Um cataclismo na União Europeia com repercussões mundiais (*)

(*) Reprodução da “Folha do POUS” de 3 de julho de 2016 do Partido Operário de Unidade Socialista Seção portuguesa da 4ª Internacional; uma tradução de artigo publicado no jornal “Information Ouvriéres” (Informações Operárias, jornal do Partido Operário Independente da França)

Depois das instituições da União Europeia (UE) e da generalidade dos detentores do capital financeiro terem tentado, por todos os meios, impedir que o povo britânico se pronunciasse pela saída do Reino Unido da UE. A resposta foi inequívoca! O governo de Cameron começou por estabelecer um Acordo com as Instituições de Bruxelas que conferiria ao Reino Unido um estatuto privilegiado, com importantes cláusulas de “excepção” relativamente aos outros Estados-membros da União Europeia. Em seguida, fez uma chantagem sistemática com os imigrantes, ameaçando tomar, contra eles, medidas adicionais que agravariam a sua situação “se a Grã-Bretanha saísse”.  As primeiras ondas de choque do voto do povo britânico foram avassaladoras: uma desvalorização da libra face ao dólar para valores de há 30 anos, uma queda histórica nas Bolsas de todo o mundo (de Tóquio a Nova Iorque, passando por todas as principais Bolsas europeias) só comparável ao “crash” bolsista de 2008. Os resultados do referendo do passado dia 23 de Junho no Reino Unido mostram, por um lado, que a classe operária e os povos do Reino Unido compreenderam (como todos os povos da Europa) que não há futuro no quadro da União Europeia (UE), dos seus Tratados e das suas Instituições, cujo objectivo declarado é a destruição das conquistas económicas, sociais e políticas arrancadas pelos trabalhadores e pelos povos ao longo de dezenas de anos, e por outro, que se recusaram a ceder à chantagem da propaganda veiculada pela Comunicação social do regime. A União Europeia, o FMI, os Bancos da “City” e até o presidente Obama, todos se empenharam na campanha pela permanência do Reino Unido (a 5ª economia mundial) na UE. Apesar dos esforços de todas estas forças pela permanência na UE, o povo britânico votou pela saída. Sobre o significado do referendo, Angela Merkel, em conferência de imprensa, não foi branda nas palavras. Considerou a saída do Reino Unido, como “um golpe” na UE. A decisão dos trabalhadores e da população do Reino Unido, além de ter aberto uma crise política no Reino Unido – onde o Governo está demissionário e o Partido Conservador que o sustenta rachado ao meio – constitui um factor novo, da maior importância, que irá precipitar a crise que dilacera as Instituições da União Europeia. Dadas as repercussões e consequências que tiveram, continuam a ter e terão no futuro por toda a Europa, publicamos abaixo um texto, de análise à situação emergente do referendo e dos seus resultados, publicado no boletim Labour News (animado por simpatizantes da IVª Internacional no Reino Unido).

Depois do referendo: acabar com o Governo

Se existe um facto que todos os comentadores tiveram dificuldade em esconder foi um voto massivo do eleitorado popular, com 72% de participação. Em algumas circunscrições operárias, o voto favorável à saída da União Europeia superou os 60% (e mesmo, em alguns casos, os 70%), com elevados índices de participação. Os centros industriais registaram os resultados mais volumosos a favor da saída: Great Yarmouth (71%), Castle Point in Essex (73%), Redcar and Cleveland (66%). Os trabalhadores também votaram contra a Direcção da Confederação sindical dos TUC, que tinha empreendido uma vergonhosa campanha, explicando que todos os direitos dos trabalhadores deste país eram atribuíveis à UE. Também votaram contra a Direcção do Partido Trabalhista, que não hesitou em fazer campanha com os Conservadores e David Cameron. E votaram ainda contra Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, eleito por uma ampla maioria da base do partido e dos sindicatos contra a antiga Direcção direitista. Mesmo se Corbyn não quis fazer campanha com a direita, a sua campanha “É possível outra Europa, uma Europa social” visava impedir qualquer expressão independente da classe operária.

A responsabilidade dos dirigentes do Partido Trabalhista

Além disso, todos os que – da esquerda aos sindicatos – organizaram campanhas pela saída, em conjunto com conservadores como Boris Johnson (ou inclusive com a extrema-direita, o UKIP e Nigel Farage), escamotearam o que realmente estava em jogo neste referendo, participando na campanha que visava identificar todos os opositores à UE como «soberanistas», ou mesmo racistas. E, ao fazerem uma campanha comum com conserva-dores, também protegeram o governo de Cameron. Só três federações sindicais:RMT, trabalhadores do transporte; Aslef, maquinistas de trens; e BFAWU, setora da alimentação, que tomaram uma posição favorável à saída da UE, se negaram a fazer campanha com a direita e organizaram uma campanha operária (“Lexit” – “Saída de esquerda”), contra a UE e contra os Conservadores. Num comunicado de “Lexit” é dito: “Esta campanha poderia ter sido uma grande cruzada do Partido Trabalhista, se este se tivesse colocado à cabeça da indignação da classe operária. (…) O que permitiu que a direita apropriar-se de uma vitória que, na realidade, não é sua (…).”  Quanto aos Conservadores, há uma coisa em que estão de acordo: em continuar a destruição de todas as conquistas operárias, dos serviços públicos e dos empregos; e, portanto, dos sindicatos postos de pé pelos trabalhadores. Aqueles que, como Boris Johnson ou Michael Gove, apoiam a saída, vêem nela um meio para renegociar os termos da participação britânica na defesa dos interesses do capital financeiro na Europa, de uma maneia mais vantajosa para eles, no âmbito de uma crise geral das instituições da UE. Dentro ou fora, continuarão a fazer a mesma política, com o apoio da UE. Foi assim que, no dia do referendo, Johnson e os 86 deputados conservadores pro-«Brexit» escreveram uma carta a Cameron, dizendo-lhe que, «qualquer que seja a decisão do povo britânico, vós tendes o mandato e o dever de continuar a dirigir o país e a implementar o nosso Manifesto (o Programa do Partido Conservador)». Apesar disso, como expressão da crise, Cameron demitiu-se.

Poupar Cameron… é salvar a União Europeia

Não há dúvida de que a votação do eleitorado popular infligiu um sério golpe ao Partido Conservador. De facto, o Grupo parlamentar conservador está cindido em dois. Tudo está a ser feito para que a substituição de Cameron seja levada a cabo no Congresso do Partido Conservador, em Outubro, onde um acordo deverá ser selado no seio do partido para continuar a governar com uma maioria muito exígua (só 18 deputados). Boris Johnson faz assim tudo quanto pode para poupar Cameron, o seu partido e salvar a UE, cujo afundamento – sob o efeito combinado das suas próprias contradições e da resistência dos povos – ele compreende perfeitamente que abriria a via da desestabilização de todos os governos que ligaram o seu destino à defesa do capital financeiro.  No Partido Trabalhista, a campanha para continuar na UE não fez mais do que fortalecer a direita do partido, os “blairistas”, que esperavam a mais pequena ocasião para acabar com Corbyn e pôr em causa a votação de 60% dos filiados, simpatizantes e sindicalistas que o elegeram no ano passado. No dia seguinte, Hillary Benn, ministro dos Negócios Estrangeiros do “governo-sombra” de Corbyn e chefe de fila dos partidários da intervenção militar na Síria em Dezembro passado, era destituído após ter pedido a demissão de Corbyn, responsabilizando-o pela derrota. Em consequência disso, outros doze membros desse gabinete-sombra demitiram-se durante o fim-de-semana.  Em seguida, dois deputados apresentaram una moção de censura a Corbyn. Este recusou demitir-se, apoiando-se no mandato massivo dos filiados, mas os constantes compromissos com a direita do partido fazem com que se encontre debilitado. Poderia ser organizada uma nova eleição interna, se 50 deputados do Labour a solicitassem. Mas, os filiados opõem-se em massa ao golpe de Estado contra Corbyn e a palavra de ordem de eleições legislativas antecipadas foi avançada por alguns. Neste momento nada indica que elas terão lugar, estando os Conservadores a fazer tudo para as evitar.   Isto não pode ser resolvido à margem da luta de classes.

É inegável que a votação sobre o «Brexit» abriu uma crise nas instituições britânicas, mas os problemas e os ataques com que está confrontada a classe operária não se irão resolver à margem da luta de classes. O comunicado de “Lexit” recorda, com toda a razão, que todas as conquistas operárias são fruto da luta de classes, e conclui: “A única coisa que a esquerda pode fazer agora é unir-se à volta deste resultado e combater os Conservadores.”

“Pôr fim à austeridade agora!”

Aproveitemos a crise dos Conservadores, não esperemos por futuras eleições, é agora que há que derrotar al Governo na luta de classes. Os internos do NHS (Sistema de Saúde britânico) fizeram fracassar, até agora, o plano do Governo de reforma do seu contrato laboral, fazendo greve em oito ocasiões, quatro delas de maneira total. O acordo proposto pelo Governo foi submetido ao voto dos internos sindicalizados na British Medical Association (BMA – Associação dos Médicos Britânicos). A 6 de Julho, se não tiverem obtido a satisfação das suas reivindicações, organizarão nova greve. Uma vez mais, será necessária a solidariedade activa dos restantes trabalhadores do NHS e dos seus sindicatos, mas também de todo o movimento sindical e da Direcção do Partido Trabalhista para fazer Cameron retroceder. Pela sua parte, 92% dos docentes do NUT (Sindicato dos Professores) votaram a favor de una jornada de greve a 5 de julho para defender as suas condições laborais ameaçadas pelo projecto de privatização total do Ensino.

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