A América Latina passou a liderar os casos novos de coronavírus no mundo. A região soma 4,34 milhões de infectados, superando a América do Norte (4,23 milhões). O Brasil é o mais impactado entre os latino-americanos e o segundo em número de casos no mundo, com mais de 3,1 milhões de infectados e 103 mil óbitos. Apenas 2% da população do país teve o diagnóstico confirmado e os óbitos atingiram o patamar de 7 mil por semana há mais 2 meses. Esse nível se mantém muito acima do que se verifica em outros países. Itália e Reino Unido alcançaram redução de mortes em menos tempo. Estados Unidos permanece com 4-5 mil mortes por semana. (ver gráfico)
A pandemia escancara as condições desiguais de acesso a saúde universal e da precarização dos serviços públicos. As populações mais vulneráveis estão sendo severamente afetadas. Por exemplo, as comunidades indígenas na bacia amazônica estão tendo cinco vezes mais casos do que a população em geral. Além disso os trabalhadores da saúde do Brasil permanecem entre os mais acometidos e com maior número de mortes pela doença. Em São Paulo, o perfil sócio demográfico mais suscetível à infecção continua sendo o de indivíduos pretos e pardos, de menor instrução e menor renda mensal.
Números duvidosos
Essa evolução acontece em meio à confusão intencional de dados e números. O ministro general já havia trocado o número de casos e óbitos diário pelo de “recuperados” no site oficial do Ministério da Saúde em junho. Também tentou alterar os dados de óbitos diários, sem apresentar o total, tendo que voltar atrás depois de decisão do STF. Governadores, como João Dória em São Paulo, alteram a formulação de dados e critérios para afrouxamento do isolamento ao seu bel prazer. Na última semana, para que a capital atingisse o patamar “verde” mais rápido, Dória anunciou uma “calibragem técnica do Plano de São Paulo” na qual aumenta a porcentagem da taxa de ocupação de leitos de UTI para 75% (antes era de 60%) como um dos critérios para flexibilizar mais o isolamento. Outro dado questionável é o de número de doentes, já que o número de testes é muito inferior à necessidade. O ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, em reunião da direção do PT, apresentou comparativo de testes aplicados em alguns países. São 23.096 testes por 1 milhão de habitantes no Brasil. Estados Unidos realizou 155.281 testes/1 milhão de habitantes. Itália 106.111 testes/1 milhão habitantes.
Toma lá dá cá
O Tribunal de Contas da União (TCU), após auditar os gastos com a pandemia, deu 15 dias para o Ministério da Saúde explicar a razão nas baixas dos repasses, e questionou sob qual critério as aquisições e as transferências de recursos foram feitas. Isso porque dos 39 bilhões aprovados para combater a pandemia, apenas 11,5 bilhões foram usados, apenas 29%! E também há falta de critério na divisão de recursos entre estados e municípios. Não há nenhuma correlação de indicadores regionais da doença que expliquem a lógica de distribuição dos repasses. Sem nenhuma explicação surgem referências a “conflitos com gestores locais”, que significa na realidade que esses recursos possam ter sido utilizados como moeda de troca para outros objetivos. E se depender de Paulo Guedes o orçamento para saúde em 2021 será ainda menor, isso porque pretende manter o contingenciamento de gastos da EC 95 e retirar os créditos adicionais aprovados para enfrentar a pandemia para o cálculo do ano que vem. Se isso acontecer a previsão é de R$ 35 bilhões a menos para o SUS. Enquanto isso Bolsonaro segue como garoto propaganda da Hidroxicloroquina que, estudo após estudo, se comprova ineficaz. Medicação em que o Laboratório do Exército gastou mais de 1,5 milhão na produção e que está em investigação por superfaturamento nas compras de cloroquina em pó.
A farra das OSs
Parte desses recursos foi repassado a Organizações Sociais (OSs) para administrar Hospitais de Campanha. Segundo relatório do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de julho de 2020, no Brasil existem 1.114 OSs (40 % delas na região sudeste). O relatório informa de que 93,4% das OSs não registram vínculos empregatícios formais. Realidade exposta no Hospital de Campanha do Anhembi que quarteiriza toda mão de obra médica e cuja empresa está sob investigação. Publicação do Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) detalha esses repasses: em São Paulo chegaram a 92 milhões para OSs do Albert Einstein, do Iabas (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde), SPDM e Seconci. Em Goiás o repasse foi de 57,5 milhões para a OSs Agir.
No Pará, aonde todos hospitais regionais já estão nas mãos de OSs, o total até agora foi de 37,8 milhões. As OSs ficaram desobrigadas a cumprir as metas de seus contratos no período da pandemia por 120 dias pela Lei 13.992, a partir de 1 de março, único mecanismo e controle sobre elas. Na fim de julho, a OS Iabas, que atua em São Paulo e Rio de Janeiro, teve responsáveis presos por desvio de 6,5 milhões em contratos, assim como uso de laranjas para licitações em fraudes desde 2009! Mesma OS que recebeu 18 milhões para administrar leitos no hospital de campanha do Anhembi (SP) e que também está em investigação pelo Ministério Público do estado.
Governo genocida quer naturalizar a tragédia
Sem critério nos gastos e sem gerenciamento da pandemia, numa pseudo batalha entre economia e vida, que escancarou a exclusão social existente no país, Bolsonaro segue na aplicação de seu programa de destruição dos serviços públicos e dos direitos. Mais da metade dos recursos destinados a pandemia não foram ainda utilizados e faltam medicações para sedação, ventiladores, leitos, testes, equipamentos de proteção, máscaras, e aventais em diversas regiões do país. O último boletim do Conselho Nacional de Saúde revela que 21 bilhões estão parados no Ministério da Saúde e essa morosidade se intensificou após o general Pazuello ter assumido, numa política de sabotagem criminosa já denunciada pelo Partido dos Trabalhadores.
Numa postura de naturalizar os casos de óbitos, esse governo não se preocupa em expor os trabalhadores à morte e nós somos aniquilados.
A responsabilidade pela falta de organização e da aplicação dos recursos é de Bolsonaro, e a fez ser denunciado por uma coalizão de representantes de trabalhadores da saúde, por crimes contra a humanidade e genocídio no Tribunal Penal Internacional em Haia no final de julho. Bolsonaro já recebeu outra denúncia no mesmo tribunal em relação ao risco de genocídio dos indígenas. Desta vez porém a denúncia vem com MPs e vetos a leis realizados que retratam atitudes de menosprezo, descaso e negacionismo tendo consequências desastrosas. Citam a ”postura do presidente quando adota medidas que ferem os direitos humanos e desprotegem a população, colocando-a em risco em larga escala, especialmente os grupos étnicos vulneráveis”.
Os recursos não aplicados não têm volta. As vidas que se foram não tem volta. Só o fim desse governo nos dará uma chance real de sobreviver à pandemia.
Juliana Salles