A França treme

Movimento contra a reforma da Previdência abre crise política

A França está sob o impacto da luta contra a reforma da Previdência do governo Macron. Ela sobe de 42 para 43 anos o tempo mínimo de contribuição e eleva de 62 para 64 anos a idade para aposentadoria (embora muitas pessoas só se aposentem depois de 67 anos).

Há dois meses, sucedem-se manifestações de 1 milhão, 2 milhões e até 3 milhões de cidadãos. A próxima, a 9ª Jornada de luta é em 23 de março, após a esdrúxula “aprovação” sem voto da reforma (v. Abaixo).

A força do movimento que vem de baixo faz com que todas as centrais convoquem conjuntamente, o que não é comum. A “moderada” CFDT (Confederação Democrática), junto com a CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) e a FO (Força Operária). As pesquisas mostram que três quartos do povo está contra a reforma.

Alguns locais de trabalho, e com centrais diferentes, começaram a adotar a greve reconduzível. Em assembleia, os trabalhadores discutem e decidem continuar em greve após a jornada nacional. Para isso, eles se apoiam na organização por local de trabalho com delegados sindicais que não existe no Brasil.

Estão nesta situação “reconduzível” sindicatos de lixeiros – daí os detritos amontoados em Paris – e de forma intermitente a energia, os portos, ferrovias e refinarias, inclusive no setor privado. A juventude dos liceus e das universidades entrou em campo (50 campi parados).

A esta altura, segundo o jornal patronal L’Opinion (10 de março), “o único acontecimento que poderia mexer no presidente é um país parado, isto é, a greve geral reconduzível, que produziria um choque econômico’, confessa um de seus íntimos”

Macron mantem o braço-de-ferro impopular. Engajado na guerra da Ucrânia, ele prefere por 400 bilhões de euros em armamentos do que por nas aposentadorias.

O 49-3
No dia 16, Macron, sem maioria absoluta na Assembleia Nacional e temendo a derrota, recorreu ao dispositivo constitucional do artigo 49 artigo 3, o 49-3. Ele permite dar por adotada uma lei sem passar pelo voto no parlamento – isso é a “democracia” francesa…
Na verdade, é a Constituição de 1958, a 5ª República de De Gaulle, que atribui poderes exorbitantes ao presidente – cabeça e pilar do Estado – fazendo do primeiro-ministro um mero executor e do parlamento um cartório de registros, ao contrário do parlamentarismo.
Se uma Moção de Censura no parlamento for aprovada, dia 20, cairia a reforma e o primeiro-ministro, e poderia levar a novas eleições legislativas. Não é provável, segundo a imprensa. Boa parte da direita não votava a reforma, mas não quer derrubar o governo. Com isso, há a dimensão da crise de regime, institucional, com um governo paralisado com mais 4 anos de mandato. Difícil.

Na noite de 16 de março em Les Mans, manifestantes queimam simbolicamente o número do artigo da Constituição francesa usado por Macron para aprovar a reforma sem vota-la no parlamento.

Luta de classes

O fato é que milhões de pessoas estão percebendo a brutalidade destas instituições. Não é uma filigrana jurídica, mas a negação da democracia. Tanto é que após a aplicação do 49-3, houve uma explosão de raiva com manifestações espontâneas em várias cidades, que as centrais sindicais procuram dirigir. Novos locais entraram em greve, outros a reconduziram, e houve uma leva de bloqueios de estradas no interior, à moda dos “Coletes Amarelos” de há 4 anos.

Efetivamente, a questão decisiva agora é as centrais sindicais jogarem na generalização do movimento pela retirada da reforma.

Todos os jornais e TVs da Europa estão em cima da crise, devido à instável situação do continente com greves em vários países em função das consequências da guerra na Ucrânia.

A decisão via 49-3 pode ser “legal” mas é ilegítima para adotar sem voto esta odiada reforma. Condições se reúnem, então, para ultrapassar a decisão “legal” pela luta de classes, com ou sem Moção de Censura, num movimento que pare o país. O governo está muito fragilizado.

O Partido Operário Independente, que é membro da coalizão de Mélenchon, convoca uma Assembleia em 26 de março onde estas questões serão discutidas.

Ele afirma “que é necessário liquidar as instituições da 5ª República para dar a palavra ao povo que, numa Assembleia Constituinte Soberana, ou outra forma, definirá o conteúdo da ‘legalidade’ conforme aos interesses das massas, como expressão de sua própria mobilização no terreno de classe para acabar com este regime”.

19/03/2023

Markus Sokol

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