Greve é direito: trabalhadores encaram ameaças e afirmam que “lutar não é crime”
Depois de quinze dias de greve, os servidores municipais de Florianópolis (SC) encerraram o movimento em assembleia, gritando: “direitos, vitória de quem luta!”. A decisão da categoria foi aceitar os termos negociados em uma câmara de conciliação do Tribunal de Justiça.
Quanto ao reajuste salarial, a categoria conquistou um índice de 4% retroativo à data-base de 1º de maio, em parcela única, frente a uma inflação de 3,83%, e 8% de aumento nos vales alimentação e lanche.
Mas o foco da pauta este ano eram os pisos e planos de carreira, de acordo Bruno Ziliotto, diretor do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Sintrasem). O Piso Nacional da Enfermagem será pago integralmente no vencimento, assim que chegarem os recursos repassados pelo governo federal.
Os auxiliares de sala, que a prefeitura não reconhece como parte do quadro da educação, terão a incorporação de gratificações no valor de R$ 600,00, aproximando seus salários ao Piso Nacional do Magistério. O acordo prevê ainda iniciar a “descompactação” da carreira do Magistério a partir de julho, assim como o pagamento de parcelas devidas no Plano de Carreira do chamado Quadro Civil (que abrange os servidores da Saúde, Assistência Social e outras secretarias). Por fim, estabelece prazo para lançamento de edital de concurso público e prorrogação daqueles em vigor.
Categoria resistiu a todo tipo de ameaça
Com medo da força da mobilização, o prefeito Topázio Neto – um bolsonarista do PSD que acumula condenações judiciais por descumprir direitos trabalhistas em suas empresas – correu à Justiça. “Logo nas primeiras 24 horas do movimento, já tinha uma liminar de ilegalidade da greve, um pedido da prefeitura acatado por um desembargador em decisão monocrática. A categoria resistiu bravamente”, conta o diretor do Sintrasem.
O Sindicato denunciou, durante o movimento, as ameaças diárias de demissões, desconto, punições, multa à entidade, pedido de prisão de dirigentes. Em um movimento de solidariedade, quase 200 organizações de todo o país enviaram moções e participações em um ato. A CUT-SC cumpriu importante papel na organização dessa campanha.
Os servidores enfrentaram as decisões que tentavam negar o direito de greve com… o fortalecimento da greve! Não abaixaram a cabeça, afirmaram que lutar não é crime, e foi essa resistência que possibilitou os avanços no atendimento da pauta e, mais que isso, a formalização de que não haverá perseguição a nenhum grevista (contra a vontade de Topázio) e a conversão da multa contra o Sintrasem, que seria de cerca de R$ 2.6 milhões, em doação de alimentos.
“Nós tivemos mais de 200 novas filiações no sindicato. A categoria sabe que o instrumento de luta dela e a sua organização coletiva é que garantiu essas vitórias”, conta Bruno.
Luta contra as Organizações Sociais
A defesa dos direitos e salários dos servidores públicos é também a defesa da qualidade dos serviços públicos que atendem a população, e um dos eixos centrais da greve era o enfretamento ao projeto de terceirização de Topázio, que está entregando unidades para Organizações Sociais (OSs).
A categoria conseguiu “estancar” a terceirização: apesar de o governo não ter recuado da sua intenção de entregar a gestão de duas UPAs, o acordo formalizado no TJ registra que nenhum outro equipamento será repassado para OSs até o fim desse governo.
O Sindicato registrou que os trabalhadores não vão recuar no combate contra as OSs.
por Juçara Rosa e Priscilla Chandretti
Personagens desta luta
Veja os relatos de trabalhadores da categoria:
Amanda Vingla, diretora do Sintrasem
A greve teve um início muito forte. Destaco a participação dos trabalhadores da educação infantil, que estiveram presentes em peso desde o início, e a luta pela valorização das auxiliares de sala com a reivindicação do Piso Nacional do Magistério proporcional à jornada de 30 horas (uma campanha que se iniciou ano passado e ganhou mais forças esse ano). Apesar de todos os ataques que a categoria sofreu, os trabalhadores se mantiveram firmes.
Ana Cristina, odontóloga
Estou como conselheira da minha unidade há quatro anos, sempre tentando fazer a articulação com os colegas do meu local de trabalho. A cada ano vamos conseguindo participar mais. Procuramos engajar a nossa comunidade através do Conselho de Saúde local, e tivemos o apoio deles com uma moção. Nessa greve, a participação dos meus colegas de unidade foi bem maior. Estivemos juntos nas assembleias, passeatas, fizemos muita divulgação nas redes sociais e criamos um grupo de WhatsApp para combinarmos as estratégias. Nos mantivemos unidos e mobilizados!
_
Cristiane Eidam, professora
Não sou só servidora, sou usuária do serviço público. Quando a prefeitura não negocia, é intransigente, criminaliza o movimento, eu me sinto duplamente desrespeitada. E quando a mídia dizque o movimento de greve está fraco, eu me sinto insultada. Fiz “roteiros” [organização dos locais de trabalho para visitas do comando de greve] e por onde eu passei fui muito bem recebida, tanto pelos trabalhadores quanto pela população atendida. Anoto todos os números e sei que nossa greve cresceu a cada dia, apesar das ameaças.
_
_
_
Cristiane Konzen, enfermeira
É um ano diferente para a enfermagem que conquistou o piso nacional da enfermagem, uma luta de 30 anos e a gente pela sua efetivação. Foi minha primeira experiência na mesa de negociação, eleita pela categoria representando a Saúde e vi que, além do desmonte do serviço público, a prefeitura não se compromete com a valorização dos servidores (…)
Essa greve teve forte adesão na saúde e meus colegas enfermeiros e técnicos se colocaram no movimento, mas só fomos vencedores porque a categoria se manteve unida!
_
Gilberto André Borges, professor
Estou feliz por ter participado da greve e me posicionar do lado justo da história. Do lado dos que buscam melhores condições de trabalho, apoiando a luta por um atendimento de qualidade à população. Me vejo na obrigação de lutar por educação pública, laica, gratuita e de qualidade e estou preocupado com o avanço das terceirizações e com o sucateamento. Contribuí com as discussões no meu núcleo de trabalho e, nas assembleias e atos, levo um tamborim para fortalecer a “bateria” do sindicato.
_
_
Lucas de Souza, assistente administrativo
Após a deflagração da greve, a minha rotina como parte do comando de greve foi de visita nos locais de trabalho com baixa adesão, para convencer que a pauta da categoria é justa, e na maioria dos locais nos receberam bem, nos escutaram e relataram suas dificuldades, medos e angústias.
Nos atos, como o realizado na UPA Sul, houve uma boa aceitação da população. Buscamos mostrar a maneira negligente que o prefeito trata a categoria, além do avanço das OSs no serviço público municipal, o que caracteriza a visão privatista do governo local.