11/9). A candidatura de Corbyn, portanto, só pôde surgir porque a crise da cúpula do LP abriu fraturas no dispositivo eleitoral, ainda que eles seja bem fechado.
Em poucas semanas ele se tornou o favorito nas sondagens. Disputavam com ele Kendall, da ala blairista, uma representante da direção que renunciou e Andy Burhnam, mais à esquerda, ligado aos sindicatos, que foi membro do governo de Gordon Brown.
Até 2010, os sindicatos tinham voz na eleição. Havia o direito de voto automático para todos os membros de um sindicato aderente ao partido (como era o caso da maioria). Com a reforma eleitoral interna, os membros dos sindicatos tiveram de se recadastrar para votar. E, para minimizar a participação da base do partido, principalmente sindical, a reforma incluiu a previsão de que os simpatizantes, além dos filiados, pudessem também votar, desde que pagassem 3 libras (cerca de R$ 20).
No entanto, milhares de novos membros filiaram-se ao partido: 100 mil novos filiados inscreveram-se e pagaram as 3 libras. Contra todo o dispositivo de bloqueio da direção, 600 mil participaram das primárias, dando 59,5% para Corbyn.
Para uma eleição que todos esperavam chata, os meios de comunicação britânicos registraram enormes multidões nos comícios de Corbyn, especialmente de jovens. Em três meses, realizam-se 99 atividades de campanha, atraindo 50 mil pessoas. No final de agosto, uma reunião em Cambridge teve de ser realizada ao ar livre, pois a sala reservada comportava 1.200 pessoas, enquanto 2 mil se inscreveram on-line para participar.
Na última atividade da campanha, dois dias antes da proclamação dos resultados, o jornal “Daily Telegraph” (11/9) informou que, uma hora antes, uma longa fila se estendia na rua, com a sala lotada por cerca de mil pessoas. O comício foi aberto por Len McCluskey, secretário-geral do sindicato Unite (que reúne vários sindicatos de trabalhadores do setor privado), o maior sindicato da Grã-Bretanha, com 1,4 milhão de filiados. No mesmo dia, os três outros candidatos reconheceram implicitamente sua derrota antes dos resultados oficiais (“Daily Telegraph”, 11/9). Além do Unite, Corbyn recebeu o apoio oficial também de Unison, o segundo maior sindicato do país (1,3 milhão de filiados), que reúne os sindicatos de servidores, assim como do CWU (comunicação), quinto maior sindicato do país, do PCS, sexto sindicato do país (serviço público), do BFAWU (alimentação), dos dois sindicatos de transportes RMT e TSSA, do FBU (bombeiros), do POA (funcionários penitenciários), do ASLEF (condutores de trem).
No último comício, John McDonnell, deputado da esquerda do LP, explicou: “Nós vamos restaurar os direitos sindicais. Seja no Parlamento, seja nos piquetes de greve, apoiaremos os sindicatos!”
Durante o processo eleitoral, uma comissão de auditoria invalidou os registos de 4,5 mil filiados, denunciando a infiltração pela direita e pelos trotskistas, entre os quais o secretário-geral do PCS, Mark Serwotka, que indicou que seu sindicato, não aderente ao LP, “correria para aderir” caso Corbyn ganhasse. (“The Guardian”, 25/8).
No total, Corbyn recebeu o apoio dos principais sindicatos nacionais, que representam 70% dos trabalhadores sindicalizados do país. Recebeu o apoio também de 152 comitês de base LP, que representam 24% de membros. No final, obteve 49,5% dos membros do partido, 84% entre os apoiadores que pagaram 3 libras e 58% entre os membros dos sindicatos, apesar do baixo comparecimento devido à exigência de recadastramento. Sua vitória logo abriu uma crise no LP, com muitos dirigentes anunciando sua renúncia e sua recusa em trabalhar na nova equipe de direção e outros ameaçando dividir o partido.
Essa eleição é também expressão da profunda crise que o imperialismo britânico enfrenta, incluindo o aparelho de Estado e a representação política das diferentes frações da burguesia britânica. Após cinco anos de governo conservador, o LP perdeu as eleições de maio de 2015 – os conservadores ganharam 23 cadeiras, enquanto o LP perdeu 26. Na Escócia, ficou com apenas uma cadeira, e o SNP (Partido Nacional Escocês), um partido burguês majoritário no Parlamento escocês, passou de 6 deputados para 59. O sucesso da campanha populista “anti-austeridade” do SNP deve-se ao fato de que as receitas fiscais relacionadas ao petróleo do Mar do Norte permitiram ao governo autônomo escocês impor medidas de austeridade menos drásticas do que foram impostas ao resto da Grã-Bretanha.
Nessa eleição se refletiu também o resultado do referendo sobre a independência da Escócia de setembro de 2014, quando 45% votaram pelo Sim, em sua maioria operários e jovens, exprimindo a vontade de milhões de acabar com as políticas reacionárias dos conservadores. Ela demonstrou também a crise interna do imperialismo britânico, que, por causa da crise econômica e política, tem assistido em seu próprio seio ao crescimento de forças centrífugas, em particular com a questão da divisão dos lucros do petróleo do Mar do Norte entre Edimburgo e Londres.
A crise que assola a União Europeia (UE) levou também David Cameron a propor um referendo sobre saída da UE. A burguesia inglesa não deseja questionar o quadro da UE (especialmente a livre concorrência), mas, como burguesia dominante da Europa, quer renegociar sua participação, contra as posições de outros governos europeus e do imperialismo estadunidense, que se opõem a isso. Cameron abriu, assim, uma crise em seu próprio partido, no qual parcela significativa quer ir além da renegociação e quer sair da UE. Sobre esse assunto, Corbyn disse que deseja que o LP “influencie as negociações e trabalhe com nossos aliados europeus para implementar uma agenda de reformas que beneficiem os europeus comuns em todo o continente. (…) Isso não significa sair, mas lutar juntos, no interior, por uma Europa melhor”.
Do ponto de vista da classe operária, apesar das leis antissindicais que restringem o direito de greve – nunca contestadas pelos governos da LP – pela primeira vez em anos a confederação TUC convocou uma jornada nacional de manifestações em 18 de outubro de 2014, por aumentos de salários e contra os cortes no orçamento, chamando a greve em vários setores profissionais. Isso ocorreu após uma greve nacional por aumentos salariais, organizada pela Unison e por vários sindicatos do serviço público, que reuniu de 1 milhão a 2 milhões de manifestantes em 10 de julho de 2014.
No último dia 20 de junho, 200 mil manifestantes em Londres, e vários milhares pelo país, protestaram contra os cortes orçamentários e as privatizações, respondendo a um apelo da coalizão “Assembleia do Povo”, da qual participa a confederação TUC, os principais sindicatos do país e várias organizações políticas. Entre 2012 e 2014, o número de dias de greve dobrou a cada ano, passando de 249 mil para 788 mil, um nível não visto desde a década de 1980.
Apesar dos obstáculos à mobilização, em virtude da política das direções dos principais sindicatos nacionais e de seu apoio à direção anterior do LP, a classe operária britânica resiste em escala cada vez maior, procurando a unidade em sua mobilização para fazer recuar o governo. Um dia após a vitória de Corbyn, abriu-se o congresso anual da confederação dos sindicatos, a TUC. O dirigente do PCS declarou no congresso: “Se Jeremy Corbyn quer vencer com base nessas políticas, ele tem necessidade de um movimento de massas neste país. Ele tem necessidade de 6,5 milhões de sindicalizados para organizar esse movimento de greves, manifestações, campanhas locais, ocupações etc. Nós temos a capacidade de deter a austeridade, de derrubar o governo e garantir uma sociedade mais justa”. Rob Williams, outro delegado, disse: “A votação de ontem é uma revolução política. Devemos construir um movimento de massas contra a austeridade e as leis antissindicais. A mensagem deve ser simples: ‘Cameron, vamos colocá-lo em seu lugar. Você terá de recuar em sua lei antissindical e nos cortes no orçamento porque vai haver mobilização’”. (“The Telegraph”, 14/9).
Inegavelmente a campanha e a vitória de Corbyn expressam esse movimento da classe operária e da juventude contra a política dos sucessivos governos. Corbyn disse que vai manter suas promessas… em 2020, se o LP ganhar as eleições. Mas os cortes em todos os orçamentos se acumulam e o governo Cameron pretende continuar com eles.
Dois dias após a vitória de Corbyn, abre-se no Parlamento a segunda discussão do projeto de lei antissindical, um ataque considerável contra os sindicatos. Sobre isso, o que decidirá a confederação TUC em seu congresso, ao mesmo tempo? A classe operária e a juventude britânica certamente não se mobilizaram para esperar calmamente até 2020.