O que está acontecendo na Ucrânia?

[ Carta da 4ª Internacional – N°26 (nova série – 297) – 22 de fevereiro de 2014 ]

 

Um “acordo” acaba de ser assinado na Ucrânia, que parece acalmar a situação. Será? 1

O que se passa hoje na Ucrânia não é uma “reedição” da “revolução laranja” de 2004. Todos viram as cenas de guerra civil em Kiev, os mais de cem mortos, de um lado e de outro. O acordo assinado dia 21 de fevereiro pelo presidente Yanukovich e a “oposição”, sob a égide de uma delegação da União Européia (ministros das Relações Exteriores da França, da Alemanha e da Polônia), não impede, ao contrário, o prosseguimento do processo de desagregação da Ucrânia que já começou.

O jornal Oukraïnskaïa Pravda publicou ontem (21.02), um relatório do SBOu (a ex-KGB ucraniana) que alerta para a iminente explosão do país. Militantes da Ucrânia e da Bielorússia vem de nos confirmar essas informações. Assim que o acordo foi assinado, o presidente Yanukovich rumou para Karkov, a maior cidade do leste da Ucrânia (e segunda cidade do país). Não apenas o presidente está em Karkov, mas anuncia-se que poderia se reunir hoje uma parte da Rada (Parlamento). A oeste, em grandes cidades como Lvov, milícias armadas do partido Svoboda (a principal força da “oposição”, comentada adiante) assumiram, já há quatro dias, o controle do conjunto dos edifícios oficiais, e proibiram as atividades do Partido das Regiões (o partido de Yanukovich) e do Partido “Comunista”. No momento em que escrevemos, a Ucrânia está dividida em duas. É apenas o início da desagregação: na Criméia, território povoado majoritariamente por russos, com uma forte minoria tártara turcófona, e onde se localiza a antiga base militar naval russa de Sebastopol, uma parte da Assembléia Regional autônoma se reuniu com autoridades da Federação Russa para solicitar que a Criméia seja colocada “sob a proteção de Moscou”. Nos campos, multiplicam-se cenas de pilhagem. Dois ônibus transportando cidadãos, trabalhadores, provenientes da vizinha Bielorrússia, foram metralhados ontem (21.02).

Quais seriam as consequências da explosão da Ucrânia?

A desagregação-decomposição da Ucrânia teria consequências incalculáveis em escala internacional. Com seus 45 milhões de habitantes, sendo o segundo maior país da Europa em superfície, a explosão da Ucrânia teria consequências infinitamente mais trágicas que a desagregação da Iugoslávia há 22 anos – desagregação organizada pelas grandes potências imperialistas e seus cúmplices na burocracia. Ela constituiria, nas portas orientais da União Européia, um fator de decomposição inteiramente voltado contra a luta de classes, contra a resistência dos trabalhadores de todos os países da União Europeia que, apesar dos obstáculos, se erguem contra os planos de destruição ditados pela UE e FMI, e aplicado por todos os governos, tanto de direita como de “esquerda”, de Atenas a Lisboa.

Mas uma Ucrânia desagregada, “iugoslavizada”, também seria, para o imperialismo, uma potente alavanca contra a Federação Russa. Lembremos que o antigo conselheiro do presidente Carter, Zbigniew Brzezinsky, escrevia – por conta dos círculos dirigentes do imperialismo estadunidense – em 1997, a propósito da Ucrânia. Para o imperialismo US, dizia ele, a Ucrânia é um “peão estratégico“, quer dizer, um país que, em si, não tem nenhum interesse, mas que é preciso separar definitivamente da Rússia, pois “sem a Ucrânia, a Rússia não pode ter pretensões a se tornar um império euroasiático“.

Trata-se, então, de uma rivalidade entre Estados Unidos e a Rússia?

Depois da Ucrânia, escrevia o mesmo Brzezinsky, em 1997, é preciso preparar uma segunda etapa: a desagregação da própria Rússia: “Considerando o tamanho do país e sua diversidade, um sistema político descentralizado e uma economia de mercado livre forneceriam as condições ideais para fazer frutificar (…) os vastos recursos naturais da Rússia. Uma Confederação da Rússia – composta de uma Rússia Europeia, de uma República Siberiana e de uma República do Extremo Oriente – seria igualmente mais benéfica para desenvolver relações econômicas mais estreitas com seus vizinhos. Cada uma dessas entidades confederadas teria condições muito melhores para desenvolver o potencial criativo local, sufocado perante séculos pela pesada mão burocrática de Moscou. Ademais, uma Rússia descentralizada seria menos suscetível de fazer valer suas pretensões imperiais”. (Geoestratégia para a Eurásia – Foreign Affairs, 1997).

O que está em jogo, por trás disso tudo, são os imensos recursos naturais, minerais, gasíferos e petrolíferos da Rússia. É a “Rússia útil”, como em 1993 o Brookings Institute falava da África “útil” (suas riquezas) e “inútil” (os africanos).

O que está em jogo é uma segunda etapa da pilhagem da Rússia, porque a onda de privatizações-pilhagem da década de 1990 (sob Yeltsin) não pode ir até o fim, tendo em vista a resistência da classe operária da Rússia, que, como na Ucrânia, no Cazaquistão, na Bielorússia, se aferra com unhas e dentes a suas fábricas, suas escolas, seus hospitais, suas moradias etc. aquilo que denominamos “conquistas de Outubro de 1917”.

Não se trata de um cenário de “ficção científica”: quando o bilionário Mikhail Khodorkovski, presidente do grupo petrolífero estatal Yukos, e protegido do Kremlin, tentou, há dez anos, passar um acordo direto com a multinacional ExxonMobil, às costas do Kremlin, foi jogado na prisão pelo Kremlin. Eis porque Brzezinsky quer se desembaraçar da “pesada mão burocrática de Moscou“.

Isso não quer dizer, bem entendido, que tudo esteja terminado. Tal como acontece no resto do mundo, os trabalhadores e os povos resistem. Mas como no mundo inteiro, o imperialismo, e o imperialismo estadunidense, mesmo em crise, provoca guerras e a desagregação das nações, em nome da sobrevivência do regime da propriedade privada dos meios de produção, em decomposição.

Os dirigentes da UE e o governo Obama denunciam a “ingerência” russa. Quem se ingere e por que?

Eles o fazem porque “a melhor defesa é o ataque”. Depois do início das manifestações em Kiev, altos dirigentes da União Européia e dos Estados Unidos tomaram a palavra, a cada semana, na tribuna da “Euromaidan” (Maidan Nezalejosti é o nome da Praça da Independência, no centro de Kiev). Eles concentraram todos os seus esforços no sentido de fazer pressão para que Yanukovich assinasse o acordo de associação com a União Européia.

Foi aí que o regime de Putin colocou sobre a mesa os créditos de 15 bilhões de dólares. O regime de Yanukovich, que há quatro meses era um ardoroso defensor da assinatura do acordo de associação com a UE, deu uma “meia-volta” brutal em meados de novembro (às vésperas da reunião de cúpula européia de Vilnius, de 27 e 28 de novembro de 2013) quando Putin “ofereceu” os seus 15 bilhões.

Lembremos que, como antes na Tunísia, o “acordo de associação com a UE”, do qual Yanukovich era um ardente partidário, tinha como “contrapartida” a adoção, pelo governo ucraniano, de uma série de brutais medidas anti-operárias ditadas pelo FMI, indo desde o congelamento de salários e pensões até o vertiginoso aumento do preço do gás para as residências. O próprio jornal francês pró-UE Le Monde reconhece que “a ajuda financeira oferecida por Bruxelas (610 milhões de euros) é ínfima. E, para piorar as coisas, esse dinheiro seria desembolsado somente após a adesão de Kiev ao programa de reformas do FMI para reerguer a economia do seu atual estado deplorável”. E acrescenta: “Toda aproximação (da Ucrânia com a UE) implica seu pacote de ‘reformas estruturais’, esforço de desendividamento, de rigor orçamentário. Angela Merkel já avisou”.

Por que Yanukovich mudou de idéia e passou a preferir a oferta de Putin?

Para os militantes da 4a. Internacional, isso remete à natureza dos regimes em presença, e, portanto, às condições pelas quais, em 1991, a burocracia stalinista, agindo por conta do imperialismo mundial, destruiu a URSS. A burocracia restabeleceu as relações capitalistas, nas condições de decomposição do mercado mundial, e, portanto, se transformou nesta camada mafiosa e compradora, a serviço do imperialismo, sempre procurando defender suas próprias prebendas, seus próprios privilégios e interesses.

Se Yanukovich mudou bruscamente de opinião, preferindo a oferta “mais interessante” de Putin, é porque essa camada, os “clãs” que ele representa, é motivada pelo enriquecimento rápido e imediato, como o que lhes propiciaram, na década de 1990, as privatizações mafiosas em toda a ex-URSS.

Em nada o regime de Putin se distingue do regime da Ucrânia. Como escrevemos em 2004, no momento da “revolução laranja”: “Putin é um agente estadunidense. Mas é um agente estadunidense que, para assegurar sua própria sobrevivência política, deve preservar um certo número de prerrogativas, inclusive do ponto de vista de seu poder burocrático-militar apoiado sobre a pilhagem e a destruição do país, o que pode colocá-lo em contradição com as necessidades imediatas e a política do imperialismo estadunidense”. É o mesmo papel que ele desempenhou em relação à Síria, ao mesmo tempo “salvando” Obama, que estava atolado na crise síria, e fazendo prevalecer os interesses específicos da camada mafiosa que ele representa.

O regime russo se lembra perfeitamente que a adesão à União Europeia, sucessivamente em 2004 e 2005, dos países da Europa central e oriental foi acompanhada por sua adesão à OTAN, levando a um verdadeiro “cerco” de bases estadunidenses em suas fronteiras orientais (na Polônia, na República Tcheca…).

Mas a divisão da Ucrânia entre “leste” e “oeste” não tem raízes históricas?

Na realidade, não existe uma base objetiva para a desagregação da nação ucraniana, tanto quanto não há na Síria, na Argélia e alhures.

A história da Ucrânia está estreitamente ligada à da Rússia, pois a própria origem da Rússia é o reino de Kiev. É verdade que em seguida, a nação ucraniana foi esquartejada, oprimida e desmembrada pelas grandes potências vizinhas: o reino da Polônia, o Império Austro-húngaro e, evidentemente, a “prisão dos povos”, que era o Império tzarista, cujos funcionários brutais e chauvinistas oprimiram o povo ucraniano, recusando-se até mesmo a reconhecer sua existência.

Recordemos a maneira pela qual Lênin se bateu, no movimento operário russo, contra toda adaptação ao chauvinismo da “grande-Rússia”, pelo direito à auto-determinação das nações, portanto também o direito do povo ucraniano, entre outros.

É a origem do poderoso sentimento nacional ucraniano, que existe até hoje e que é perfeitamente legítimo. Foi a Revolução de Outubro de 1917, ou seja, a revolução mundial, que, expropriando o capital, rompendo com o imperialismo, liberou a nação ucraniana. A nação ucraniana, desenvolvendo sua língua nacional, sua cultura, sua literatura, pode progredir como nunca no quadro de uma República soviética da Ucrânia, federada com a Rússia soviética e outras, no quadro da URSS, que deveria ser, segundo Lênin, uma “união livre de povos livres” estendendo-se em direção ao Oeste da Europa no ritmo dos avanços da revolução mundial.

Não é por acaso que a degenerescência burocrática da URSS tomou, na Ucrânia, a forma da eliminação, por Stálin, dos dirigentes comunistas ucranianos (fossem ou não membros da Oposição de esquerda, dirigida por Trotsky) em nome da luta contra um pretenso “nacionalismo ucraniano”. A brutalidade do stalinismo, a brutalidade com a qual a burocracia implantou a coletivização forçada no campo e as ondas de fome que essa política provocou, não impediram que centenas de milhares de partisans (combatentes) se levantassem contra a ocupação nazista, que pretendia restabelecer a propriedade privada sob a forma de escravização das populações soviéticas.

Na Ucrânia há ucranianos, alguns falam a língua ucraniana, outros falam a língua russa. Existem, como em todos os países que faziam parte da URSS, minorias nacionais, russos, húngaros, tártaros… Mas, repitamos, não há base “objetiva” para enfrentamentos “étnicos” ou linguísticos.

Justamente, os partidos “nacionalistas” ucranianos ocupam a linha de frente. O que isso significa?

De “nacionalistas”, os principais partidos que dirigem as manifestações só têm o nome. E mesmo de ucranianos, só têm o nome. O Partido Batkivshina (“A Pátria”) da ex-inspiradora da “revolução laranja”, que depois se tornou primeira-ministra, tão corrupta quanto Yanukovich, Yulia Timochenko, foi criado e financiado pelo governo polonês. O partido “Oudar” do boxeador Klishko, foi fundado e financiado pela Fundação Konrad Adenauer, ligada ao partido de Angela Merkel, a CDU. Quanto ao Partido “Svoboda” (Liberdade), que ainda há pouco se chamava “Partido nacional-socialista da Ucrânia”, se apresenta como herdeiro de Stepan Bandera que, oito dias depois da invasão nazista da URSS (em 22 de junho de 1941), redigiu a “proclamação de independência” da Ucrânia, que iria colaborar “com a grande Alemanha nacional-socialista, sob a direção de seu chefe Adolf Hitler que está instaurando uma nova ordem na Europa“. As bandeiras vermelhas e negras que aparecem nas manifestações de Kiev são da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN) e do Exército Insurrecional da Ucrânia (UPA) que, ao lado dos nazistas, em 1941, ajudou a liquidar os judeus, os húngaros, os ciganos, os anti-nazistas, no momento da invasão nazista. Svoboda defende o acordo de associação com a UE e também a adesão da Ucrânia à OTAN.

Não há aqui nada de surpreendente: é uma característica histórica do “nacionalismo” burguês ucraniano submeter-se às grandes potências imperialistas. Ele fez isso em 1918 quando a Rada (Parlamento) da Ucrânia “independente” aliou-se ao imperialismo alemão e depois, em 1941, ao mesmo imperialismo alemão sob sua forma nazista e, hoje… coloca-se a serviço da OTAN e dos Estados Unidos.

E não esqueçamos da proliferação de ONGs, financiadas por fundos europeus e estadunidenses. Na Ucrânia, como na Bielorrússia, explica um militante bielorrusso no jornal Rabochie Izvestiya (dezembro de 2013): “colossais recursos da mídia ‘independente’ foram colocados em movimento para promover a ‘via européia’ e, igualmente, as ONGs. A juventude civicamente ativa passa por seminários, por ‘trainings’, visando a orientá-la brutalmente para valores europeus, nos quais lhes são inculcados dogmas neoliberais e outros postulados do capitalismo contemporâneo. Tudo isso, bem entendido, é misturado aos contos de fadas da ‘sociedade civil’ e outros postulados do politicamente correto”.

Em que medida o imperialismo utiliza esses intermediários para desestabilizar?

O sangue correu em Kiev, a primeira vez, em fins de dezembro e, numa outra escala, em 18 e 19 de fevereiro. Esses banhos de sangue foram precedidos por dois fatos. Em meados de dezembro, antes dos primeiros mortos, houve a assinatura do acordo dos 15 bilhões de créditos entre Yanukovich e Putin. Foi também em 15 de dezembro que o senador republicano MacCain e seu colega democrata Murphy tomaram a palavra na tribuna da Euromaidan para declarar: “Nós estamos aqui para sustentar uma causa justa, o direito soberano da Ucrânia decidir livremente e independentemente seu destino, que é ligar-se à Europa”, acrescentando “Nós dizemos claramente que a ingerência da Rússia e do sr. Putin são inaceitáveis“. Em 10 de dezembro, o Strategic Forecasting Inc. (Stratfor, por vezes chamado de “gabinete encoberto da CIA”) escreveu: “O apoio estadunidense aos protestos na Ucrânia é um meio de fixar a atenção da Rússia em sua região e desviá-la de sua ofensiva contra os Estados Unidos”. O embaixador dos EUA em Kiev havia ameaçado a Ucrânia com o “caos” caso fosse assinado o acordo com Putin… Dias após a assinatura do acordo caíram os primeiros mortos.

Depois houve a manifestação armada de 20 mil pessoas dirigida pelas milícias do Svoboda e grupos neonazistas como o “Pravyi sektor”, em 18 de fevereiro. Podemos ignorar que isso ocorreu uma semana depois da visita de Victoria Nuland, secretária adjunta do Departamento de Estado dos EUA, que se reuniu com dirigentes do Svoboda em 13 de fevereiro? E isso imediatamente depois que a primeira parcela da ajuda russa havia sido entregue a Kiev? Nuland, numa conversa telefônica com o embaixador estadunidense em Kiev, sugeriu-lhe que passasse por cima dos europeus (“Foda-se a União Européia!”, ela exclamou elegantemente!) para constituir uma “oposição” sob medida. A conversa, provavelmente gravada pelos serviços secretos russos, foi tornada pública.

Mas centenas de milhares de ucranianos não estão se manifestando há meses?

Não podemos caracterizar a natureza dessas manifestações sem partir da luta de classes em nível internacional, das relações entre as classes, do imperialismo e da resistência ao imperialismo.

Há uma campanha de desinformação habilmente orquestrada. Por exemplo, num jornal burguês um “especialista” explica doutamente: “Na Ucrânia, como na Bósnia, trata-se da revolta de um povo contra suas elites corruptas”. Que na Bósnia, como na Ucrânia (e também nos Estados Unidos e nas grandes potências “civilizadas”) existam “corruptos”, é indiscutível.

No entanto, quando em 5 de fevereiro, os operários demitidos de cinco empresas privatizadas, em Tuzla, na Bósnia, se revoltaram e ocuparam a prefeitura do governo “cantonal” aos gritos de “Morte ao nacionalismo!” (retomando a palavra de ordem dos partisans da revolução iugoslava “Morte ao facismo!), a União Européia ameaçou enviar tropas suplementares da Eurofor para esmagar a revolta.

Em Kiev, ao contrário, a União Européia e seus representantes, os representantes dos Estados Unidos, não cessaram, durante três meses, de jogar lenha na fogueira para empurrar a Ucrânia na via da desagregação e da divisão. É nesse sentido, por meio de seus intermediários locais, que foram dirigidas e orientadas as manifestações de Kiev (“Euromaidan”). Essas manifestações são, portanto, reacionárias e pró-imperialistas.

Isso quer dizer que todos os que se manifestam são reacionários e pró-imperialistas?

Claro que não! O caráter reacionário das manifestações não significa que elas não tenham se desenvolvido num contexto favorável. De fato, já fazem mais de vinte anos que os sucessivos governos saídos da decomposição da burocracia e seus clãs mafiosos (Koutchma, Yanukovich), e também os governos saídos da “revolução laranja” (Youshenko, Timoshenko), privatizaram, liquidaram, destruíram, pilharam… a serviço do FMI. E, de passagem, locupletaram-se gulosamente, é claro. Lembremo-nos das campanhas internacionais das quais a 4ª Internacional participou em 2003-2004 contra as “reformas” destruidoras da legislação trabalhista, aplicadas por um certo… Yanukovich!

Em tal situação, numerosos cidadãos, aposentados, camponeses, estudantes, e mesmo uma fração da classe operária, participaram das manifestações. Mas isso não é suficiente para dar a essas manifestações um sinal positivo.

Qual é a posição do movimento operário?

Uma parte do movimento operário chamou a participar das manifestações desde meados de novembro de 2013. Em particular, os dirigentes da Confederação dos Sindicatos Livres da Ucrânia (KSPU), que se constituiu ao redor do poderoso Sindicato independente dos Mineiros, o NPGOu. Um sindicato que tem suas raízes nas grandes greves de mineiros soviéticos dos anos 1989-1990 contra a burocracia “restauracionista”.

E sindicatos inteiros vieram, de ônibus, de cidades mineiras para Maidan. Em meados de novembro, um mineiro entrevistado na praça Maidan, vindo com seus companheiros, explica: “Estou aqui porque nos queremos entrar na Europa, porque estamos cheios desse estado corrupto. Quando levamos a direção da mina aos tribunais para exigir que ela respeite nossos direitos, um mafioso chega, molha a mão do juiz na frente de todo mundo, e nós perdemos sempre. Então nós queremos a Europa para ter juízes independentes, que sejam obrigados a respeitar a lei”. Evidentemente, são ilusões. Porque, com a UE, esses mineiros ucranianos não terão um futuro diferente do que tiveram os operários dos estaleiros do Báltico, na Polônia, fechados do dia para a noite, por ordem da Comissão Européia que tinha proibido a concessão de subsídios pelo Estado polonês. Os estaleiros haviam sido o berço do sindicato Solidarnosc, da resistência operária polonesa contra a burocracia, e foram liquidados pela Comissão Européia, com apoio de uma parte dos dirigentes nacionais do sindicato Solidarnosc, contra os operários e seu sindicato Solidarnosc do estaleiro.

São ilusões, elas existem. Mas os trabalhadores que foram à praça Maidan não podem ser responsabilizados. E, como testemunham militantes operários da Ucrânia e da Bielorússia: convocar os trabalhadores, seus sindicatos, para participar de manifestações junto com nostálgicos do nazismo, financiados pela embaixada dos Estados Unidos, isso não poderia terminar bem. E o que deveria acontecer aconteceu: no fim de dezembro, da tribuna da praça Maidan, os dirigentes do Svoboda proclamaram: “provocadores comunistas se concentraram na esquina da avenida Kreshatik!”. Imediatamente, uma centena de delinquentes se dirigiram ao stand da Confederação de Sindicatos Livres da Ucrânia (KSPU) e atacaram seus militantes, mandando vários deles para o hospital.

Os responsáveis pela situação são aqueles que convocaram os trabalhadores, seu movimento sindical a colocar-se a reboque dos agentes da UE e da embaixada dos EUA, contando-lhes fábulas sobre a “Europa social”. Tal como na França, onde vimos recentemente, com o movimento dos “bonés vermelhos”, operários demitidos serem arrastados a se manifestar ao lado dos patrões que os haviam demitido, em nome da “regionalização”. Responsáveis, também, são os pablistas, cujo grupo na Ucrânia apoiou a decisão de alguns dirigentes sindicais de ir às manifestações na praça Maidan2. E os pablistas ucranianos cobriram essa posição explicando que tratava-se do combate pelos “valores europeus”, “o internacionalismo” etc. Como na Síria, eles cobriram durante meses a ingerência imperialista de desagregação em nome de uma pretensa “revolução” contra o regime de Bashar al Assad.

Qual é a política da 4ª Internacional?

Para a 4ª Internacional, trata-se aqui da questão central, internacional, a questão da independência do movimento operário.

Por meio da publicação do jornal Rabochie Izvestiya (cujo número 42, publicado em 22 de fevereiro, traz um artigo dialogando com todas essas questões), por meio da participação de camaradas dessa região na Conferência Operária Europeia de 1 e 2 de março de 2014, em Paris, nós procuramos, modestamente, ajudar nesse combate, em relação com o conjunto de nossa intervenção política em escala internacional.

De nossa parte, nós podemos, sem corar, republicar o que dizíamos em novembro de 2004, quando começava a pretensa “revolução laranja”:

Ninguém pode negar que há uma explosão hoje, na Ucrânia, que pode conduzir ao desmantelamento não apenas da nação ucraniana,mas de toda a Europa. (…) Há dez anos nós viemos explicando que, na Ucrânia, a própria natureza da burocracia estalinista só poderia conduzir não à restauração capitalista mas a essa política de desmantelamento das nações, de pilhagem do país, de destruição da força de trabalho e de sua própria destruição física.

Hoje, o que vemos na Ucrânia, não apenas confirma essa apreciação, mas confirma que não há saída (inclusive no terreno democrático mais elementar da defesa da soberania da nação ucraniana, de sua unidade), não há saída fora do combate pela defesa e reconquista das conquistas de Outubro de 1917. Fora do combate sobre o terreno da propriedade social, indissociável da existência da classe operária e da própria nação ucraniana.” (trechos de um informe apresentado em 28 de novembro de 2004 à direção nacional da seção francesa da 4ª Internacional).

22 de fevereiro de 2014, 16 horas

1 Esta carta foi escrita antes de chegar a notícia da reunião do Parlamento que “destituiu” Yanukovich.

2 Além,dos pablistas, podemos citar no Brasil o PSTU no colo do imperialismo: uma nota de 17 de fevereiro, dias antes da queda de Yanukovich, da LIT-PSTU afirma que o que ocorre na Ucrânia é um “um processo de mobilizações progressista porque enfrenta um governo ultrarreacionário e bonapartista, repressor e entreguista como o de Yanukovich, e porque enfrenta a histórica opressão russa sobre a Ucrânia.” É a reprodução da posição do imperialismo e da União Européia: em nome da “democracia” e “contra a repressão”, patrocinam a ação de grupos abertamente fascistas para promover o caos e a desagregação. O PSTU esconde que senadores dos EUA, como McCain, foram à praça Maidan com esse mesmo discurso. Obrigado a reconhecer que grupos fascistas nos fatos dirigem o processo, o PSTU chega ao cúmulo de afirmar que “a esquerda não pode confundir esse caráter reacionário e pró-imperialista da direção do processo com o caráter do processo de conjunto.” Malabarismo que serve para alienar a independência do movimento operário.

Ao descrever o grupo fascista “Tridente “, o PSTU esconde que se tratam de nazistas que homenageiam os que, em 1941, apoiaram a invasão de Hitler, apresentando o seu inspirador, Stepán Bandera, como “líder rebelde do Exército Insurgente que lutou contra as autoridades soviéticas durante a Segunda Guerra Mundial“! Como para o PSTU o essencial é “enfrentar a histórica opressão russa sobre a Ucrânia”, está explicado porque um movimento dirigido por fascistas pode ser “progressista”.

Com isso, o PSTU reafirma seu acompanhamento do imperialismo, como na ex-Iugoslávia, na Líbia, na Síria…(NdOT).

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