Festa estranha, com gente esquisita

De Nova York, Ministros do STF e representantes de banqueiros mostram suas armas em evento organizado por Dória

Em Nova York, nos dias 14 e 15 de novembro, duas semanas após as eleições em que a maioria do povo brasileiro rechaçou a política de Bolsonaro (PL) e deu uma vitória extraordinária a Lula (PT) ministros do STF e porta vozes do “mercado” se reuniram num evento organizado por uma empresa do Grupo Doria.

A Lide, promotora do evento chamado “Lide Brazil Conference” é de propriedade do ex-governador de São Paulo, João Dória, que divide o cargo de vice-chariman com Fernando Meirelles e o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, já Luiz Fernando Furlan é o chairman (presidente do conselho de administração).

Na lista de palestrantes e convidados, além de ministros STF (Supremo Tribunal Federal), ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), do TCU (Tribunal de Contas da União), Michel Temer, e mais de 260 empresários. A imprensa especulou que o preço do ingresso seria de US$ 10 mil (R$ 53 mil). A lista de painelistas é grande, no primeiro dia sob o tema “Brasil e o respeito à liberdade e à democracia”: Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto, ex-ministro e ex-presidente do STF e Antonio Anastasia, ministro do TCU. No segundo dia, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central; Henrique Meirelles, ex-ministro da fazenda e ex-presidente do BC; Isaac Sidney, presidente da Febraban; Joaquim Levy, diretor do Banco Safra e ex-ministro da Fazenda; Pérsio Arida, ex-presidente do BNDES e do Banco Central e equipe de transição do governo Lula; Rodrigo Garcia, governador de São Paulo; Rubens Ometto, presidente do Conselho de Administração da Cosan, no painel “A Economia do Brasil a partir de 2023”.

Temer à Lula: chame Bolsonaro, os governadores e a sociedade civil para governar
Na abertura, Michel Temer, que ocupou o cargo de presidente a partir de um golpe em Dilma (PT) em 2016, com a participação do STF e do Congresso, abre sua intervenção em defesa da “ideia da paz”. “Unam-se todos, não significa que você não possa ter divergências de natureza programática, ideológica (…) tanto que se fala muito em polarização (…) a meu ver é útil, um embate de ideias, já a radicalização importa na violência. O país vai ter paz quando todos pregarem a Constituição.” Evocando a Revolta de Jacareacanga, em que militares se revoltaram contra a eleição de JK foram anistiados, Temer recomendou “penso que tanto o presidente atual como o presidente eleito devam lançar palavras de harmonia em obediência ao texto constitucional (sob aplausos). Para o meu paladar político o presidente eleito, ao invés de fazer críticas ao presidente atual com palavras até um pouco agressivas deveria dizer: é razoável a sua angústia (de Bolsonaro – N. do E.), mas peço a sua colaboração, peço a colaboração de todos os brasileiros para que nós possamos tranquilizar o Brasil, ou chamá-lo até para governar comigo, para me auxiliar no governo (com Lula – N. do E.), não só eles, mas governadores de estado, chefes de poderes, entidades da sociedade civil.”

Alexandre de Moraes, ministro do STF e presidente do TSE, enalteceu a atuação do poder judiciário na “garantia da democracia” e as “instituições fortes” que contam “juízes de primeira instância até o STF que respeitam à constituição” sequer comentou sobre os crimes eleitorais como assédio empresarial ou as tentativas de compras de votos que ocorreram em todo o Brasil sem que nenhuma pessoa tenha sido presa, muito menos as operações bolsonaristas da PRF no 2º turno das eleições presidenciais.

Para Dias Toffoli, “defesa da verdade factual” é o grande desafio para a sociedade. Evocando texto de Celso Laffer, apresenta três instituições que vão defender a “verdade factual”: a imprensa, a academia e a ciência, e a magistratura e prossegiu “o que assistimos na pandemia, a ciência trazendo as soluções necessárias via a imprensa séria e a magistratura colocando os limites e dando as determinações daquilo que se atestava como seguro, sério e correto. Não posso deixar de registrar o ministro Ricardo Lewandowski… João Dória fez com a vacina (aplausos)… mas houve uma decisão judicial sobre o governo federal (…), foi o STF que deu a decisão de comprar as vacinas”. Logo depois defendeu as privatizações de FHC, a PEC do teto de gastos e a reforma trabalhista de Temer “para trazer as relações de trabalho para a contemporaneidade”. Dias segue sua avaliação ligando a eleição de Bolsonaro a “alguns abusos ocorridos no combate à corrupção”, fazendo alusão à Lava-Jato. Caracterizou Bolsonaro como “um presidente de direita, com apoio da extrema-direita, ao contrário do primeiro governo Lula que expulsou a extrema-esquerda deu origem a Psol e o PSTU, o governo Bolsonaro não se desfez da extrema-direita e vai ao centro, enfrentando as corporações. Não tenho tempo para explicar o que quero dizer com isso.”

Gilmar Mendes, constantando o que chamou de “longo período de normalidade institucional”, disse que é fundamental que o Brasil crie uma nova agenda. “Nós construímos, e aqui estão economistas que participaram deste esforço, a ideia de responsabilidade fiscal e avançamos significativamente nisso (…). É fundamental e a pandemia chamou a atenção para essa necessidade, que nós agora comecemos escrever um outro capítulo que é a responsabilidade social, que nós trabalhemos com uma agenda de inclusão.”

O consenso… com as privatizações, a retirada de direitos e o ajuste fiscal
Recém chegado da COP 27 (27ª conferência do clima da Organização das Nações Unidas), Luís Roberto Barroso, disse “que as supremas cortes são alvos preferencias” e que “em última análise o nosso papel é mesmo limitar mesmo o poder político majoritário”. Barroso, que suspendeu o pagamento do piso da enfermagem a pedido dos hospitais privados e prefeitos, defendeu que “nós precisamos de uma agenda de consensos (…), é preciso denominadores comuns, disse o presidente Michel Temer, disse o Alexandre antes… eu estou de pleno acordo(…). Fiz uma pequena lista do que considero… a lista seria enorme. Começo pelo combate à fome, o país que tem gente passando fome precisa parar tudo (…), precisamos de desenvolvimento sustentável (…) e terceiro lugar, a prioridade máxima para a educação básica, e em quarto lugar investimento em ciência e tecnologia, nós vivemos a economia do conhecimento, quando a maior parte de nós éramos mais jovens e mais bonitos as empresas mais valiosas do mundo eram as que exploram petróleo como a Esso e a Shell (…) as empresas mais valiosas do mundo são a Amazon, Facebook (…).” E seguiu, “nós precisamos acabar com esse preconceito que existe contra a livre iniciativa e o empreendedorismo e também usar a livre iniciativa para grandes causas no Brasil como saneamento básico e habitação popular”.

Ricardo Lewandowski, também ministro do STF, com objetivo de mostrar os empresários nacionais e estrangeiros o quanto o Brasil é “seguro” para o capital, logo no início da sua fala apontou temos “marcos regulatórios que permitem que os empresários prevejam suas ações (…)”, “temos a lei de responsabilidade fiscal (…), temos a lei das estatais (…), fizemos (sic!) recentemente uma reforma trabalhista (…), estabelecemos uma emenda constitucional em que fixamos um teto de gastos para despesas públicas (…).” Tudo, segundo ele, para garantir a “tranquilidade todos aqueles que queiram investir no Brasil”.

No dia seguinte, novamente as instituições, o consenso e as “reformas”
No segundo dia, foi a vez da banca financeira. Henrique Merielles, defendeu a “excepcionalidade” para o auxílio emergencial de R$ 600,00, mas com limites. Logo ele explica, “o grande problema que não está sendo discutido no Brasil, neste momento, que eu acho que será necessário e espero que não demore muito é o que fazer depois. Não é simplesmente subir das despesas previstas, ficar quieto e só discutindo quanto vai se gastar mais e continuar dentro dessa linha e adicionando eventualmente outras coisas em ano futuros.” Para ele é preciso uma reforma administrativa, mas não é bom chamar assim “para não criar problema político”. A refoma administrativa de São Paulo seria o exemplo a ser seguido.

Isaac Sidney, presidente da Febraban, a exemplo dos ministros do STF, também exaltou as instituições. “Existe agora um ambiente democrático consolidado no Brasil e a Febraban não hesitou em empenhar apoio à democracia. A harmonia dos poderes não é só importante, é imprescindível. Nós confiamos na capacidade e na responsabilidade dos atores políticos. A eleição já passou (…)”. E segue: “o modelo de investimento do poder público copalsou, nós precisamos buscar um modelo que tenho no capital privado a centralidade (…)” para logo emendar com “o fundamental é que qualquer que seja a política que o novo governo vier adotar se paute pelo equilíbrio das contas” (sob aplauos). Ainda sobre as instituições, “segurança institucional, em qualquer economia tem que servir como um muro de contenção para um crescimento sustentável (…) as regras do jogo precisam ser estabelecidas numa perspectiva de longo prazo, investimento não dialoga com surpresas institucionais, com instabilidade, com confrontos e ruídos políticos, com falta de previsibilidade e segurança jurídica. Segurança institucional significa que independentemente do governo que foi eleito (…) as regras postas são respeitadas e não serão alteradas durante o jogo.” Numa, segundo ele, mensagem de otimismo, concluiu: “nós confiamos nas nossas instituições que não fraquejaram e em nossos poderes aqui representados (…). Tão criticados que somos, nós vamos continuar ajudando este pais (…), o Brasil precisa de uma grande conjunção de forças, de um pacto de debate de ideias e não de bravatas.”

Persio Arida, presidente Banco Central durante o governo FHC e hoje na comissão de transição de governo, defendeu “três reformas que o Brasil precisa para começar a crescer mais, abertura e integração com o mundo, a reforma do estado, e a reforma tributária”. Usando como exemplo o agronegócio, afirmou que “o futuro do Brasil está na integração com o comércio e o fluxo de capitais mundiais, a ideia autárquica de cortar os canais com o mundo não faz sentido (…) o agronegócio é uma economia com tecnologia e voltada essecialmente para o mercado externo, é esse o nosso caminho (…) o Brasil precisa firmar o acordo do Mercosul com a União Européia, entrar na OCDE e se integrar ao máximo na economia mundial” prossegiu com a reforma do estado, medindo palavras defendeu a reforma administratrativa com “unificação de carreiras (…) e atribuição diferenciada de retornos a quem trabalha mais e a necessidade de revisar os gastos públicos”. Por último, defendeu uma reforma tributária “em direção ao IVA (Imposto de Valor Adicionado), tem duas PECs no Congresso já razoavelmente avançadas”.

Emílio Oliveira

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