Zimbábue – crise do governo e revolução

*Publicado originalmente em 30 de novembro de 2017 na edição 819 de O Trabalho

A revolução zimbabuana inspirou milhões, numa luta típica dos povos oprimidos e explorados sob re­gime colonial. Os obstáculos ao novo governo foram enormes e o processo de desestabilização continua. Os im­perialistas não pegaram suas malas e foram embora. Eles fazem tudo para que a libertação não funcione, não admitem que um país recém-libertado rompa com eles.

Sob diferentes formas, é a mesma história: os movimentos de libertação e seus ilustres dirigentes são, muitas vezes, destruídos pela complexa rede de interesses pessoais que os leva a trair quem pretendem representar. Os partidos e movimentos começam a apodrecer pela cabeça, como peixes.

No começo, o regime de Mugabe foi saudado por sua posição contra todas as formas de corrupção. Durante vários anos, esse foi um dos pilares da Zanu-PF. Mas o imperialismo co­meçou a esmagar a Zanu-PF e o povo pela odiosa dívida externa. O FMI e o Banco Mundial usaram a sua força para desmoronar a economia. Manti­veram a pobreza e a escassez recusando o acesso à terra, o único meio de sub­sistência popular.

Os que têm acesso aos instrumentos do poder são geralmente os primeiros a cair nas armadilhas do diabo, esque­cendo-se que o valor fundamental de sua existência é servir ao povo, antes de seu próprio interesse. Mugabe devia evitar as tentações. É compreensível que seu partido e o povo se sintam traídos. Suas ações irracionais não têm justificativa, e é um fato que a revo­lução que dirigiu, espinho no pé do imperialismo, foi traída muitas vezes.

A reforma agrária ameaçada

A reforma agrária é uma das estre­las de seu governo. Por essa razão, reafirmamos a defesa da revolução zimbabuana, com ou sem Mugabe. Rejeitamos qualquer intervenção es­trangeira pois o Zimbábue é um país soberano, seus assuntos internos são da competência do povo e ninguém mais.

Os últimos dias têm sido marcados por uma grande crise. Os militares que sempre apoiaram Mugabe se voltaram contra ele, prendendo vários ministros aliados de sua mulher Grace, de ori­gem sul-africana. Todos são acusados de corrupção flagrante e de má gestão dos assuntos do Estado. A intervenção do exército parece ter apoio popular, embora Mugabe relute renunciar (escrito à véspera da renúncia – Nota de OT).

O maior perigo vem daqueles que, a mando do imperialismo, vêem uma oportunidade para reverter a revolução.

Recentemente, a rede de televisão sul-africana SABC apresentou uma reportagem de Dali Tambo (filho de Oliver Tambo, mais antigo dirigente do Congresso Nacional Africano, par­tido no poder – NdT) que pesquisou a reforma agrária no Zimbábue. Se­gundo Dali, a reforma agrária foi um sucesso. O que os fazendeiros brancos demoraram mais de 20 anos para fa­zer, com apoio imperialista, aqueles a quem Mugabe deu as terras, fizeram em muitos casos melhor que os fazen­deiros brancos e mais rápido, menos de dez anos. As fazendas assumidas pe­los negros atingem produtividade duas vezes superior à dos colonialistas. O povo desnudou a farsa segundo a qual tudo o que é branco seria superior.

O que os brancos não conseguiram em vinte anos de regime repressivo com apoio ocidental, o povo negro realizou, apesar da falta de recursos e de apoio. O programa de nacionaliza­ção de Mugabe, que impôs que o povo do Zimbábue detenha 51% de todos os recursos naturais, em particular das minas, ajudou a reconstruir a econo­mia para indignação do imperialismo.

A posição do imperialismo não mu­dou em relação a Mugabe e a Zanu-PF. Com o apoio do MDC (Movimento por mudança democrática – NdT) que chama a comunidade internacional a isolar o Zimbábue, abre-se novamente a possibilidade de intervenção militar no país. Não há dúvida de que existe esse desejo. O governo zimbabuano não somente retomou a terra dos bran­cos que a haviam roubado dos negros pela violência, mas também retomou o controle das riquezas naturais.

Apoiamos todas as lutas legitimas do povo zimbabuano. Pedimos somente que, em todas as ações que, em nossa opinião, são justificadas pelo contexto, não joguem fora o bebê com a água do banho…

Que a revolução zimbabuana seja defendida e celebrada!

Lybon Mabasa, presidente do Partido Socialista da Azânia (África do Sul).

  1. A União Nacional Africana do Zim­bábue – Frente Patriótica (Zanu-PF) é o partido que nos anos 70/80 dirigiu a luta de libertação nacional na ex-colônia in­glesa, Rodésia, e está no poder atualmente (Nota de OT).

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