Fim do Bolsa Família: situação já está ruim, vai piorar

Com protestos tímidos da oposição, inclusive do PT, o Programa Bolsa Família fez em 29 de outubro seu último pagamento. Nesta data, o Governo Bolsonaro extinguiu o Programa e toda uma concepção de proteção social que transcendia o mero pagamento da bolsa em dinheiro.

O Bolsa Família, instituído no primeiro governo de Lula, era o programa central de uma rede que visava a unificar a proteção social às camadas mais vulneráveis da sociedade, jogadas à margem da produção e do consumo pelos efeitos da crise do sistema capitalista, mais drásticos em nações oprimidas pelo imperialismo, como o Brasil. Por isso mesmo, o Bolsa Família se baseava no Cadastro Único, que reunia o conjunto das famílias incluídas no seu perfil de renda, articulando o próprio benefício monetário com o atendimento previdenciário, a assistência à saúde, a requalificação e recolocação no mercado de trabalho e outros programas governamentais. A isto se chamou de rede de proteção social.

A instituição do Bolsa Família foi peça central entre as medidas dos governos Lula e Dilma, que teve um papel na redução da pobreza extrema. Com efeito, tomando dados abrangentes da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), investigação do INSPER/Oppen Social mostra que, neste mesmo período, houve uma melhora na renda das camadas mais pobres, o que se explica também por conquistas operárias como o reajuste real do salário mínimo. Tal tendência, segundo o mesmo estudo, foi revertida a partir do golpe de 2016.

22 milhões ficarão de fora
O fim do Bolsa Família se dá a pretexto da instituição de um novo programa, o Auxílio Brasil anunciado por Bolsonaro já há meses. Este programa abandona a metodologia do Cadastro Único e, assim, desmonta a rede de proteção social. Por outro lado, o Auxílio Brasil reduz o número de indivíduos beneficiados de 39 para apenas 17 milhões, excluindo 22 milhões de beneficiários. O aumento de famílias atendidas que Bolsonaro alega corresponde somente às 10 milhões que estão há meses na fila de espera do Bolsa Família, como todos os pré-requisitos para sua inclusão, sem serem admitidas no Programa. Ficam descobertos ainda os beneficiários do auxílio emergencial da pandemia, que terminou no dia 31 de outubro e ainda não se sabe se será prorrogado.

Contudo o pior é o fato de que nenhuma política de assistência substituirá de fato o Bolsa Família. O Auxílio Brasil traz a “novidade” de que não prevê políticas tributárias que compensem o gasto com assistência, uma norma obrigatória para programas sociais permanentes. A vigência do Auxílio Brasil se encerra em dezembro de 2022, logo após as eleições presidenciais.

O custo do programa, que não cabe no teto dos gastos, seria coberto pela suspensão do pagamento de precatórios devido a estados e municípios, incluindo aí a dívida com os professores das redes oficiais de ensino, advinda de ações judiciais já vencidas pelos sindicatos.

A PEC do calote, depois de idas e vindas e muita negociata, em função da crise que corrói o governo, foi aprovada em 1º turno. Entretanto, tal crise não dói no bolso e nem no estômago dos que compõe o governo. Já a situação do povo está cada vez mais próxima da descrita num poema de 1947, “O Bicho”, de Manuel Bandeira, citado em um artigo de Cristina Serra (FSP): “Vi ontem um bicho/ Na imundície do pátio/ Catando comida entre os detritos/ Quando achava alguma coisa/ Não examinava nem cheirava/ Engolia com voracidade/ O bicho não era um cão/ Não era um gato/ Não era um rato/ O bicho, meu Deus, era um homem”.

Eudes Baima

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